Alimentação é saúde; ou não. As nossas escolhas nutricionais interferem no comportamento do nosso corpo, seja de maneira positiva ou negativa. O estudo de Camila Vieira Tiecher, realizado durante o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Nutrição (PPGN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) sob orientação de Ana Carolina Fernandes, realizou a adaptação, o teste e a avaliação de receitas culinárias voltadas às pessoas com diabetes mellitus tipo 2 (DM2).
A pesquisa “Adaptação e testes de receitas culinárias do Programa Nutrição e Culinária (NCC) na Cozinha para indivíduos com diabetes mellitus tipo 2” surgiu para dar continuidade ao programa desenvolvido pela professora vinculada ao Departamento de Nutrição da UFSC e coorientadora de Camila, Greyce Luci Bernardo, durante o doutorado.
As receitas adaptadas foram retiradas do NCC com o objetivo de auxiliar os participantes no preparo de receitas culinárias que estimulem práticas alimentares saudáveis. “No meu estudo adaptamos as receitas que têm baixo índice glicêmico e as testamos com indivíduos com diabetes mellitus tipo 2, uma doença com alto índice no Brasil e no mundo”, diz Camila. Para a pesquisadora, o tratamento de pessoas com essa doença pode passar pelo consumo de alimentos com baixo índice glicêmico (IG).
O índice glicêmico é um indicador que aponta a velocidade em que um alimento com carboidrato eleva a glicose no sangue, ou seja, ele diferencia os alimentos que, mesmo tendo a mesma quantidade de carboidrato, podem ter índices glicêmicos diferentes (um mais alto que o outro). Esse processo está diretamente associado com o nível de açúcar que circula no sangue. “Observamos na literatura científica o potencial de dietas com baixo índice glicêmico no tratamento de pessoas com DM2, por isso buscamos adaptar receitas culinárias especialmente para esse público. Percebemos, após as buscas bibliográficas, a ausência de metodologia de adaptação e desenvolvimento de receitas culinárias para DM2”, explica a pesquisadora.
O desenvolvimento da pesquisa
Na primeira etapa da pesquisa foram identificados e substituídos os ingredientes de alto e médio índice glicêmico (IG) das receitas culinárias do NCC por ingredientes de baixo IG. Na etapa seguinte, as receitas culinárias adaptadas foram testadas no Laboratório de Técnica Dietética da UFSC e verificou-se sua adequação quanto ao preparo, por meio de oficina com especialistas.
As receitas culinárias adaptadas foram degustadas e avaliadas qualitativamente, por meio de grupos focais, com indivíduos com diabetes mellitus tipo 2 que apresentaram opiniões e sugestões de melhorias sobre as preparações culinárias.
Foram analisadas 32 receitas culinárias do Programa NCC e aquelas que apresentaram alimentos de alto ou médio índice glicêmico foram adaptadas. Do total, 18 receitas foram adaptadas, sendo que as principais alterações foram as seguintes: substituição do arroz e do macarrão pela couve-flor picada cozida com alho e a abobrinha em tira selada; uso de frutas e especiarias para saborizar sobremesas sem açúcar ou adoçantes. “As receitas culinárias adaptadas apresentaram baixo índice glicêmico, baixa carga glicêmica (CG) por porção da receita e baixa CG por refeição. Todas as receitas culinárias degustadas pelos indivíduos com diabetes mellitus tipo 2 foram aprovadas, com exceção do painço com salsinha, que foi excluído. Os participantes destacaram o uso adequado de ervas e especiarias em substituição ao sal nas preparações salgadas e ao açúcar nas preparações doces”, elucida Camila.
De acordo com a pesquisadora, o programa de intervenção culinária busca o desenvolvimento do autocuidado com a alimentação e de hábitos alimentares mais saudáveis que contribuam para o controle glicêmico, bem como para a elaboração e adesão às dietas prescritas por nutricionistas. “A pesquisa demonstrou ser possível obter uma refeição completa, saudável e bem aceita por indivíduos com DM2 utilizando apenas ingredientes de baixo índice glicêmico. Assim, o objetivo das adaptações das receitas culinárias foi introduzir alimentos de baixo IG, para dar alternativas de substituição”, diz ela.
A importância da alimentação saudável
Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes, mais de 16,5 milhões de pessoas no Brasil possuem a doença e a metade dela desconhece o diagnóstico. Dados divulgados dia 14 de novembro de 2019 pela Federação Internacional de Diabetes apontam um aumento mundial da doença de 55% até 2045.
Uma vida saudável é fundamental para prevenir doenças com a diabetes mellitus tipo 2. As recomendações do Ministério da Saúde para prevenir a doença são: praticar atividades físicas regularmente; evitar o consumo de álcool, tabaco e outras drogas; e manter uma alimentação saudável.
Camila aponta que o tratamento do diabetes mellitus tipo 2 baseia-se, principalmente, na alimentação adequada e saudável. Porém, a literatura científica demonstra haver dificuldades em adesão à dieta, bem como consumo alimentar inadequado pela maioria dos indivíduos com DM2 em vários países quando comparado com as recomendações específicas para esse público.
“Assim, as receitas culinárias adaptadas e aprovadas para o público-alvo desenvolvidas nesse projeto visam auxiliar na adesão às dietas prescritas por nutricionistas, além de poderem ser incorporadas a programas de intervenção culinária para o desenvolvimento de hábitos alimentares mais saudáveis, auxiliando na autonomia e no autocuidado desses indivíduos”, finaliza a pesquisadora.
Os próximos passos do grupo de estudo é incorporar as receitas culinárias ao programa Nutrição e Culinária na Cozinha e realizar oficinas culinárias na UFSC para esse público, tanto com a comunidade acadêmica como com moradores da Grande Florianópolis.
Confira AQUI uma das receitas disponibilizadas: Sorvete cremoso de abacate.