A iniciativa chamou atenção do Greenpeace, que auxiliou a comunidade com freezers movidos a energia solar
Em andamento há quatro anos, o projeto da Escola de Química e Alimentos (EQA) “CVT’s das Agrobiodiversidades Bailique”, consiste na criação de dois Centros de Vocação Tecnológica (CVT) no sendo um no extremo norte do Brasil, no Arquipélago de Bailique, no Amapá, e outro no extremo sul do Brasil, na cidade de Rio Grande. Focada principalmente na região do Bailique, a iniciativa tem o objetivo de aumentar a qualidade de vida em uma área com escasso acesso à energia elétrica. A FURG está à frente do projeto, que é de iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, em parceria com outras instituições.
O arquipélago é formado por 12 ilhas e a base da economia local é a produção de açaí. Com os Centros de Vocação, o trabalho é de capacitação de estudantes e produtores extrativistas para técnicas de manejo, com vistas ao desenvolvimento sustentável.
FURG e Amapá: encurtando distâncias
Idealizado em 2015 pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Governo Federal, o projeto é desenvolvido pela FURG em conjunto com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), a Associação das Comunidades Tradicionais do Bailique (ACTB) e a Oficina Escola de Lutheria da Amazônia (Oela). A universidade – que já desenvolvia um projeto sobre microalgas em conjunto com o Ministério – foi convidada para coordenar a iniciativa, que busca capacitar para o manejo de produtos e desenvolver tecnologias sociais para o desenvolvimento sustentável.
Com a coordenação do professor Jorge Alberto Vieira Costa, docente do curso de Engenharia Bioquímica e Engenharia de Alimentos da universidade, o projeto também tem como objetivos capacitar estudantes nas problemáticas das políticas públicas, estimular os membros das comunidades tradicionais para atuar pelo desenvolvimento sustentável, promover a inclusão social por meio da capacitação tecnológica de jovens nas áreas das tecnologias sociais sustentáveis. Além disso, o trabalho busca melhorar o processo de extração de óleos vegetais, suprir demandas de água, de atividades de processamento de açaí e disponibilizar infraestrutura necessária para o desenvolvimento sustentável da região.
Para isso, o projeto abarca, também, a instalação de Sistemas Fotovoltaicos Autônomos (SFAs) para produção energética nos Centros de Vocação Tecnológica. “Quando primeiro chegamos ao local, em 2015, a região não tinha nenhum contato com internet e a energia era produzida por meio de um gerador que garantia, por dia, uma ou duas horas de energia. Agora, os moradores locais já estão investindo em energia solar para suas casas, e muitos já estão garantindo seu acesso à internet também”, relata o coordenador do projeto.
Como resultado do projeto – e do incentivo à sustentabilidade – o açaí produzido na região é o único no país com a certificação de sustentabilidade da Forest Stewardship Council (FSC), organização que promove o manejo florestal responsável em diversos países. A certificação garantiu que o valor do produto pudesse ser triplicado, o que levou a um amento de renda aos produtores locais e proporcionou maiores investimentos nas comunidades tradicionais do Bailique.
Apoio do Greenpeace
Recentemente, o projeto despertou o interesse do Greenpeace, uma das mais importantes ONGs ambientais, contando com 41 escritórios espalhados pelo mundo. O grupo fez uma oferta aos coordenadores do projeto, com a doação de refrigeradores movidos a energia solar e a realização de oficinas para seu uso, para que os produtores pudessem armazenar seus produtos apropriadamente – e com sustentabilidade.
Como o conjunto de ilhas do Bailique se situa na foz do Rio Amazonas, chegar até lá não é tarefa fácil. Estima-se uma viagem de 12 a 14 horas de barco de Macapá. Esse árduo acesso é uma das razões pelas quais a energia produzida no local é instável e, corriqueiramente, deixa os habitantes em uma situação de vulnerabilidade, principalmente no que tange ao armazenamento da polpa de açaí e pescado, produtos essenciais para consumo e principal base geradora de renda do local.
Pensando nisso, o Greenpeace, em parceria com a FURG e demais apoiadores e realizadores do projeto junto ao arquipélago, priorizaram a instalação de geladeiras movidas por placas fotovoltaicas com o objetivo de oferecer melhor qualidade de vida e, ainda, maior capacidade produtiva aos habitantes das comunidades do Bailique.
Quatro vilas da região agora produzem gelo com freezers que funcionam à base de painéis fotovoltaicos. Boa parte desse gelo vai ser utilizado para refrigerar polpas de açaí e peixe – os dois produtos que são a base da economia local.
A intervenção da ONG contou também com a instalação de um sistema de captação de água da chuva em uma das comunidades, e três dias de cursos de capacitação em instalação, manutenção e gestão da nova tecnologia. Agora, cada comunidade vai cuidar dos sistemas, mantê-los e até replicá-los, através da criação de um fundo comunitário que será abastecido com a venda do gelo produzido pelos freezers.
As atividades desenvolvidas pela FURG e seu impacto acadêmico-social
A cada ano, novas turmas do curso oferecido para as comunidades do arquipélago pela FURG – Tecnologia em Alimentos e Agrobiodiversidade – se formam e contribuem cada vez mais para o cenário local de produção e sustentabilidade vivido pelos ribeirinhos da região. O impacto proporcionado pelo projeto é tamanho que, para o começo de 2020, pretende-se realizar a instalação de novas placas fotovoltaicas na escola onde são realizadas as aulas, tornando-a completamente movida à energia solar.
Mensalmente dois profissionais da Escola de Química e Alimentos – entre professores, técnicos, pós-doutorandos e doutorandos – se deslocam até o arquipélago de Bailique para ofertar cursos integrais na temática do projeto. Essa atividade, além de proporcionar crescimento profissional e didático dos envolvidos, possibilita também o conhecimento do que é chamado pelo professor Jorge Alberto de “um novo Brasil”. Ele explica: “Costumo dizer que se a pessoa não conhece essa parte do país, então ela de fato não conhece o Brasil. Esse território ocupa uma grande parte do país e está imerso em uma realidade completamente diferente daquela com que estamos habituados. Por exemplo, a distância de uma casa para outra, na região, é medida em horas, não em quilômetros, podendo ser de 12 horas de viagem de barco (num tipo de barco chamado “rabeta” pelos habitantes locais, pois somente possui um pequeno motor na popa). Algo inimaginável na realidade que conhecemos”.
De acordo com o professor, em 2020 o mesmo curso ofertado na região do Bailique também será realizado em Rio Grande, ao passo que, para a comunidade ribeirinha do norte, os planos da universidade e dos demais órgãos envolvidos é o de entregar uma escola flutuante completamente operacional para, ainda mais, aprimorar e qualificar os moradores do arquipélago.