Desde 1978, quando ainda era residente, a hoje docente adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Amazonas (FM/Ufam), professora Neila Falcone, dava os primeiros passos para a criação do Museu de Anatomia Patológica. Ao lado dos médicos Maria José Castilho e José de Ribamar Araújo, começou o armazenamento das primeiras peças que serviriam às aulas práticas da graduação. Na tarde da última terça-feira, 10, na reunião do Departamento de Medicina Legal da Unidade Acadêmica, foi aprovado o relatório elaborado pelo professor Jonas Byk, concretizando o sexto recredenciamento do Museu.
“Nós não víamos muito sentido em fazer o enterramento de peças que recebíamos e que tinham algum significado para o ensino. Então, começamos a selecionar essas peças e mostrá-las para os alunos. Fomos colocando em baldes, mas, subsequentemente, percebemos que não seria o tipo de armazenamento ideal, inclusive porque dificultava muito a retirada das peças, porque as luvas não vêm até o terço superior do braço, somente até o punho”, recorda a coordenadora do Museu de Anatomia Patológica.
Em 2014, o Museu comportava 655 peças. Após o descarte de algumas que não serviriam mais aos objetivos do projeto e a aquisição de outras, se alcançou, para este recredenciamento, o total de 692. Hoje em dia, as peças patológicas são recebidas de várias formas. Geralmente, elas chegam como peças cirúrgicas da rotina, seja do Hospital Universitário Getúlio Vargas, seja do Ambulatório Araújo Lima, mas também são enviadas outras da Fundação Cecon e de pacientes da rede particular que buscam o serviço em vista de confiarem no trabalho.
Na sala, que está dividida em prateleiras de concreto, cada setor é específico para abrigar determinadas coleções do corpo humano. Na primeira coleção, estão corações e vasos; na segunda, é possível encontrar pulmões, brônquios e traqueia; a coleção três é formada por boca, língua, esôfago e estômago; intestinos e apêndice compõem a coleção seguinte; na coleção cinco, somente os fígados; já na coleção seis, vesícula biliar e pâncreas; a coleção sete é composta por rins e sistema urinário inferior; enquanto as coleções oito, nove e dez compreendem os sistemas reprodutores; a coleção onze tem bastantes exemplares de placentas e fetos patológicos; a coleção doze compõe-se de mamas; a treze, de sistema endócrino; na coleção catorze, estão guardados olho, pele e tecidos. A última delas, a coleção quinze, compreende cérebro, cerebelo, meninge e medula.
Trabalho de equipe
Além da professora Neila Falcone, compõem a equipe do projeto responsável pela renovação periódica e pela manutenção do local a professora Luciana Bottinelly Fujimoto, como vice-coordenadora, os professores Maiko Maia e Naíza Abrahim, quatro discentes de graduação, três residentes, sendo um em medicina e outros dois em odontologia, e o professor Helder Pimenta, colaborador externo e docente da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
Inclusive, o professor Helder Pimenta foi o responsável por ‘plastinar’ um fígado, primeira peça do Museu a passar por esse procedimento. “A plastinação é um procedimento que mantém a peça o mais próximo possível da realidade. Então, quando você olha este fígado, é como se ele estivesse ainda no organismo da pessoa. Aqui temos macronódulos e micronódulos. A anatomia traduz que essa pessoa era alcoólatra e tentava, por algumas ocasiões, parar de beber”, explica a coordenadora do local.
Assim como a plastinação, o armazenamento em redomas não é comum no Museu, embora uma das peças mais antigas do local esteja acondicionada assim desde os anos 1970, trata-se de uma vascularização cardíaca. “O professor José de Ribamar Araújo foi quem fez a retirada dessa musculatura cardíaca”, aponta a professora Neila Falcone, “e ele manteve apenas os vasculares, que são os vasos sanguíneos, as artérias se as veias, em vermelho as artérias e em azul as veias”. O trabalho minucioso chama a atenção há cerca de quatro décadas.
As curiosidades são muitas. Um dos exemplos é o caso de um feto de gêmeas siamesas natimortas. Com dois cérebros, duas orelhas, duas narinas, um pescoço, um tronco e quatro pernas, seria impossível que as gêmeas sobrevivessem. Um trabalho sobre elas foi apresentado pela equipe do Museu no Congresso Brasileiro de Educação Médica neste ano. Outro exemplo de peça que chama muito a atenção é um útero de seis quilos. “O de maior tamanho já registrado é de 35 quilos, este que nós temos aqui tem mais de seis quilos, e está chegando um ainda maior que este, de nove quilos”, expõe a professora.
Melhorias para o ensino
Após a criação, o Museu somente passou pelo primeiro recredenciamento em 1992. O segundo ocorreu em 1999, o terceiro em 2006, o quarto em 2011 e o quinto em 2014, de modo que este é o sexto recadastramento. “Cada reformulação vem com atualizações tanto na estrutura de acondicionamento quanto no próprio material. Renovamos sempre objetivando o ensino e nos perguntando o que ficaria melhor para operacionalizar as nossas aulas práticas de Macroscopia”, afirma a professora Neila Falcone.
Conforme analisa a docente, todas as coleções estão numeradas e há muitas aquisições recentes. “Foram adquiridas mais caixas organizacionais e plásticos resistentes a formol. Desta vez, adquirimos dez metros de plástico para acondicionar 20% das peças. Essa forma de armazenar facilita o estudo: quando se vai expor a peça, isso não depende mais de retirar da caixa e lavar. Em algumas das peças, que são de mais significância, nós fazemos procedimentos com o envelopamento”, completa.
Uma importante mudança foi a catalogação das peças por tipo de armazenamento. O trabalho de atualização integral dos registros foi realizado pelo graduando Vinícius Zaranza sobre a orientação da líder da equipe. A sistematização das peças envelopadas facilita a busca no momento das aulas práticas. Melhorias como essa foram apontadas pelo professor Jonas Byk no relatório com vistas ao recredenciamento.
A justificativa para manter o Museu vivo e expandido por tanto tempo é, segundo a coordenadora do projeto, a possibilidade de enriquecer substancialmente no aprendizado dos acadêmicos. “O fato de você estar mostrando os órgãos enriquece muito o aprendizado, pois os alunos ficam muito mais convencidos do que se apenas eles leem nos livros sobre as patologias. Aqui você pode ver uma peça e a patologia”, reafirma a coordenadora.