Em todos os meus anos como docente, pesquisador e gestor, posso assegurar que o que está assinalado nos livros, papers, e corroborado na vida prática é a verdade mais óbvia: gente é o que faz a diferença. Para qualquer sistema, empresa ou instituição, para o melhor ou para o pior.
Gente idealiza sonhos e os realiza. Transforma a própria vida e a de muitos. Algumas vezes se supera, apesar, inclusive, das condições mais adversas.
Que tremenda dinâmica é essa das relações humanas e que se manifesta de forma poderosa quando nos unimos pelo trabalho em prol de algo maior do que os nossos próprios interesses!
Esse é o objetivo desta mensagem: falar de gente, do servidor público mais especificamente, mas sem ufanismo, proselitismo, pieguice ou ranço ideológico. De forma franca e atual, tendo como pano de fundo a gestão de uma das mais nobres instituições que o ser humano já criou, a universidade, particularmente a pública.
Começo, contextualizando o que era nossa própria Universidade anos atrás e como melhorias se tornaram realidade porque pessoas comprometidas assumiram suas obrigações de se dedicarem ao que precisava ser limpo, organizado e padronizado para o monitoramento e o planejamento, de modo que os nossos propósitos de gestão mais básicos pudessem ser cumpridos e, assim, atender nossas funções finalísticas: para que alunos pudessem estudar, professores pudessem dar suas aulas e pesquisadores pudessem realizar suas pesquisas. Parece simples, mas garanto que alinhar os vetores dos muitos interesses em prol desses objetivos não tem sido tarefa fácil, embora sabendo que cada vitória, por menor que seja, nos é muito gratificante.
Houve uma época em que o estado lastimável era tal que nem o entulho das obras que se arrastavam era retirado, apesar da abundância de recursos. E hoje, como a Universidade se apresenta, linda e com uma infraestrutura invejável que arranca elogios de todos que nos visitam, é algo de encher o coração. No entanto, essa condição só foi conquistada graças a docentes que se desdobraram para serem bons professores, a pesquisadores que se preocuparam com o que é relevante e a servidores técnico-administrativos que atuaram, de forma eficaz e eficiente, na condução de seus processos e, por isso, se superaram. Em outras palavras, graças a servidores que, simplesmente, serviram. Afinal, como dizia o filósofo francês Michel de Montaigne, do século XVI, a mais honrosa das ocupações é servir o público e ser útil ao maior número de pessoas. Isso porque uma instituição, ainda mais em sua condição de pública, precisa do comprometimento de todos para garantir excelência nos serviços que lhe são requisitados. Aliás, meu tributo a essa categoria de pessoas que, muitas vezes, são vistas como abnegadas ou mesmo como heróis. Não o são. São simplesmente servidores, na real acepção da palavra.
Tendo como foco as reais necessidades institucionais e não os interesses particulares de indivíduos ou grupos, quantias expressivas do nosso orçamento têm sido aplicadas ao longo dos anos em treinamento e capacitação. Da mesma forma, remanejamento de servidores e readequação de carga de trabalho entre setores têm permitido oportunidades aos servidores de se destacarem, conquanto haja comprometimento, com a consequente melhoria de desempenho para toda a Universidade. Além do que novas pessoas têm ascendido a postos de comando com base apenas no mérito. A isso tudo adiciona-se, também, a criação de regulamentos e normas, assim como de uma estrutura funcional compatível com uma universidade, coisa que não tínhamos. Essa forma de gestão aliada a editais e análise de problemas em comitês específicos de gestão tem permitido que decisões sejam tomadas fora da informalidade da famigerada “política de balcão”, que, anteriormente, favorecia, de maneira escusa, uns em detrimento de muitos.
Em um contexto puramente administrativo, muito tem sido feito, com a Universidade devidamente organizada e contando com uma infraestrutura muito superior ao que comumente se encontra. Vale destacar que nossas condições materiais não são mais adversas como outrora. Estamos em um novo momento, em um novo patamar. Todavia, para avançarmos mais efetivamente, é necessário que as pessoas tirem partido dessa infraestrutura para o cumprimento das funções que lhes cabem, senão com excelência, pelo menos com dignidade e zelo. Faço essa observação porque se há uma parcela de servidores docentes e técnico-administrativos que “carrega a instituição nas costas”, nem todos, infelizmente, atuam dessa forma. Guardadas as devidas proporções e com a consideração prévia de que os maus servidores, embora não sendo a maioria, fazem, ainda assim, um tremendo estrago. Fica também registrada minha constatação de que, lamentavelmente, acabamos por ter que conviver com essa categoria de pessoas, pois que é muito difícil “botar no olho da rua” o servidor que não honra o trabalho que tem e, portanto, não justifica o salário que recebe.
Segundo matéria recente da Folha de São Paulo, nenhum dos 7.766 servidores expulsos desde 2003 saiu por mau desempenho. Receberam mais do que mereciam. Viveram sob a égide de que não importa o que façam ou como o façam, pois, no fim do mês, o salário vem. Nesse contexto, sua atuação é, de certa forma, um roubo e um atentado não apenas àqueles que dependem de seus serviços – os alunos, por exemplo –, mas também aos colegas servidores que deles dependem e que acabam por ter que se desdobrar para dar conta de tarefas adicionais ou ainda para corrigir o malfeito.
A propósito, vai aqui meu recado àqueles que possam imaginar ser minha postura um tanto severa e que talvez falte tolerância de minha parte. Sou enfático. Defender quem atua segundo essa conduta nefasta é um equívoco e um desrespeito à grande maioria de servidores públicos que não agem, em absoluto, dessa forma.
Vou ilustrar minhas considerações com alguns exemplos baseados em minha própria experiência pessoal, tanto como docente quanto como reitor, embora outras instituições públicas de ensino superior possam padecer, em maior ou menor grau, dos mesmos males. São exemplos em que a mesquinharia e a desfaçatez tomam lugar, sem pecha alguma, e que vão muito além do mau desempenho.
Aquele que, em dado momento, se apresenta como candidato a um dos muitos cargos eletivos que dependem dos votos de alunos e que, sem razão justificável, aumenta as notas deles nos processos avaliativos. Não dá para acreditar que esse docente se transformou, repentinamente, em um “excelente educador”, com altíssimos níveis de aprovação.
Aquele que “tira férias” antes do término do período acadêmico para – muito provavelmente – não retornar às atividades quando seu período regulamentar expira. Até porque, convenientemente, seu término coincide com o período das férias dos demais colegas, com praticamente nenhuma atividade acadêmica em curso. As consequências nefastas são descumprimento do plano de ensino com prejuízo para os alunos e férias dilatadas que, convenientemente, são acompanhadas de remuneração integral.
Aquele que, negligentemente, não cumpre suas obrigações quanto ao que lhe é oficialmente estipulado no calendário acadêmico e nos planos de ensino porque prefere ocupar o momento nobre do aprendizado em sala de aula com temas que pouco ou nenhum valor agregam no contexto da disciplina em questão. Descumpre sua nobre missão, solapando o talento e a vontade dos alunos sob seus cuidados. Vale um alerta: escudar-se na liberdade de cátedra para continuar agindo dessa forma é um acinte e um pobre argumento.
Mas são inúmeras as falcatruas. Vejamos mais algumas.
Aquele que abusa cinicamente da instituição com infindáveis laudos médicos para, simplesmente, não trabalhar. É um desrespeito inominável àqueles que dependem do trabalho desses indivíduos, mas, especialmente, por banalizar a dor daqueles que sofrem, de fato, dessas doenças e fragilidades. Obviamente, faço um reparo à imensa maioria de nossa classe médica que não compactua com esse tipo de arranjo, não se vendendo a esse mercantilismo perverso e, portanto, não desrespeitando o juramento de Hipócrates que proferiram.
Aquele que se ausenta para sua capacitação e não a cumpre ou, se o faz, não apresenta desempenho de qualquer relevância que a justificasse, seja no afastamento de curta duração para a obtenção de uma habilidade técnica específica, seja para o mestrado, doutorado ou mesmo em um pós-doc. Enfim, não importa, é um desperdício total que custa aos cofres públicos.
Há inúmeras formas de se burlar o sistema e não é fácil combater essa prática. Até porque, para que ocorram, é preciso que haja a eventual conivência de chefias ou de comissões variadas, como de processos disciplinares ou de probatório, que, corporativamente, fazem “vista grossa” a esses exercícios de corrupção corriqueira. Mais uma vez, para evitar os mal-intencionados de plantão que procurarão interpretar abusivamente algum aspecto da minha fala, permitam-me fazer os devidos reparos às chefias e às comissões que procuram atuar seriamente no cumprimento de suas obrigações institucionais. Vale destacar, também, que as práticas acima elencadas misturam mau desempenho e flagrantes ilegalidades.
Em síntese, é esse o tipo de gente que dá má fama à honrosa categoria dos servidores públicos. Aliás, fama essa que, vez ou outra, é explorada para atender a objetivos que, frequentemente, nada têm de republicanos. É bem sabido que mesmo campanhas presidenciais foram conduzidas à custa de ataques à categoria dos servidores públicos. Esse é o perigo da generalização. Todavia, a forma mais eficaz, a meu ver, de se combater essas práticas insidiosas é, simplesmente, por meio da conduta ética de dirigentes, comissões e, principalmente, de cada profissional no exercício pleno dos instrumentos que já estão à disposição, como bem descreve a Lei 8112 ao reger as atividades dos servidores públicos.
Divagando, se houvesse a possibilidade legal para substituir com maior facilidade aqueles que pouco ou nada contribuem e que mesmo prejudicam a instituição por alguns dos mais de 12 milhões de brasileiros desempregados, muitos deles jovens talentosos que precisam de uma oportunidade dada pelo trabalho honrado, garanto que faríamos uma revolução em nossas instituições, que – vale sempre destacar – além de produzirem educação de qualidade, contribuem para mais de 90% da produção científica brasileira. Não tenho, portanto, a menor dúvida de que, desde que a imensa maioria de nossos colaboradores possa contribuir de forma dedicada e efetiva com as nossas instituições públicas de nível superior, poderíamos, em poucos anos, estar entre as melhores instituições internacionais, comparáveis por qualquer medida de desempenho. Faço essa afirmação com convicção, sem ufanismo, de maneira absolutamente realista. Comparativamente às instituições internacionais de referência, fazemos muito com recursos financeiros bem menores. Vivi muitos anos fora do Brasil e sei que nosso povo em nada deve àqueles das nações mais progressistas.
Assim, para finalizar: o que eu desejo para a minha querida instituição e para todas as demais neste ano que se inicia e para o futuro? Que gente de qualidade seja cada vez mais a parcela preponderante em nosso funcionalismo público. Em consequência, nossas instituições serão ainda de maior qualidade e nós, servidores públicos que somos, seremos merecedores da confiança que nos é depositada.
Dagoberto Alves de Almeida é reitor da Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI