UnB e CEB realizam pesquisa para remediação ambiental, energética e sustentável de aterros sanitários. Meta é tirar o máximo de energia do antigo lixão da Estrutural e tentar minimizar o passivo ambiental
O projeto RAEESA investe em soluções sustentáveis para a concepção de sistemas híbridos de conversão energética e remediação ambiental de aterros de resíduos sólidos urbanos
Fornecer uma solução para a área do antigo lixão da Estrutural (fechado em 2018) que contemple não apenas questões ambientais, mas também energéticas e sustentáveis. Este foi o desafio colocado para a Universidade de Brasília ao integrar o Projeto de Remediação Ambiental, Energética e Sustentável para Aterros (RAEESA), uma parceria com a Companhia Energética de Brasília (CEB).
Com isso, a UnB comprometeu-se a estudar, ao longo de dois anos, todos os cenários possíveis para o local, desde o aproveitamento energético até a mitigação ambiental, que consiste em intervenções para reduzir ou reparar impactos ambientais prejudiciais à atividade humana.
As alternativas pensadas para o local, também chamado Aterro Controlado do Jóquei Clube, poderão ser utilizadas em outros 2.500 lixões que ainda existem no país e estão na iminência de serem fechados.
“Quando se encerra uma área de disposição de resíduos sólidos, seja urbano ou industrial, deixa-se um grande passivo para a sociedade. Não dá para simplesmente fechar e determinar que ninguém mais coloque resíduos ali”, afirma o professor do Departamento de Engenharia Mecânica da UnB Antonio Brasil Junior, coordenador geral do projeto.
“Existe uma série de custos que a sociedade continua pagando durante décadas para fazer a gestão ambiental da área e mitigar os passivos associados aos diferentes impactos da água de subsolo, como chorume, decomposição natural do lixo orgânico depositado na área, que entra em todas as subestruturas de água de superfície, e toda uma poluição do ar associada à emissão de gases do efeito estufa, em particular, o CO2”, explica.
O projeto RAEESA envolve o estudo de soluções sustentáveis para a concepção de sistemas híbridos de conversão energética, associado a soluções de remediação ambiental de aterros de resíduos sólidos urbanos.
Segundo o docente, o Brasil hoje começa a seguir a tendência internacional de resolver problemas como este, integral ou parcialmente, a partir de soluções que visem à transformação de todo o potencial energético de resíduos sólidos em energia.
“Em Brasília, há 200 hectares de área em que não se pode fazer nada, a não ser acompanhar, mas também existe metano – gás combustível – emitido a partir da decomposição do que foi enterrado ali, existe o próprio material de resíduos sólidos que também pode ser utilizado para conversão energética a partir de sua queima. E como é uma área bastante devoluta dentro do DF, próxima ao mercado consumidor de energia, é possível fazer uma hibridização com um vetor energético de energia solar fotovoltaica”, detalha.
Além do professor Antonio Brasil Junior, participam do projeto outros docentes, além de cerca de 25 estudantes de graduação, mestrado e doutorado da UnB. “Isso é bom para a instituição, porque direciona os esforços de seu conhecimento intrínseco a uma solução de problema ambiental e energético da região, coloca em evidência o potencial de conhecimento tecnológico da Universidade e não somente para Brasília, porque rebaterá nos 2.500 lixões que serão fechados no país inteiro. Este projeto apresenta soluções inéditas, devido ao seu processo de integração e interdisciplinaridade entre os diferentes vetores”, avalia.
O professor do Departamento de Engenharia de Produção da UnB, especialista em gestão ambiental e ordenamento territorial, Paulo Celso Gomes, explica que a Universidade está trabalhando para minimizar o passivo existente no antigo lixão da Estrutural.
“O resíduo domiciliar parou de ser colocado no lixão em janeiro de 2018 e passou a ser colocado no aterro sanitário, mas há um passivo consolidado. O resíduo da construção civil, que é considerado majoritariamente inerte, continua sendo disposto no antigo lixão. Então o local continua recebendo essa massa, mas não tem mais resíduo orgânico (ou tem muito pouco) e não tem mais catadores, ou seja, é mais fácil fazer o gerenciamento e aplicar qualquer tecnologia de recuperação. Estamos viabilizando a recuperação ambiental da área, que antes era impossível com 2 mil catadores lá em cima e com esse resíduo domiciliar chegando todos os dias”, afirma.
Segundo Gomes, no antigo lixão da Estrutural, a montanha de resíduos chega a pesar 45 milhões de toneladas e ter 65 metros de altura no ponto mais alto, com uma base de 2 milhões de metros quadrados – o equivalente a quatro vezes a área construída do campus Darcy Ribeiro, da UnB, ou a quase 300 campos de futebol.
“Se nada for feito, será uma despesa durante os próximos 30 a 40 anos até aquele maciço estabilizar, deixar de gerar chorume e gás diariamente. Além do custo de manutenção do local, de proteção”, pontua.
O professor esclarece que um dos vieses do projeto RAEESA é também esse olhar para o lado econômico. A ideia é trazer receita para aproveitar o potencial energético desse maciço.
“Existe um potencial e nossa equipe está fazendo esse diagnóstico para saber exatamente qual. Porque não é só o gás, a queima do resíduo para transformá-lo em combustível ou a cobertura com placas fotovoltaicas em algumas áreas; é como se pode fazer isso de forma integrada, com três ou quatro soluções ao mesmo tempo. Essa é a grande inovação: como tirar o máximo de energia daquela área e tentar minimizar esse passivo ambiental.”
SOLUÇÕES – Recentemente, a UnB apresentou à CEB relatório parcial com o diagnóstico feito até o momento, após um ano de vigência do contrato, e com propostas de mitigação e de aproveitamento energético. Entre as soluções inicialmente pensadas estão a geração de energia a partir de placas fotovoltaicas (energia solar), de coleta e aproveitamento de gás e de queima de resíduos (termelétrica).
“Cabe aos gestores implantarem ou não todo espectro de propostas feitas ou parte delas. Esperamos participar dessa discussão como Universidade, como pesquisadores e especialistas na área para subsidiar a melhor decisão do governo. A UnB vai apontar os melhores caminhos baseados em boas práticas e em dados primários. Estamos coletando dados no local, não estamos usando dados bibliográficos”, reforça Paulo Celso Gomes.
Marcela Rodrigues, mestranda em Ciências Mecânicas na Universidade de Brasília, participa do projeto desde o início, em outubro de 2018. O trabalho desenvolvido com a equipe estará em sua dissertação, prevista para ser defendida em agosto de 2020. Em campo, ela captura imagens termográficas a partir de uma câmera com infravermelho para verificar anomalias de temperatura no solo do antigo lixão da Estrutural. O objetivo final do estudo é possibilitar uma forma segura de trabalhar a gestão de gás.
“Meu trabalho dentro do projeto seria testar o infravermelho como uma ferramenta de localização de lagos de escapamento de biogás. Fazemos visitas ao aterro antes de o sol nascer com uma câmera fotográfica específica e com um concentrador de gás, usado para confirmar se é mesmo um local de escapamento. Aí vemos se o infravermelho está batendo com a informação do concentrador. Estamos testando”, conta a estudante.
Se der certo, o próximo passo é alugar um drone para ter uma imagem completa do aterro com infravermelho e fazer o chamado wallcover, que é a mensuração da concentração de gás em toda a estrutura do terreno.
“Se conseguirmos confirmar essa hipótese, podemos usar o infravermelho para uma gestão completa do escapamento do gás no aterro, sem precisar colocar em risco vidas humanas. Hoje funcionários vão até o local acender o escapamento de gás, que pode explodir, a depender da concentração”, frisa Marcela.
“Esta é uma ferramenta de baixo custo que poderá proteger as pessoas que trabalham na gestão do gás. Tecnologicamente é viável de se utilizar. Nossos resultados estão bastante condizentes até agora, embora seja uma amostra bastante restrita. Com o drone, pretendemos expandir”, explica a pesquisadora.
CONTAMINAÇÃO – Outro aspecto que vem sendo estudado no projeto RAEESA é a possível contaminação das águas subterrâneas da região. A mestranda em Geoquímica Giovanna Orletti Del Rey faz a análise de amostras de chorume e de água subterrânea de poços de monitoramento da rede da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (Adasa), localizada na margem oeste do lixão.
“O foco do meu estudo é a utilização do isótopo estável de carbono para detectar essa contaminação nos aquíferos, no rio, se tiver, junto com análises químicas de cloreto, sulfato, para ver se está chegando contaminação – que é a pluma de contaminação. É um ponto que depois vai se espalhando no subsolo”, relata, ao reforçar que hoje ainda há chorume sendo gerado em grande quantidade no lixão do Jóquei.
“Já concluímos que esta é uma ferramenta boa para ver se tem traço de contaminação, principalmente no aquífero mais raso. Também já vimos que a água que fica dentro das fraturas da ardósea, uma rocha menos permeável que fica embaixo, não pega essa contaminação do lixão ainda, mas a parte superior pega. Já tenho muitas conclusões, estou no final do processo de escrita da dissertação”, diz Giovanna, cuja banca de defesa está marcada para o fim de fevereiro.
A mestranda revela ainda que encontrou grande quantidade de cloreto e de amônia nas amostras, o que indica contaminação recente. “Tem a presença de carbono dissolvido indo pra lá, vindo do lixão. Mas a água do córrego está ok”, constata.
Segundo ela, é muito importante investir tempo e pesquisa nesta área, porque ela é considerada apenas um grande problema ambiental, tanto em questão de saúde pública como de meio ambiente. “A chuva que cai ali se dissipa para três bacias, e uma delas é a do Parque Nacional. É uma região extremamente perigosa, ambientalmente falando, e há muitas pessoas morando lá. Pegar isso e transformar em algo economicamente viável para a produção de energia e para remediar a área é de extrema importância”, avalia Giovanna.
CONTEXTO – O antigo lixão da Estrutural era o segundo maior do mundo até 2018 quando foi fechado, atrás apenas do localizado em Jacarta, na Indonésia, que segue em operação. Este recebe cerca de 10 mil toneladas de resíduos por dia, enquanto o de Brasília recebia 9 mil toneladas.
Ainda hoje, após o fechamento determinado por lei, o Aterro Controlado do Jóquei Clube recebe entre cinco e seis mil toneladas de resíduos da construção civil, uma média de 130 mil toneladas por mês.
O Governo distrital fez, em 2018, o Plano Distrital de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PDGIRS), baseado na Lei 12.305 de 2010. Ali estabeleceu metas, entre as quais está o aproveitamento energético dos resíduos sólidos. A ideia é também abarcar o resíduo diário, não só o que já está estocado no lixão. Hoje se calcula a produção de 3 mil toneladas por dia no Distrito Federal (DF), entre resíduos domiciliares e da construção civil.