UFRRJ – Dicas de leitura para a quarentena

A professora de Literatura Portuguesa da UFRRJ, Claudia Barbieri Masseran, trouxe para a comunidade acadêmica três dicas de leitura para esse momento de isolamento social imposto pela epidemia do coronavírus. As obras abrangem gêneros diferentes – diário, teatro e poesia -, todos com edições recentes. Abaixo seguem os títulos e uma breve resenha da docente.

Diário de Miguel Torga

“Eu é que fiz o acto de namorar o chão em vez do céu”, escreveria o autor português Miguel Torga (1907-1995), pseudônimo de Adolfo Correia da Rocha, em um dos dezesseis volumes do seu Diário. Publicados entre 1941 e 1994, relançados recentemente pela editora Dom Quixote, esses livros preciosos trazem um pouco de todos os gêneros: relatos memorialísticos e históricos, reflexões filosóficas com a predominante busca pelo eu e pelo sentido finito da vida, crônicas do cotidiano, diários de viagens, poesias, micro contos, descrições líricas e pictóricas da paisagem portuguesa desde os centros urbanos até às aldeias mais remotas como São Martinho de Anta, em Trás-os-Montes, terra natal venerada pelo escritor. Sobre este espeço telúrico escreveu no dia 12 de abril de 1965: “Tudo o que sou claramente não é daqui. Mas tudo o que sou obscuramente pertence a este chão. A minha vida é uma corda de viola esticada entre dois mundos. No outro, oiço-lhe a música; neste, sinto-lhe as vibrações”. Leitura diversa, intimista e que pode ser feita com vagar.

 

Huisclos (Entre quatro paredes) de Jean-Paul Sartre

 

Entre quatro paredes, de Sartre. Editora Civilização Brasileira

A peça em um ato, escrita no final de 1943, ainda sob os augúrios da Segunda Guerra Mundial, foi encenada pela primeira vez em maio de 1944, no Teatro Vieux-Colombier em Paris. Representante dramática do movimento existencialista, a peça do filósofo francês, Jean-Paul Sartre (1905-1980), possui uma dinâmica bastante simples: três personagens (Garcin, Inês e Estelle) após as suas mortes vão para o Inferno, onde são recepcionadas e conduzidas por um criado até o único cenário existente. O salão decorado ao estilo Segundo Império, com poltronas, uma lareira com um bronze pesadíssimo no aparador, uma porta e uma campainha, será o espaço de confinamento e de convivência forçada dos três estranhos. Nos diálogos das cinco cenas passamos a saber mais sobre cada uma das personagens, suas vidas pregressas, seus defeitos, suas fragilidades, seus vícios, suas idiossincrasias, seus desejos. Nesse convívio forçado e extenuante várias reflexões são formuladas na fala síntese de Garcin, que fica como questionamento para nós, leitores contemporâneos desse texto de quase oitenta anos: “O inferno são os outros”?.

SARTRE, Jean-Paul. Entre quatro paredes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

 

Obra poética de Sophia de Mello BreynerAndresen

Publicado em 2015 pela Assírio & Alvim, o livro reúne diversos volumes poéticos da escritora portuguesa Sophia de Mello BreynerAndresen (1919-2004) como, por exemplo, Poesia (1944), Dia do Mar (1947), Coral (1950), No tempo dividido (1954), Mar Novo (1958), Livro Sexto (1962), Geografia (1967), Dual (1972), O nome das coisas (1977), Navegações (1983), Ilhas (1989), entre outros. “Mar, metade da minha alma é feita de maresia” ou “Quando morrer voltarei para buscar/ Os instantes que não vivi junto do mar”. Como a maioria dos títulos reunidos na Obra poética sugere, o mar é a chave simbólica de toda a sua poesia, presença constante, genesíaca e purificadora. Poetisa nomeadamente dos substantivos concretos, nunca desligada do real, Sophia discorreu sobre todos os assuntos possíveis: da resistência ao regime salazarista às desilusões amorosas, dos objetos que a rodeavam às referências clássicas mitológicas, das inseguranças e fragilidades humanas às desigualdades sociais, dos sentimentos inomináveis às sensações físicas, tudo o seu olhar atento transformou em poesia. Esta nascia abundante da observação do mundo, das experiências reais. O centenário de nascimento da escritora, comemorado ano passado, permitiu que a sua poesia e muitos outros escritos fossem revividos, conquistando assim novos leitores.