Grupo de economistas afirma que argumento da falta de recursos não cabe na pandemia e que emissão de e moeda traria benefício social
Colocar a economia acima da vida é reconhecer o fracasso da humanidade.
Para evitar a morte pelo Covid-19 é preciso que apenas as pessoas na linha de frente e nos serviços essenciais saiam de casa. O desemprego e a fome podem matar mais do que o vírus, é verdade. Mas este não precisa ser o nosso destino. Colocar a saúde contra a economia é criar divisão onde pode haver cooperação.
As medidas anunciadas até aqui pelo governo vão na direção correta. Com a atividade econômica parada, acionar os canhões fiscais e monetários do Estado para manter as famílias em casa é a única e necessária saída.
Não. Diferente de famílias e empresas, o Estado pode emitir moeda ou pode se endividar em uma escala bem diferente de famílias.
Emitindo moeda, o Estado cria poder de compra que antes não existia. Endividando-se, toma emprestado de quem tem dinheiro sobrando e transfere para quem não tem como consegui-lo. Emitindo ou endividando-se, o Estado injeta dinheiro na economia, e é disso que precisamos urgentemente.
Estados Unidos, Japão, Canadá, Reino Unido estão emitindo. Além disso, estão se endividando, todos estes países possuem dívida pública acima de 100% do PIB, a nossa está abaixo de 80%. Eles estão entre os dez mais ricos do mundo, assim como nós. O que nos impede de agir como eles? Nada, a não ser nosso descrédito em nós mesmos.
E a inflação? Não acontecerá. Com a atividade econômica parada, estamos longe dela agora e no médio prazo. Apenas como exemplo, mesmo com a enxurrada de liquidez ofertada pelos bancos centrais das maiores economias do mundo, no dia 20 de abril os contratos futuros do petróleo foram negociados em valores negativos pela primeira vez na história. Além disso, as nossas autoridades econômicas e políticas são responsáveis e quando a atividade econômica privada estiver reabilitada, será hora de retirar os esforços estatais.
A emissão de moeda reduzirá os juros e o custo da dívida pública, ajudando a reduzir os gastos públicos. Porém, pode ampliar a saída de dólares do Brasil o que, no médio prazo, pode impactar a inflação. Temos instrumentos para lidar com o câmbio agora, e a atividade econômica está tão deprimida que mesmo a recente forte desvalorização do Real não foi capaz de gerar repasse significativo na inflação. No médio prazo, com a economia em melhor condição, centraremos esforços em outros objetivos. Eles não são o foco agora.
O Estado não enfrenta os limites do orçamento familiar, e ele é o único que consegue, agora, dar vida aos orçamentos familiares e empresariais. Ele já vem agindo, medidas já foram tomadas, mas o momento de exceção exige muito mais.
Dizer que não há fontes de recursos é faltar com a verdade. Nossas regras fiscais são autoimposições que nos protegem dos excessos em tempos normais. Apegar-se a elas em meio a uma calamidade sem precedentes equivale a mentir para a população e para os estados e municípios. É discutir a vã filosofia enquanto o país pega fogo. Superar a crise de saúde pública não exige que mergulhemos em uma depressão econômica.
O Estado detém os meios para manter a coesão social e proteger o pacto federativo. A maioria de prefeitos e governadores enfrenta desafios reais que requerem auxílio decisivo e imediato. O oportunismo de algumas corporações do Estado pode ser corrigido por meio de lei complementar ou compromissos diretos com entes federativos.
Nossa segurança sanitária e econômica é um recurso comum, cuja exaustão é acelerada pela disputa política. O momento exige confiança mútua entre os três poderes, União, estados e municípios, e toda a sociedade.
A política econômica não é dogma, não tem fórmula única e requer vigilância e capacidade de iniciativa. Ela depende crucialmente do governo federal, que é o maior ente do setor público brasileiro. A União precisa ajudar a todos, inclusive estados e municípios, que estão na linha de frente do combate efetivo ao coronavírus.
Em momentos de crise, o que mais devemos temer é o próprio medo de agir. Se quisermos sair desta crise, precisamos impedir que a calamidade sanitária se converta em caos social. É hora de a economia servir à sociedade.
A União tem o poder e os instrumentos para coordenar os setores essenciais e para garantir o pão nosso de cada dia. A cura não precisa ser pior que a doença. Até agora talvez tenha sido e, se assim continuar, é porque escolhemos.
Fonte: Jornal Folha de São Paulo