O epidemiologista, professor e Reitor da Universidade Federal de Pelotas, Pedro Hallal, divulgou na noite desta quinta-feira, 11 de maio, os resultados da Epicovid19BR, por ele coordenada, uma das maiores pesquisas do gênero no mundo. Estudos semelhantes estão sendo conduzidos na Áustria e na Islândia, com universo bem menor de pessoas – 1544 na Áustria e 2283 na Islândia. O responsável pela Epicovid19BR concedeu entrevista a Henry Campos e Nahuan Gonçalves, da equipe do Observatório da Covid-19, da Fundação Perseu Abramo. Veja a íntegra a seguir.
Observatório: Em que consiste a Epicovid19BR?
Pedro Hallal – Essa pesquisa foi iniciada a partir de um estudo desenvolvido no Rio Grande do Sul, que passou a ter abrangência nacional, por solicitação do Ministério da Saúde. Ela é desenvolvida em três fases de testes. A cada duas semanas são testadas pessoas para que se possa aferir qual percentual da população tem anticorpos e qual está contaminada com sintomas leves ou nenhum, o quão rápido o vírus está se espalhando e qual a mais confiável estimativa de letalidade.
Observatório: Qual o universo dessa segunda fase da pesquisa e quando foi realizada?
Pedro Hallal – A segunda fase do Epicovid19-BR, realizada entre os dias 4 e 7 de junho, traz resultados inéditos. Durante quatro dias de coleta de dados em 133 cidades espalhadas por todos os estados do Brasil, os pesquisadores concluíram 31.165 entrevistas e testes para o coronavírus. Em 120 cidades, incluindo 26 das 27 capitais (com exceção de Curitiba), foi possível testar pelo menos duzentas pessoas, todas selecionadas por sorteio. Para fins de comparação, na primeira fase da pesquisa, ocorrida entre 14 e 21 de maio, foram entrevistadas e testadas 25.025 pessoas, sendo que em 90 cidades foi possível testar 200 ou mais participantes.
Observatório: O que você destacaria como o maior avanço nessa segunda fase do estudo?
Pedro Hallal – Esse avanço metodológico talvez seja o grande destaque da segunda fase da pesquisa. Com um maior número de entrevistas realizadas e de cidades incluídas nas análises, aumenta a nossa capacidade, enquanto epidemiologistas, de interpretar os dados sobre coronavírus no Brasil.
Observatório: As entrevistas foram complementadas com aplicação de testes para pesquisa de anticorpos contra o coronavírus. O que isso mostrou?
Pedro Hallal – Em 83 cidades, foram entrevistadas e testadas 200 ou mais pessoas nas duas fases da pesquisa. Nessas cidades, a proporção da população com anticorpos aumentou de 1,7% na fase 1 para 2,6% na fase 2 (podendo variar de 1,5% a 1,8% na fase 1 e de 2,4% a 2,8% na fase 2 pela margem de erro da pesquisa). Esse aumento de 53% foi estatisticamente significativo e é inédito em estudos similares. Por exemplo, na Espanha, estudo semelhante indicou aumento de apenas 4% entre as duas etapas da pesquisa.
Observatório: Qual foi o universo da pesquisa em termo de cidades contempladas, o que foi observado e qual a sua representatividade?
Pedro Hallal – No conjunto das 120 cidades que alcançaram 200 ou mais entrevistas na fase 2 da pesquisa, a proporção de pessoas com anticorpos, que significa que já tiveram ou têm o coronavírus, foi estimada em 2,8%, podendo variar de 2,6% a 3,0% pela margem de erro da pesquisa. Esses dados já levam em consideração a taxa de falsos positivos e falsos negativos do teste rápido utilizado. Essas 120 cidades correspondem a 32,7% da população nacional, totalizando 68,6 milhões de pessoas, entre as quais 1,9 milhão (margem de erro de 1,7 a 2,1 milhões) estão ou já estiveram infectadas. A única cidade que não autorizou a realização da segunda fase da pesquisa foi Santo Antônio de Jesus, na Bahia.
Observatório: Houve variação significativa nas diferentes cidade na frequência da positividade de anticorpos? Os resultados dessas cidades podem ser extrapolados para todo o país?
Pedro Hallal – Os resultados dessas 120 cidades não devem ser extrapolados para todo o país, nem usados para estimar o número absoluto de casos no Brasil, pois são provenientes de cidades populosas, com circulação intensa de pessoas e que concentram serviços de saúde. A dinâmica da pandemia, portanto, pode ser distinta da observada em cidades pequenas ou em áreas rurais. No entanto, os pesquisadores voltam a afirmam que a contagem de pessoas com anticorpos no Brasil certamente já está na casa dos milhões, e não mais dos milhares. A comparação do número de pessoas com anticorpos estimado pela pesquisa com os números oficiais de casos confirmados aponta para uma grande disparidade. No dia 3 de junho, véspera do início da pesquisa, essas 120 cidades somadas contabilizavam 296.305 casos confirmados e 19.124 mortes. Os dados do Epicovid19-BR estimam que, para cada caso confirmado de coronavírus nessas cidades, existem seis pessoas com anticorpos na população.
Observatório: O que a pesquisa mostra em relação à prevalência da Covid-19 nas diversas regiões do Brasil?
Pedro Hallal – A diferença por regiões do Brasil é marcante. As quinze cidades com maiores prevalências incluem doze da Região Norte e três do Nordeste (Imperatriz, Fortaleza e Maceió). Na Região Sul, nenhuma cidade apresentou prevalência superior a 0,5%, e, na Região Centro-Oeste, apenas três cidades superaram esta marca (Brasília, Cuiabá e Luziânia). Segundo os pesquisadores, esse resultado confirma que a Região Norte tem o cenário epidemiológico mais preocupante do Brasil, o que já havia sido mostrado na primeira fase da pesquisa.
Observatório: Qual a prevalência entre as capitais, onde o adensamento populacional é maior? Foram observadas diferenças?
Pedro Hallal – As diferenças entre as capitais do Brasil foram marcantes. Em Boa Vista (RR), a proporção da população que tem ou já teve coronavírus foi estimada em 25%, ou seja, um de cada quatro habitantes da cidade está ou já esteve infectado. Foi possível testar duzentas ou mais pessoas em 26 das 27 capitais. Entre estas, seis apresentaram resultado superior a 10%: Boa Vista (RR), Belém (PA), Fortaleza (CE), Macapá (AP), Manaus (AM) e Maceió (AL). Das dez capitais com percentuais mais altos da população com anticorpos, quatro são da Região Norte, cinco são da Região Nordeste e um da Região Sudeste.
Observatório: Foram observadas diferenças entre os resultados da primeira e segunda fase da pesquisa?
Pedro Hallal – Os resultados da segunda fase do Epicovid19-BR para a segunda cidade mais populosa do Brasil, Rio de Janeiro, com 6,7 milhões de habitantes e 7,5% da população com anticorpos, estimam que 503 mil pessoas têm ou já tiveram o coronavírus na cidade. Em algumas cidades, as diferenças entre os resultados da primeira e da segunda fase foram acentuadas. No Rio de Janeiro, por exemplo, a proporção estimada de pessoas com anticorpos para o coronavírus aumentou de 2,2% para 7,5%. Em Maceió, o aumento foi de 1,3% para 12,2%. Em Fortaleza, o aumento foi de 8,7% para 15,6%.
Observatório –Um trabalho desse vulto representa um grande esforço colaborativo. Quem são os atores envolvidos no desenvolvimento do Epicovid19BR?
Pedro Hallal – O Epicovid19-BR é um estudo coordenado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas. O financiamento para a pesquisa é do Ministério da Saúde. O estudo conta também com apoio do Instituto Serrapilheira, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), da Pastoral da Criança, e contou com doação do programa da JBS Fazer o Bem Faz Bem. A coleta de dados é de responsabilidade do Ibope Inteligência.
Observatório: Como e quando se dará a terceira fase da pesquisa?
Pedro Hallal – Seguindo a mesma metodologia, catorze dias depois do final desta segunda fase, serão aplicadas novas entrevistas e realizadas novas pesquisas de anticorpos contra o coronavírus.
Entrevista feita pelo Observatório com o reitor da Universidade Federal de Pelotas