Incorporação de tecnologias pela rede pública é oportunidade de expansão dos negócios
A necessidade que as escolas tiveram de adaptar suas rotinas pedagógicas e administrativas ao mundo virtual na pandemia impulsionou o crescimento das edtechs, as startups de educação.
O setor já estava em expansão no país. Entre 2018 e 2019, o número de empresas passou de 364 para 449, segundo o último mapeamento feito pela Abstartups (Associação Brasileira de Startups). Cerca de 70% delas oferecem soluções para a educação básica. “No início da pandemia houve uma busca muito grande por plataformas de ensino a distância e ferramentas para viabilizar aulas online”, afirma Leo Gmeiner, diretor do comitê de edtechs da Abstartups.
Ao longo da quarentena, novas demandas surgiram, diz ele. As escolas passaram a buscar plataformas para produção e gestão de conteúdos e melhoria da aprendizagem e do engajamento dos alunos. Agora, com a retomada das aulas presenciais, entraram também no radar das instituições as ferramentas para o ensino híbrido e a organização do cotidiano escolar. Para atender às necessidades criadas neste período, a Redação Online teve que adaptar o seu produto. Criada em Florianópolis em 2016, a edtech oferece correções de redações para escolas e também para alunos individualmente.
O estudante pode escrever na própria plataforma ou tirar uma foto do texto em papel, e professores dão um feedback de acordo com a categoria escolhida —Enem, vestibulares ou concursos. Durante a pandemia, a ferramenta foi licenciada às escolas, para que seus próprios professores a usassem para corrigir as redações. A mensalidade foi reduzida em 80%, custando R$ 1,80 por aluno.
“A correção da redação exige muito do professor. Neste momento, entendemos que tínhamos uma ferramenta fundamental para apoiar as escolas”, diz Otavio Pinheiro, 42, diretor-executivo da empresa. Segundo ele, o número de clientes mais que dobrou na quarentena: passou de 500 para 1.100 instituições. A quantidade de estudantes que assinam o serviço também subiu, de 23 mil para 38 mil. Já a Kanttum, edtech de Uberlândia (MG) dedicada à formação de professores, aumentou seu faturamento em 110% em relação a 2019. A startup disponibiliza às escolas uma plataforma de observação de aulas, na qual a instituição pode dar feedbacks ao seu corpo docente, com o objetivo de melhorar o aprendizado dos alunos. A mensalidade custa a partir de R$ 14,90 por professor cadastrado no sistema —o valor por usuário diminui quanto maior for o corpo docente. “Como dar aula no formato remoto é muito diferente do que no presencial, tivemos um crescimento absurdo no início e no meio da pandemia”, conta Pablo Sales, 31, fundador da Kanttum.
Hoje, a empresa atende 1.500 escolas, com 108 mil professores no total — antes eram 600 instituições com 40 mil docentes. No período de distanciamento social, houve também uma acelerada incorporação de tecnologia pelas escolas públicas, o que representa uma oportunidade de expansão para as edtechs, diz Lúcia Dellagnelo, diretora-presidente do CIEB (Centro de Inovação para a Educação Brasileira). “Até então, o crescimento era muito baseado na venda de soluções para as escolas particulares. Mas a rede pública corresponde a quase 80% desse mercado”, afirma. Para chegar às instituições públicas, as empresas devem oferecer produtos mais completos e abrangentes. “Quanto mais específico for, mais difícil será sua incorporação”, diz.
Durante a pandemia, a Árvore, que disponibiliza livros digitais e conteúdos de atualidades a escolas, ampliou sua atuação no setor público. A quantidade de estudantes que têm acesso à plataforma subiu de 250 mil para 1,7 milhão. Destes, 700 mil estão na rede privada e 1 milhão na pública. A assinatura mensal custa às escolas a partir de R$ 9,90 por aluno — o valor por usuário diminui quanto maior for o número de estudantes. “Desenvolvemos, inclusive, soluções pensadas para os alunos das escolas públicas. Eles podem, por exemplo, baixar obras para leitura offline, porque sabemos que um grande problema é a dificuldade de conexão”, diz João Leal, 36, diretor-executivo da Árvore.
Na opinião dele, com a pandemia, as soluções digitais deixaram de ser vistas como complementares na educação para se tornarem essenciais. Além disso, ele destaca que, neste momento, a escola passou a ter a necessidade de entregar o básico com muita qualidade. “Foi bom confirmar que a leitura está nesse rol de itens fundamentais”, diz.
Em relação às perspectivas para o futuro, Gmeiner, da Abstartups, considera que as escolas viram que a transformação digital pode trazer benefícios importantes para a aprendizagem dos alunos. “Elas vão querer permanecer com as soluções que funcionaram bem. Não tem porque não manter os benefícios que foram conquistados.”
Lúcia Dellagnelo, do CIEB, afirma que as edtechs são muito procuradas por fundos e investidores que querem ter não só retorno financeiro, mas também impacto social. “Mas a curva de incorporação de tecnologias educacionais é um pouco mais lenta e complexa do que a de outros setores, o que requer paciência e a compreensão de que esse ciclo de retorno vai ser um pouco mais longo”, afirma. Esse é um dos motivos para a morte precoce de edtechs, segundo ela. “Como o investidor não vê retorno fácil, não coloca dinheiro na edtech. E o projeto morre porque não tem recurso para continuar.”
Para Alvaro Cruz, vice-presidente de tecnologia educacional da Positivo Tecnologia, que tem iniciativas para acelerar o crescimento de edtechs, o mercado está passando por um processo de maturação e diversificação que permite às empresas apoiar as instituições de educação em todas as esferas. Além do ensino, ele vê como tendências as ferramentas adaptativas para personalizar o aprendizado dos estudantes e a integração entre plataformas. “No cenário pós-pandemia, acreditamos que haverá um esforço muito grande para desenvolver as linguagens e o pensamento matemático, que podem ter sido afetados no período de isolamento”, diz. “Outra preocupação é como avaliar os alunos em ambientes virtuais. Portanto, ferramentas que busquem resolver essa questão certamente ganharão espaço nas escolas.
Matéria publicada originalmente pela Folha de São Paulo – Lisandra Matias