Taxas de mortalidade têm sido consideradas um dos indicadores mais confiáveis para acompanhamento e avaliação das medidas de enfrentamento à pandemia adotadas nos diferentes países. No entanto, mesmo ponderadas em relação às populações – por exemplo, pelo cálculo do número de mortes por 100 mil habitantes -, essas taxas podem não oferecer retratos precisos das diferentes situações, pelo fato de a Covid-19 ser uma doença em que a idade é o principal fator de risco para agravamento e, em consequência, morte.
A partir dessa constatação, o economista Marcelo Pinho, docente do Departamento de Engenharia de Produção (DEP) da UFSCar, decidiu calcular taxas de mortalidade padronizadas de acordo com as estruturas etárias dos diferentes países. Para isso, lançou mão de ferramentas comumente utilizadas pela Economia e pela Demografia para comparar fenômenos que ocorrem em diferentes localidades. No entanto, a solução, que poderia ser relativamente simples, encontrou obstáculo importante em etapa anterior ao cálculo, na obtenção das informações desagregadas nas diferentes faixas etárias, ou seja, dos números de mortes associados a cada idade ou grupo etário.
“Como cidadão, eu vinha acompanhando com interesse a situação da pandemia, mas também como economista obcecado pelos números. Quando percebi o viés nos indicadores mais comumente utilizados, já que obviamente morrem muito mais pessoas onde há maior número de idosos, resolvi pensar em como realizar o ajuste, o que, na verdade, não é muito complicado”, conta Pinho. “O mais difícil foi obter os dados, desagregados por idade. Precisei pesquisar muitos sites nas línguas dos países, com ajuda do tradutor do Google, e não só as fontes oficiais, mas também matérias publicadas na imprensa e outros documentos”, relata o pesquisador. Os resultados obtidos estão registrados em artigo elaborado pelo pesquisador em parceria com Enéas Gonçalves de Carvalho, docente do Departamento de Economia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara, disponibilizado em plataforma de pré-prints da Scielo.
Pinho e Carvalho pesquisaram dados para os 34 países que, em 28 de janeiro de 2021 – limite adotado no artigo -, reuniam 90% das mortes por Covid-19. Conseguiram obter dados suficientes para 28 desses países, que registravam 82% das mortes. Dentre eles estão, além do Brasil, Argentina, México, Alemanha, Canadá, Estados Unidos, Índia, Hungria, Inglaterra e África do Sul, para exemplificar.
Com a padronização das taxas, o quadro encontrado foi muito diferente daquele desenhado pelos indicadores brutos de mortalidade. Naquele momento, por exemplo, o Brasil ocupava a 14ª posição em ranking de taxas brutas de mortalidade, mas passava para a 6ª posição com as taxas padronizadas de acordo com a estrutura etária da população brasileira. E o agravamento da pandemia no País vem piorando ainda mais esse cenário: atualização parcial dos dados para 21 de maio deixava o Brasil atrás apenas do Peru.
Um outro dado importante revelado pelo cálculo é que, enquanto nos países mais ricos os números de mortes crescem vertiginosamente com a idade, em países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, a diferença, ainda que sempre grande, é menor.
Novamente considerando o dia 28 de janeiro, os sete países de maior mortalidade pela taxa ajustada eram países em desenvolvimento, seis da América Latina e a África do Sul. Inglaterra, EUA e Itália, situados nas primeiras posições de rankings de taxas brutas, caíam a partir do ajuste. Assim, o artigo mostra como, no caso desses sete primeiros países, dentre eles o Brasil, o fator protetivo de perfis demográficos mais jovens não foi suficiente para evitar que os impactos mais dramáticos da pandemia se dessem justamente por aqui.
Cálculo mais recente, com dados atualizados do Brasil e da Inglaterra – considerada um dos países que, inicialmente, também fez enfrentamento precário da pandemia -, é mais uma ilustração da tragédia brasileira no enfrentamento da Covid-19. Considerando taxas brutas de mortalidade, o Brasil apresentava, em março deste ano, número 25% menor que o do Reino Unido. Essa taxa, em 21 de maio, já era 11% superior à britânica. No entanto, ao considerarmos a taxa padronizada, ajustada pelo perfil etário da população brasileira, o Brasil tem indicador 84% superior àquele calculado para o Reino Unido.
“Por fim, um exercício que sintetiza os impactos da maior mortalidade no Brasil, novamente tomando como base os óbitos até 21 de maio, é o que permite inferir que se por aqui prevalecessem as taxas de mortalidade por faixa etária registradas no Reino Unido, o número total de mortos seria 49% menor, ou seja, teriam sido poupadas nada menos que 216.223 das 444.094 vidas brasileiras perdidas até então”, compartilha o docente da UFSCar. “E a defasagem no processo de vacinação prenuncia que, infelizmente, a discrepância das taxas de mortalidade ajustadas pelos perfis etários deve aumentar ainda mais nos próximos meses”, conclui Pinho.