Em matéria de polarização política, os Estados Unidos nada ficam a dever ao Brasil. Mesmo assim, na semana passada, senadores republicanos e democratas se uniram para aprovar a maior lei de política industrial da História dos EUA. Ao contrário do que costuma acontecer no capitalismo de compadrio brasileiro, o destino principal dos US$ 250 bilhões de dólares previstos no pacote não será em subsídios para elevar artificialmente a competitividade de empresas. A grande motivação da lei – ainda a ser votada pelos deputados – é o investimento em Ciência e Tecnologia, motivado pelo medo de perda da liderança nessa área para a China.
Na mesma semana em que os Estados Unidos sinalizavam mais investimentos no setor, as notícias no Brasil iam em direção oposta. Reportagem de Bruno Alfano no Globo na segunda-feira passada revelou que 30 das 69 universidades federais não tinham como garantir a manutenção das atividades básicas até o fim do ano e estavam cortando gastos com bolsas e pesquisas. Na Folha, o repórter Doulgas Gavras mostrou na quarta-feira que o número de vistos americanos de trabalho pedidos por brasileiros com alta qualificação – entre eles cientistas – registrou em 2020 o maior número em dez anos.
Em artigo na capa da edição deste mês da Revista de Pesquisa da Fapesp, o repórter Rodrigo de Oliveira Andrade mostrou que o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia – descontado despesas obrigatórias – vem sofrendo sucessivos cortes desde 2013, ao ponto de os R$ 1,8 bilhões previstos para 2021 representarem somente 16% do registrado em 2013, considerando a inflação do período.
Obviamente, o volume de recursos possíveis do Brasil em ciência e tecnologia não são comparáveis à capacidade de investimento dos EUA ou da China. Porém, ao contrário do que verificamos na educação básica, em matéria de desenvolvimento científico sempre estivemos na liderança na América Latina, posição que começa a ficar em risco.
Rankings que se propõem a comparar a performance de universidades entre países carregam sempre alguma subjetividade, já que o peso ou escolha de diferentes critérios faz com que a posição de uma mesma instituição possa variar de acordo com a entidade que a classifica. Mesmo com essa ressalva, em todos os levantamentos o Brasil sempre era destaque no cenário latino-americano graças às suas universidades públicas.
Num dos mais recentes divulgados, feito pela consultoria britânica QS, o Brasil era o país com o maior número de instituições (94) listadas entre as melhores da região, seguido de México (66), Colômbia (60), Argentina (42) e Chile (40). As três brasileiras de maior destaque foram USP (2ª), Unicamp (5ª) e UFRJ (9ª). A liderança entre instituições nesse levantamento, que já foi da USP, agora é da PUC do Chile. Ao comentar a situação brasileira na época de divulgação do levantamento, Bem Sowter, diretor de pesquisa da QS, afirmou que “ainda que o Brasil se mantenha como o líder regional no ensino superior do ponto de vista da pesquisa, sua predominância tem diminuído”.
Como sempre no caso da educação, podemos dizer que o problema não é só falta de recursos. É legítimo e necessário o debate sobre como aumentar a eficiência de nossas pesquisas. Mas não será com cortes drásticos que ameaçam até mesmo o funcionamento básico de universidades púbicas que vamos resolver esse problema.
Fonte: Coluna Antônio Gois, O Globo