Temos aumento de preços, aumento de poluição atmosférica e até mesmo risco de blecaute nos horários de maior consumo de energia
O Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ) promoveu na última quinta-feira, 17/6, o seminário Clima, Água e Energia: Potenciais Conflitos Socioeconômicos e Ambientais. O evento, realizado de maneira remota e disponível no YouTube, reuniu os professores Luiz Pinguelli Rosa, Marcos Freitas e Maurício Tolmasquim, do Programa de Planejamento Energético (PPE) da Coppe, dentre outros especialistas que analisaram a gravidade da nova crise hídrica pela qual o país atravessa e os riscos de racionamento, aumento de preços, aumento de poluição atmosférica e até mesmo de blecaute nos horários de maior consumo de energia.
Tolmasquim afirmou que a atual crise hídrica traz um risco maior de blecautes do que de racionamento. “O ponto de atenção não é o racionamento, mas sim o risco de blecautes, tanto pelo fato de no horário de pico poder não haver fornecimento como pelo uso intenso das linhas de transmissão, pois qualquer acidente poderia ter grandes repercussões, já que estão muito carregadas.
O pesquisador explicou que embora o déficit não seja preocupante nos subsistemas Norte e Nordeste, ele é maior nos subsistemas Sul e Sudeste/Centro-Oeste, que respondem pela maior parte da capacidade do Sistema Interligado Nacional. Para ele, as usinas hidrelétricas do Norte são importantes em um momento em que os subsistemas Sul e Sudeste/Centro-Oeste estão deficitários.
Ainda de acordo com Tolmasquim, o subsistema Nordeste tem exportado energia gerada pelas usinas eólicas de maio a novembro, período mais seco no Sul e Sudeste e com mais ventos no Nordeste. A energia eólica tem custo variável menor que a térmica e reduz a necessidade de despachar essa fonte de energia, que ainda traz o problema de maior emissão de gás carbônico.
Além disso, diz ele, “o saldo na conta bandeiras está deficitário. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) propõe reajustar as bandeiras vermelha 1 e 2 em mais de 20%, com o impacto correlato na inflação. Mas não tem muito jeito: se aumenta o despacho térmico, tem que pagar por isso. Caso nada fosse feito, chegaríamos em novembro de 2021 com 7,5% dos reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste”, lamenta.
Setenta milhões de brasileiros em risco
Aliado à falta de planejamento na política energética no país, volume de chuvas tem prejudicado | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
O coordenador geral de Ciências da Terra, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Gilvan Sampaio, alertou que o déficit de precipitação nas regiões Central e Sul do país, hoje, é maior do que os registrados durante o período do racionamento de 2001, e que o volume de chuvas previsto para os meses de junho, julho e agosto não será suficiente para recuperar os níveis dos reservatórios.
Gilvan afastou a possibilidade de que a baixa pluviosidade seja consequência de fenômenos climáticos sazonais. “Nós saímos do La Niña e até o final do ano estaremos em neutralidade, sem outros eventos climáticos. Há uma conexão entre aquecimento global e ciclo hidrológico. Isso modifica a forma como as nuvens se formam. Nas regiões costeiras, a evaporação mais rápida leva a chuvas mais intensas e enchentes. Chuva intensa e concentrada não ajuda os reservatórios, o prolongamento dos dias secos tampouco.”
O diretor da área de regulação da Agência Nacional de Águas (ANA), Oscar Cordeiro, por sua vez, indicou que há uma tendência de diminuição da segurança hídrica do país nos próximos anos. Para ele, é importante dar atenção a temas como o uso mais eficiente da água e da energia.
Segundo Oscar, o total de água retirada das bacias hidrográficas brasileiras chegou a 2.083 m³/s, sendo quase a metade (49%) destinada para irrigação (oito milhões de hectares de área irrigada no país, segundo o Atlas da Irrigação da ANA). Com isso, a crise pluviométrica/hidrográfica, coloca “73 milhões de pessoas em risco e pode gerar perdas econômicas associadas a déficit hídrico de 518 bilhões de reais em produção industrial ou agropecuária”.
Reservatórios são ativos importantes na gestão do sistema
Na avaliação do professor Luiz Pinguelli Rosa, a atual crise expõe problemas tanto no planejamento quanto na expansão do sistema. “Somando essas possíveis intervenções para minimizar a crise, o resultado ainda é tímido: não chega a 10% do déficit apresentado. Sem contar a importação de energia do Paraguai, que já é prevista, aquela vinda da Argentina e Uruguai é muito pequena”, afirma.
“Não houve construção significativa de usinas hidrelétricas nos últimos anos. Os projetos como duplicação de Tucuruí, Belo Monte e Jirau são dos governos Lula e Dilma. O governo Temer foi pouco ativo, embora haja a justificativa da crise econômica. A falta de potência é o mais grave, porque não há de onde transferir e isso afeta o momento de pico, podendo levar a interrupções de fornecimento no horário de maior consumo. Nossa perspectiva não é muito boa”, afirma Luiz Pinguelli Rosa, professor da Coppe/UFRJ e ex-presidente da Eletrobras.
O professor Marcos Freitas alertou para um problema que não tem recebido muita visibilidade no debate público. “A gente pode estar jogando para frente problemas com lençóis freáticos, pois este monitoramento não é feito pelo governo federal e sim pelos estados. As usinas térmicas usam água subterrânea. Pode não faltar carvão, mas vai faltar água para a sua operação.”
“A vida seria mais fácil se a gente fizesse reservatórios”, ponderou o professor Maurício Tolmasquim, para quem não apenas as barragens, mas os novos projetos de hidrelétricas estão com os dias contados. “Com essa restrição, temos que pensar em como operar. Poderíamos usar os reservatórios já construídos para firmar as energias renováveis intermitentes. São ativos muito importantes de que outros países não dispõem. Usar os reservatórios com mais parcimônia e deixá-los encher mais nos períodos em que as energias eólica e solar estiverem mais produtivas, e assim deixarmos as usinas termelétricas como um recurso, em stand-by”.
O evento foi coordenado pelo Ivig e pelo PPE, ambos da Coppe/UFRJ, além da Sub-Rede de Energias Renováveis da Rede Clima e Coordenação de Compensação Ambiental e Sustentabilidade (CCAS/UFRJ), e contou com a participação da reitora da instituição, professora Denise Pires de Carvalho.