A ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) está extinta na natureza desde o ano 2000. Atualmente, existem cerca de 150 indivíduos da espécie que vivem em cativeiro, a partir de um projeto que tem como objetivo salvar a espécie da extinção total, dentro do Plano de Ação Nacional para Conservação da Ararinha-Azul, organizado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente.
Mas esse projeto pode ser ameaçado pelas mudanças climáticas, considerando-se que a sobrevivência desses animais em seu habitat original pode ser muito mais difícil com a escassez de alimento e abrigo causada pela falta de condições climáticas adequadas. A área de reintrodução da ararinha-azul fica no Refúgio de Vida Silvestre (Revis) da Ararinha-Azul, uma área de proteção integral, que é rodeada pela Área de Proteção Ambiental (APA) da Ararinha-Azul, no sertão baiano.
A Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) integra uma frente de pesquisa, junto com a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e o Instituto Ecótono, que analisou projeções climáticas relacionadas ao ambiente onde os animais devem ser reintroduzidos.
Os pesquisadores realizaram projeções computacionais para os próximos 50 anos para avaliar se as mudanças climáticas poderão afetar as plantas que a ararinha-azul utiliza para abrigo e obtenção de alimento, que são recursos fundamentais para a sobrevivência da espécie.
Segundo o pesquisador professor doutor Samuel Gomides, docente da Ufopa do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade (PPGBEES) e líder da pesquisa, “os resultados obtidos no estudo são importantes, pois permitem, aos gestores do projeto de reintrodução da ave, escolher melhores estratégias para a introdução da espécie na natureza, como fazer escolhas de locais climaticamente mais estáveis, e guiar programas de recuperação de áreas degradadas que serão importantes para a espécie no futuro próximo. Isso permitirá a antecipação de eventuais riscos para a sobrevivência dos animais que iniciarão esse projeto de reintrodução e recuperação da espécie”.
Técnicas de modelagem computacional
De acordo com os pesquisadores, os registros de ocorrência e os dados sobre a biologia da ararinha-azul na natureza são antigos e imprecisos. Faltam informações mais consistentes sobre a história natural, ecologia e comportamento da espécie.
Grande parte da informação disponível está compilada no Plano de Ação Nacional para Conservação da Ararinha-azul. Com a escassez de dados sobre qual era a área de distribuição original da espécie na natureza, os autores usaram uma abordagem diferenciada, avaliando 14 espécies de plantas que são essenciais para a sobrevivência da ave. Essas plantas eram usadas como alimento, local de nidificação (ação de construir o ninho) e descanso, e são elementos-chaves para a sobrevivência da ararinha-azul no seu habitat original.
A partir da distribuição dessas espécies de plantas no presente, os pesquisadores usaram séries históricas de dados climáticos, e também dados de solo e de topografia para construir projeções computacionais para o futuro nos próximos 50 anos, em dois cenários climáticos: um otimista e outro pessimista.
No cenário otimista, foi considerada uma estabilização nas taxas de emissão de carbono, e no pessimista, mantêm-se as taxas de crescimento populacional e de consumo de combustíveis fósseis. Esses cenários são baseados em taxas de emissões de gases de efeito estufa e padrões socioeconômicos de acordo com órgãos internacionais.
“Os modelos são importantes, pois antecipam os possíveis impactos das mudanças climáticas nas condições ambientais ideais para a ocorrência das plantas estudadas. Como os organismos são interdependentes, uma redução na distribuição desses vegetais pode afetar a disponibilidade de alimento não só para a ararinha-azul, mas também para outros animais na Caatinga”, explicou a doutora Talita Mota Machado, também integrante da equipe de pesquisadores.
Resultados preocupantes
Os resultados da pesquisa indicam que em ambos os cenários climáticos futuros (tanto o otimista quanto o pessimista) há a previsão de redução das áreas com condições climáticas adequadas para a ocorrência simultânea das 14 espécies vegetais estudadas. Essa redução poderá ser de 33% no cenário otimista, e de 63% no cenário pessimista. Outros estudos já indicaram que a Caatinga tende a aumentar a desertificação e os períodos de seca com a destruição ambiental e as mudanças climáticas. Consequentemente, isso afeta a disponibilidade de alimento e abrigo para a ararinha-azul no futuro.
As áreas com potencial para abrigar, simultaneamente, as 14 espécies de plantas usadas pela ararinha-azul no presente podem existir em outras cinco reservas de proteção integral, além do local onde ocorrerá a soltura dos animais. Apesar disso, faltam corredores ecológicos que liguem essas reservas ambientais e permitam o acesso da ave. Para o cenário futuro mais otimista, apenas três unidades de conservação serão climaticamente adequadas (Área de Proteção Ambiental Lago de Sobradinho, Reserva da Vida Silvestre Tatu-Bola e Estação Ecológica Serra da Canoa), nos estados de Pernambuco e Bahia, mas para o cenário pessimista, nenhuma delas terá condições adequadas quanto ao clima.
Como reverter essa situação preocupante?
Os cientistas apontam que a reintrodução das aves deve ser meticulosamente estudada para evitar que as ameaças que eliminaram a espécie no passado continuem ativas com o retorno das espécies à natureza.
Segundo eles, deve-se incluir as alterações climáticas previstas na lista dos fatores que colocam em risco o projeto de reintrodução da ararinha-azul na natureza em longo prazo, conforme recomendado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).
Considerando que grande parte das áreas previstas como mais resistentes às alterações climáticas estão concentradas às margens de rios e riachos temporários na região, e que essas áreas são as mais afetadas pela expansão urbana e da agricultura, o ideal é que se faça a recuperação das áreas de preservação permanente (APP) em torno dos corpos d’água da região.
A pesquisa aponta que a reintrodução da ave na natureza demandará ações concretas por parte dos gestores desses projetos para lidar com ameaças como caça, alterações ambientais na área de soltura, queimadas, além dos efeitos das alterações climáticas.
O caso da ararinha-azul se apresenta ainda mais desafiador por esta espécie ter sido extinta na natureza no início deste século e por haver pouco conhecimento sobre como ela se comportava no ambiente, quais os seus hábitos naturais, e como ela vai lidar com os desafios da vida na natureza. A sobrevivência da ararinha-azul dependerá essencialmente da preservação de áreas naturais e de programas de recuperação de áreas degradadas, principalmente de matas ciliares.
Publicação
O resultado da pesquisa foi organizado em um artigo científico e publicado no último dia 24 de junho de 2021, na revista internacional Conservation Biology.
Link para o Plano de Ação Nacional para Conservação da Ararinha Azul do ICMBio
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