Desde o começo da pandemia de COVID-19, especialistas da saúde enfatizam publicamente que a contenção da contaminação da população depende também da testagem massiva. Para que os governos e profissionais da área possam tomar as melhores decisões, primeiramente é necessário identificar a magnitude da ameaça e os testes demonstram a dimensão da propagação do vírus na população.
A testagem permite acompanhar as cadeias de transmissão da doença, detectar pacientes assintomáticos ou aqueles que, em algum momento, foram infectados e não descobriram a doença, além de identificar a transmissão do Coronavírus por localidade, faixa etária, entre outros parâmetros. Os dois principais tipos de testes utilizados na pandemia até o momento são os sorológicos rápidos – que oferecem resultados em cerca de 20 minutos -, e os moleculares, que saem em aproximadamente duas horas.
A tecnologia empregada vai reduzir os custos de produção dos kits. A ideia é que o exame seja feito através da saliva. Caso seja aprovado, cada teste custará aproximadamente cinco reais para ser fabricado. Nossa intenção é distribuir pelo SUS através do Instituto Vital Brazil – Célia Ronconi Machado
A ciência segue avançando na detecção da COVID-19. Desde 2020, a Universidade Federal Fluminense participa de uma pesquisa colaborativa para desenvolver um kit de diagnóstico, a partir de anticorpos extraídos de animais, que detecta o Coronavírus em até cinco minutos. A professora Célia Ronconi Machado do Instituto de Química coordena o grupo de trabalho da UFF dentro de uma rede nacional que inclui ainda cientistas de outras nove instituições brasileiras: PUC-Rio, UFRJ, UnB, UFG, UFT, UFMG, USP-São Carlos, CETENE e Instituto Butantã.
“Fui convidada para participar do projeto em abril do ano passado pela professora Glêndara Aparecida de Souza Martins, da Universidade Federal do Tocantins. A professora já conhecia o trabalho do Laboratório de Química Supramolecular e Nanotecnologia da UFF, do qual sou coordenadora, e sua experiência em novos materiais e nanomáquinas. A fim de suprir a demanda de desenvolver bons métodos de detecção rápida do vírus SARS-CoV-2, utilizamos nosso conhecimento na área de nanotecnologia para colaborar com o estudo”, narra a pesquisadora Célia.
A cientista explica que o desenvolvimento da metodologia foi bastante trabalhoso e consumiu um tempo considerável até as condições serem ajustadas. Foram utilizados anticorpos de cavalos, coelhos e camundongos na criação do kit de diagnóstico. “Inicialmente fizemos testes com a S (spike) – proteína do Coronavírus que entra nas células humanas e é alvo dos anticorpos produzidos pelo sistema imunológico depois da contaminação – que nos foi doada pelo Laboratório de Engenharia de Cultivos Celulares da Coppe da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)”.
Os animais não desenvolvem a doença, mas produzem um soro rico em anticorpos que são capazes de reconhecer e se conectar a diferentes partes da proteína S (spike) – Célia Ronconi Machado
Segundo Célia, a primeira proposta da pesquisa era acoplar anticorpos humanos em nanopartículas de ouro; contudo, estes materiais são muito caros quando comprados no mercado. A rede conseguiu do Instituto Vital Brazil uma doação de soro de cavalo, produzido por seus pesquisadores, contendo anticorpos equinos. Paralelamente, o grupo de pesquisadores de Brasília acoplou anticorpos de coelhos e conseguiu, assim, detectar o vírus inativado isolado e também em amostras de saliva de 176 pacientes contaminados ou não com o novo coronavírus.
“Os animais não desenvolvem a doença, mas produzem um soro rico em anticorpos que são capazes de reconhecer e se conectar a diferentes partes da proteína S (spike). No nosso método de trabalho, purificamos os anticorpos de animais e os acoplamos em nanopartículas de ouro – partículas de tamanho entre 1 e 100 nanômetros – para gerar os biossensores, que são os dispositivos responsáveis por analisar e quantificar um componente biológico”, ressalta a professora da UFF.
Essa metodologia pode ser usada para acoplar anticorpos específicos para imunoterapia do câncer, por exemplo. Esses avanços trazem novas perspectivas para a pesquisa científica na área de saúde – Célia Ronconi Machado
Nesse momento, a pesquisa está na etapa de validação do método para possibilitar a aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). “A tecnologia empregada vai reduzir os custos de produção dos kits. A ideia é que o exame seja feito através da saliva. Caso seja aprovado, cada teste custará aproximadamente cinco reais para ser fabricado. Nossa intenção é distribuir pelo SUS através do Instituto Vital Brazil”, destaca.
Célia reafirma que com a variante delta do coronavírus, a testagem em massa se torna ainda mais necessária, mesmo que a população esteja vacinada. “A rapidez do resultado e o acesso pelo SUS tornam mais fácil o isolamento de pessoas infectadas e, por consequência, contém o avanço da pandemia”.
O projeto recebeu R$ 608 mil de financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), sob coordenação da professora Célia Ronconi Machado e mais R$ 2,5 milhões do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), sob coordenação do professor da UnB Ricardo Bentes de Azevedo.
De acordo com a cientista, os ensaios da pesquisa mostram que o sistema desenvolvido é seletivo ao vírus Sars-Cov-2 e, com isso, no futuro, essa tecnologia também poderá ser usada para identificar a presença de outros vírus, como o H1N1, zika, dengue e AIDS. “Além disso, essa metodologia pode ser usada para acoplar anticorpos específicos para imunoterapia do câncer, por exemplo. Esses avanços trazem novas perspectivas para a pesquisa científica na área de saúde”, conclui.