Professor e pesquisador Waldemir Rosa analisa o conceito de desracialização da elite intelectual, em participação no ¿Qué Pasa?
Na concepção de Waldemir Rosa, professor do curso de Antropologia – Diversidade Cultural Latino-Americana da UNILA e pesquisador na área das relações raciais no contexto comparado na América Latina, a implementação de políticas afirmativas tem um papel importante para democratizar a constituição de um grupo que tende a ocupar as posições de liderança na sociedade. A esse movimento é atribuído o termo de desracialização da elite intelectual, que envolve pessoas com maior espectro de diversidade e com potencial para assumir a gestão de funções do Estado e posições de liderança na iniciativa privada no Brasil.
Isso porque, para o pesquisador, as universidades públicas, principalmente as federais, sempre foram um espaço de reprodução da elite brasileira, cenário que vem mudando após a implementação da Lei de Cotas, em 2012. Para ele, é preciso reforçar a necessidade de abrir esses espaços para outras pessoas, pois o ensino público superior é importante para qualificar aqueles que ocuparão locais de liderança e prestígio na sociedade. “Isso só reforça a necessidade de políticas que visem a democratizar o acesso da população negra, de indígenas e de estudantes de escolas públicas, egressos da educação básica, no ensino superior público”, afirma.
Prestes a completar 10 anos, a Lei de Cotas deve passar por uma revisão em 2022, e o ¿Qué Pasa? procurou saber quais as perspectivas para esse momento sobre o processo de continuidade dessas políticas. Waldemir Rosa entende que, com base nos indicadores existentes, há uma leitura de que as políticas de ações afirmativas foram muito importantes nesse processo de democratização do acesso ao ensino superior. “O perfil de pertencimento ao grupo de cor/raça do ensino superior, principalmente no sistema federal, antes das ações afirmativas era um e agora é outro. Há uma verificação de efetividade das políticas na garantia de um acesso mais plural nessa questão”, analisa.
Outro dado que o professor aponta é que, no momento posterior ao maior ingresso de estudantes negros em cursos de graduação, também houve um significativo incremento no ingresso em cursos de pós-graduação. E que, posteriormente, como reflexo da implementação da política de cotas, também se verifica um maior número de pessoas qualificadas academicamente, em termos de titulação, para disputar vagas para professores de nível superior. “Obviamente, a gente continua a perceber uma grande desigualdade entre esses grupos, mas é inegável que as políticas de ações afirmativas tiveram impactos positivos”, afirma.
Para ele, já existe na sociedade brasileira a compreensão de que as políticas de ações afirmativas são necessárias para alterar o quadro de exclusão que marcava o ensino superior. “Quando falamos da presença dessa população, falamos não só da presença física, mas também de outras necessidades da presença acadêmica que surgiram com a implementação das ações afirmativas”, declarando que as instituições que implementaram essas políticas também estabeleceram um debate muito significativo sobre a pluralidade epistêmica no interior das universidades.
Mesmo levando em consideração o perfil conservador da atual composição do Congresso Nacional, segundo o pesquisador, existe uma compreensão de que dentro do setor político brasileiro, e também por ser ano eleitoral, poucas pessoas adotariam uma visão radical da não continuidade da Lei de Cotas. “Como a política de cotas é consagrada pela opinião pública dos brasileiros como algo necessário e fundamental, compreendo que, mesmo com o contexto conservador do Congresso brasileiro, a gente consiga uma prorrogação da Lei de Cotas no próximo ano”, aponta ele. Waldemir destaca a importância da mobilização de atores como a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e de movimentos sociais como a Coalizão Negra por Direitos, que defendem a prorrogação da lei por mais tempo.
Ao longo da entrevista ao ¿Qué Pasa?, Waldemir Rosa também fala da importância das bancas de autodeclaração para evitar possíveis fraudes em processos de seleção. “Das experiências das bancas de que participei, não só de ingresso, mas também de concursos públicos, eu diria que um percentual muito pequeno é formado por pessoas que se autodeclaram negras de uma forma tendenciosa, para ocupar esses cargos. Acredito que nem chega a 2%”, avalia.
Durante a participação no episódio, Waldemir Rosa também avalia o contexto político polarizado e a dificuldade de avançar em demais campos da implementação de políticas públicas e de garantia de direitos humanos no Brasil. Ele faz uma análise, ainda, de como essa pauta da política de ações afirmativas tem sido trabalhada em outros países da América Latina.