No início de janeiro, a protetora de animais Irislene Sousa, presidente da União dos Protetores de Animais de Tucuruí, recebeu mais um pedido de ajuda. Era de uma mulher, que pedia à protetora que resgatasse seus três animais.
O pedido era bem parecido com os outros que costuma receber. “Ela pedia que fôssemos à casa dela retirar os animais, pois eles eram constantemente agredidos pelo companheiro dela, um homem que constantemente brigava por cíumes excessivos. Ela pediu que fossemos em um horário que ele não estivesse em casa, pois se estivesse, iria matá-la. Nós fomos retirar os animais e também oferecemos ajuda para que ela deixasse o local, mas a moça tinha medo das ameaças dele. Nós chegamos a acionar a polícia sobre essa situação de violência doméstica, mas o que nos foi informado é que ela falou à polícia que não queria denunciar o companheiro. Esse tipo de pedido é comum, e costuma partir tanto de mulheres que são vítimas de agressão, quanto de vizinhos que presenciam o comportamento violento do agressor”, lamenta Irislene. Os animais resgatados estão atualmente sob responsabilidade do abrigo.
A relação entre essas duas violências é o que se estuda na Teoria do Elo, quando as violências cometidas à animais são associadas aos casos de violência doméstica, principalmente às praticadas contra mulheres, idosos e crianças, e que convivem no mesmo ambiente.
“No Brasil, esses estudos são muito recentes, dos anos 2000 para cá. A maioria dos nossos dados mostra que os agressores são do sexo masculino, tanto os agressores de mulheres, quanto dos animais. A Teoria do Elo é porque começou-se a verificar que homens que agrediam suas companheiras mulheres, em algum momento, também eram violentos com os animais”, explica a professora Ruth Almeida, cientista Social, e doutora em Ciências Agrárias na Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), campus Belém.
Segundo a professora, muitas mulheres relatam o medo de sair de casa e ter que deixar para trás os animais de estimação. “O Estado não está preparado para acolher os pets, apenas as mulheres. Elas relatam ter medo de sair e os companheiros matarem o cachorro, o gato. Nos Estados Unidos, por exemplo, já existem lugares para acolher e proteger mulheres, junto com crianças e animais. No Brasil não tem”, diz.
Os casos de maus tratos à animais e violência doméstica contra mulheres foram significativos durante a pandemia de Covid-19. Dados da Divisão Especializada em Meio Ambiente e Proteção Animal (DEMAPA) mostram que no ano de 2020, foram registrados 75 boletins de ocorrência sobre maus tratos à animais no estado do Pará. Em 2021, só nos meses de janeiro a março foram registrados 40 boletins.
Já a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) registrou mais de 6.700 casos de violência no ambiente doméstico somente no primeiro semestre de 2021. O número representa um aumento de 12% do registrado no mesmo período de 2020 no estado do Pará.
O assunto foi tema do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Annanda Cordeiro Pereira, graduanda do Curso de Medicina Veterinária, campus Belém. Orientada pela professora Ruth Almeida, a aluna escolheu a Teoria do Elo para analisar os casos de violência no município de Belém.
Annanda Pereira diz que a escolha foi baseada na própria vivência durante o curso, que inclui perceber os recorrentes abandonos de animais no campus, além de observar os animais que chegavam em situações extremas de maus tratos.
“Eu considero a teoria do elo muito importante pra sociedade e ainda é pouco debatida. Vejo muitos estudantes de veterinária que não conhecem sobre o assunto, por isso eu tive a certeza da importância da escolha desse tema”, diz.
Ela relata ter tido grande dificuldade em apurar dados para seu estudo, pois ainda não existe um banco de dados específico que cruze as informações das duas delegacias e que consiga identificar se um mesmo indivíduo é o agressor nos dois tipos de casos de violências.
“O trabalho é importante para refletir essa questão dos maus tratos a animais, porque a pandemia, além de agravar a questão da violência, agravou também a falta de recursos, pois quando falamos de maus tratos, não é só falar da questão física, mas também deixar de dar alimentação adequada, deixar de comprar remédios adequados, deixar de levar para vacina, ações que são também uma espécie de maus tratos”, explica Ruth Almeida.
Denúncias
As denúncias de maus-tratos contra animais podem ser feitas pelo número 181, que funciona 24 horas por dia, ou pelo telefone da Demapa (91) 3238.1225, em horário comercial. Já as denúncias de violência doméstica devem ser encaminhadas à Central de Atendimento à Mulher, pelo número 180. O serviço presta uma escuta e acolhida qualificada às mulheres em situação de violência, registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgãos competentes, bem como fornece informações sobre os direitos da mulher, como os locais de atendimento mais próximos e apropriados para cada caso, como a Casa da Mulher Brasileira, Centros de Referências, Delegacias de Atendimento à Mulher (Deam), Defensorias Públicas, Núcleos Integrados de Atendimento às Mulheres, entre outros. A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana.