Flávia Trench e Kelvinson Viana analisam o cenário atual da pandemia e alertam para a necessidade da vacinação para crianças e adultos.
Depois de dois anos de pandemia, a ciência conseguiu importantes resultados no combate à Covid-19. O sequenciamento do vírus e o avanço de tecnologias para produção de vacinas são apontados pelos professores Flávia Trench e Kelvinson Viana como os dois principais ganhos. Os docentes integram o Grupo de Trabalho de Projeções (GT 6) da UNILA e conversaram com a equipe do projeto ¿Qué Pasa? sobre o momento atual da pandemia.
“Hoje a gente sabe que é não só um Sars-CoV-2, mas qual a variante, de onde veio e qual sua especificidade. Isso era uma coisa que em outras pandemias e endemias a gente não tinha esse acesso”, comenta Flávia Trench, que também é médica infectologista. Para Kelvinson Viana, pesquisador em Bioengenharia para o desenvolvimento de vacinas, o sequenciamento foi “um salto”. “Agora conseguimos ficar monitorando e verificando se as variantes são mais virulentas, mais patogênicas, mais agressivas ou não.”
Além disso, ele aponta a expansão do uso de tecnologias para a produção de vacinas como outro avanço científico alcançado durante a pandemia. As tecnologias que usam o RNA (Pfizer e Moderna) e vetor viral (AstraZeneca) não são tecnologias novas, como a grande maioria da população imagina. “Elas são dadas como novas porque é a primeira vez, no mundo, que a gente tem vacinas com duas tecnologias que até então não eram utilizadas”, esclarece. A ideia de usar o RNA para a fabricação de vacinas, diz ele, está em estudo desde a década de 1980. “A população não tinha conhecimento, mas eram tecnologias que já estavam andando há muito tempo, trabalhando em laboratório, refinando a questão da segurança, porque esse é o fator principal.”
“As pessoas que não se vacinaram, pelo fato de estarem transmitindo mais, colocam em risco as outras pessoas.” Kelvinson Viana
O fato de a tecnologia já estar em estudo agilizou a produção de vacinas contra a Covid-19, diz Viana. “Numa pandemia não tem como ficar esperando cinco anos, dez anos, senão a população é dizimada, dependendo do micro-organismo”, destaca. “Que bom que a gente conseguiu uma vacina em um ano. Seria bom que a gente conseguisse em seis meses. A gente teria menos mortes”, completa, lembrando que o prazo para a produção deve andar sempre ao lado de critérios de segurança. A tendência, de acordo com o pesquisador, é que os processos se tornem cada vez mais rápidos e seguros. “As tecnologias não vão parar por aí. Existem outras propostas de vacinas que a população ainda nem tem ideia de como são feitas. Muda absolutamente tudo”, comenta.
Flávia e Viana fazem coro com cientistas de todo o mundo que alertam que o coronavírus veio para ficar. “O vírus vai continuar, vamos ter picos de infecções de tempos em tempos, assim como temos da gripe e assim como temos de reinfecções anuais de outros coronavírus sazonais que causam resfriados. Vamos continuar convivendo com ele”, avisa Kelvinson. Os cenários futuros vão depender de como serão as variantes do coronavírus, mas, para Flávia, a tendência é que as pessoas passem a apresentar poucos ou nenhum sintoma. “O Sars-CoV-2 é muito surpreendente em vários aspectos. Analisando a evolução das variantes, a gente percebe que [o vírus caminha] evolutivamente para ser mais transmissível e menos adoecedor e matador. Espero que o vírus concorde comigo”, analisa Flávia.
Cuidados com as crianças
Sobre a vacinação de crianças, Flávia diz que tem ouvido pessoas com muitas dúvidas, geradas principalmente por informações falsas (fake news) que circulam por redes sociais e aplicativos. Além disso, comenta a infectologista, as pessoas acreditam que crianças não pegam Covid ou têm menos sintomas. “As pessoas não têm percepção de risco. A gente está vendo crianças absolutamente saudáveis morrerem da doença”. A médica explica que, neste momento, a variante ômicron, que é extremamente transmissível, vai encontrar dificuldades para infectar aqueles que já receberam vacinas, e o alvo será os não vacinados, no caso, as crianças. “Nós vamos ver um maciço número de crianças doentes e, entre elas, vai ter o percentual de crianças graves, de crianças com sequelas significativas e as que vão a óbito.”
“A novidade ruim de 2022 serão os casos graves e os óbitos em crianças, porque a tendência é o vírus caminhar para essa faixa etária de forma predominante.” Flávia Trench
Viana lamenta o fato de não haver campanhas de estímulo à vacinação lideradas pelo Ministério da Saúde, como ocorreu em outros momentos. “O Brasil sempre foi referência na vacinação infantil. O Brasil sempre teve a capacidade de vacinar muita gente em pouquíssimo tempo. O Brasil não teve incentivo oficial e isso é um problema muito sério.” O Ministério da Saúde, complementa Flávia, é o único que tem capacidade de coordenar e fazer grandes campanhas para esclarecimento para pais e mães que estão em dúvida ou decidiram não vacinar seus filhos. “Cada um [município, médicos, entidades] faz um pouquinho, mas não temos capilaridade, poder nem dinheiro para fazer uma divulgação massiva das vantagens da imunização infantil.”
Passaporte vacinal
Segurança é fundamental na retomada da “normalidade modificada”, ou seja, trabalhar e estudar presencialmente e mesmo participar de atividades de lazer com mais pessoas, discorre Flávia. Para isso, diz, é preciso apoiar medidas preventivas consagradas, como o uso de máscara, a higienização das mãos, o distanciamento social e a vacina. “Máscara, uso de álcool, distanciamento são medidas visíveis e aplicáveis. Como comprovar que a pessoa está vacinada? Passaporte de vacinação. Porque está posto que o vacinado, mesmo quando se infecta, é um transmissor inferior. Fora que o vacinado tem uma chance infinitamente menor de ter doença grave e de acabar num hospital, numa UTI ou morto”. Ela ainda destaca que pacientes internados – e a maioria é internada pelo SUS – geram “custo para toda a sociedade”. “Todos nós estamos pagando essa conta.”