UFSC formula método para identificar presença de herbicida na água e no sangue de forma rápida e barata

Pesquisadoras estudam identificação do herbicida a partir da eletroquímica. (Fotos: Amanda Miranda)

O herbicida fluometuron, usado para controlar pragas em gramíneas, como a cana de açúcar, e também em plantações de algodão, também pode causar impactos ambientais e à saúde humana se ministrado em doses excessivas. Seu potencial de atingir águas subterrâneas e outros organismos já foi registrado, assim como se identificou uma lacuna de dados sobre os seus efeitos tóxicos. Essas características e a falta de uma legislação brasileira para lidar com o assunto tem chamado a atenção de cientistas – inclusive de uma equipe da UFSC que desenvolveu um método para identificar a presença do herbicida na água e no sangue de forma rápida, eficaz e barata.

A equipe coordenada pela professora Cristiane Luisa Jost utiliza a eletroquímica para oferecer um método que, além de utilizar equipamentos portáteis e de fácil manuseio, também é mais barato e sustentável. Um artigo, fruto da pesquisa da doutoranda Kelline Alaide Pereira Sousa, foi publicado na revista Electrochimica Acta, uma das mais prestigiadas e de maior impacto do campo.

Em Electrochemical, theoretical, and analytical investigation of the phenylurea herbicide fluometuron at a glassy carbon electrode, assinado também pelos pesquisadores Franciele de Matos Morawski, Carlos Eduardo Maduro de Campos, Renato Luis Tamme Parreira, Maurício Jeomar Piotrowski e Glaucio Régis Nagurniak, a equipe propõe um estudo inédito e com insights teóricos sobre o comportamento do composto quando em contato com um eletrodo.

“O objetivo, de uma forma geral, foi desenvolver um método analítico para atender a uma legislação”, explica a professora, reiterando que as técnicas da eletroquímica podem ser utilizadas para identificar muitas substâncias tóxicas. Para a investigação específica do fluometuron, a orientanda, Kelline, utilizou o background dos estudos da colega Franciele, que já vinha analisando herbicidas da classe fenilureia. “O que nos interessou também foi o fato de o fluometuron nunca ter sido determinado por eletroquímica”, explica Kelline.

De acordo com Franciele, os procedimentos realizados pela equipe se enquadram naquilo que se chama “química verde”, com métodos analíticos mais sustentáveis, com baixa geração residual e, geralmente, sem a utilização de solventes orgânicos. A professora complementa assegurando que a eletroquímica simplifica o processo com o uso de equipamentos portáteis e instrumentação facilitada. “Com isso, sugerimos um método alternativo mais barato, conseguimos alcançar as vantagens dos métodos já existentes e atendemos às legislações”, explica Cristiane.

Atender a legislação, nesse caso, significa utilizar as ferramentas de análise para verificar se a quantidade de determinado composto obedece aos parâmetros da lei. No caso do fluometuron, embora não haja, no Brasil, especificações sobre sua quantidade autorizada, a substância acende alertas: por se tratar de um poluente orgânico persistente, pode alcançar as águas subterrâneas e superficiais e até mesmo ser consumido por animais e seres humanos. Além disso, é proibido na maioria dos países da União Europeia e, nos Estados Unidos, só pode ser utilizado na lavoura de algodão.

A professora Cristiane Jost (centro) é orientadora dos estudos.

Novas descobertas

A eletroquímica aplicada pelo grupo de Cristiane se utilizou da voltametria para investigar a presença ou ausência do fluometuron na água e no sangue. Essa é uma das técnicas possíveis de aplicação e, a partir da medida das correntes elétricas, investiga a quantidade do composto presente. No caso da pesquisa realizada pela equipe, um eletrodo é utilizado para a análise dos parâmetros – é lá que o processo eletroquímico ocorre na superfície que possibilita a transferência de elétrons.

A coleta da água foi feita no interior do Rio Grande do Sul. Na análise, não se identificou a presença do fluometuron, mas o meio é utilizado para que o estudo seja realizado em situações reais – neste caso, a ideia era propor um método para análise na água de rios e lagoas, por isso a necessidade de simular o ambiente.

Nesse processo, o grupo chegou também a novos insights teóricos. Isso porque, segundo Cristiane, no momento em que o composto era identificado no eletrodo seu comportamento parecia fugir da normalidade e do que se via na literatura até então. Verificou-se, então, após uma série de testes, que a transferência de elétrons se dava de uma forma diferente da que ocorria com outros compostos da mesma classe.

Na etapa, a pesquisa contou com o auxílio da simulação realizada pelos professores Maurício Jeomar Piotrowski (UFPel) e Glaucio Régis Nagurniak (UEPG). “Eles simularam o fluometuron se aproximando dessa superfície do eletrodo. E, com base nessa abordagem teórica na simulações, identificaram que o fluometuron sofre o processo de transferência de elétrons, mas também sofre uma decomposição na superfície daquele eletrodo. Então não há apenas um processo de transferência de elétrons, mas também uma decomposição”, resume. Essa descoberta, confirmada por medidas de espectroscopia Raman, pelo professor Carlos Eduardo Maduro de Campos (Física/UFSC), foi importante para que a pesquisa experimental prosseguisse.

Luz e sangue

O Laboratório de Plataformas Eletroquímicas (Ampere) tem se destacado pela produtividade, publicações e prêmios recentes recebidos pelos membros da equipe. Na busca por utilizar a técnica mais barata e sustentável, também perseguem outros compostos tóxicos ao homem e ao meio ambiente.

A pesquisa de doutorado de Franciele, defendida em dezembro de 2021, teve como tema os materiais nanoestruturados aplicados no desenvolvimento de sensores eletroquímicos. Mesmo já tendo estudado pesticidas, ela atualmente estuda os sensores aplicados ao diagnóstico em saúde. No ano passado, chegou a receber um prêmio de inovação de tecnologia em sustentabilidade pelo trabalho que possibilita prognósticos que antecipam se um paciente pode ou não desenvolver um quadro grave de Covid-19.

Além do estudo dos herbicidas, Franciele trabalha também com diagnóstico em saúde por meio da eletroquímica.

Ela lembra que essa é uma outra possível abordagem da eletroquímica – relacionar os compostos ao meio-ambiente, mas também à saúde humana. “Nessa mesma pesquisa com o fluometuron nós fizemos testes no soro sanguíneo justamente por conta disso”, pontua.

Já o estudo de Kelline, que busca o desenvolvimento de plataformas eletroquímicas para determinação voltamétrica de pesticidas, utiliza a fotoeletroquímica para a identificação de pesticidas em matrizes de polinização. A técnica é similar à aplicada no artigo recentemente publicado, em combinação à incidência de luz.

“Nosso objetivo é poder entregar um método que seja aplicado, de fato, que resolva um problema e que contribua. No nosso caso, esse problema está atrelado ao cumprimento ou não da legislação, o que pode valer para os pesticidas, para poluentes emergentes, etc”, comenta a professora e orientadora dos trabalhos. “A ideia é resolver um problema que de fato exista, não o contrário: primeiro criar algo e depois aplicar”.

No horizonte do grupo, agora, está a proposta de ajudar na resolução de um problema local de Florianópolis, campus da UFSC onde os estudos são realizados. A Lagoa da Conceição será alvo de pesquisas de novos compostos com instrumentos portáteis e de fácil utilização – um passo a mais em direção à inovação e sustentabilidade.