
Pica-pau de cabeça amarela. (Fotos: acervo da pesquisadora)
Ouvindo o canto dos passarinhos, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina chegou a importantes resultados sobre os chamados Sistemas Silvipastoris com núcleos agroflorestais, áreas de pastagens com núcleos agroflorestais implantados para beneficiar as propriedades e o meio ambiente na região do encosto da Serra do Rio do Rastro. Além de sombrearem o pasto e resultarem em um alimento de melhor qualidade para o gado leiteiro, as agroflorestas inseridas na pastagem estão atraindo aves inéditas para esse tipo de região. Agroflorestas são áreas que reúnem cultivo de interesse do produtor e plantas da floresta.
A pesquisa de doutorado de Gisele Francioli Simioni, intitulada Biodiversidade de aves: a importância do componente arbóreo em sistemas pastoris, teve parte dos seus resultados publicados no artigo Response of birds to high biodiversity silvopastoral systems: Integrating food production and biodiversity conservation through applied nucleation in southern Brazil, que circulou no periódico Agriculture, Ecosystems & Environment, um dos mais relevantes da área. A tese foi orientada pelo professor Abdon Luiz Schmitt Filho, com coorientação dos professores Alfredo Celso Fantini, Fernando Joner e Benedito Côrtes Lopes. O artigo também é assinado por Joshua Farleyd e Alexandre Moreira.
Pica-pau de cabeça amarela (Fotos: acervo da pesquisadora)
O objetivo da tese foi caracterizar a variação da riqueza e composição de aves entre áreas pastoris sem e com núcleos e em remanescentes florestais, avaliando, assim, o impacto desta mudança na paisagem das pastagens na diversidade de espécies. O estudo foi conduzido em quatro propriedades rurais que trabalham com produção de leite à base de pasto localizadas no bioma Mata Atlântica. A pesquisa foi realizada no Laboratório de Sistemas Silvipastoris e Restauração Ecológica, que produz uma série de investigações sobre como núcleos agroflorestais nessas áreas contribuem com a agricultura e favorecem o ecossistema.
“Os núcleos são, literalmente, quadrados de cinco por cinco metros espalhados na pastagem, onde foram colocadas espécies florestais que ajudam a recuperar o solo, formam sombra para o gado e trazem várias vantagens para o meio ambiente. Há um benefício desse sistema ser dessa forma para os agricultores e familiares. Também há outros benefícios que, muitas vezes, não são tão visíveis”, contextualiza Gisele. Por isso, a proposta foi estudar as aves como parte do agroecossistema.

Tucano de bico preto.
Os estudos foram conduzidos durante a primavera e o verão de 2016 e 2017, nos municípios de Santa Rosa de Lima e Imaruí. “Antes, eu trabalhava com ecologia de plantas e não conhecia as aves daqui, mas a metodologia desenvolvida em parceria com o Laboratório de Bioacústica possibilitou o trabalho com as aves através da vocalização”, explica. Para isso, gravadores foram implantados nos núcleos para captar o som das aves. A coleta de dados foi realizada a partir da instalação dos equipamentos em quatro habitats distintos: interior e borda da floresta, nos núcleos agroflorestais e nas pastagens sem árvores.
No total, a pesquisa utilizou 64 amostragens, em 2.400 minutos de gravações., Nas quatro propriedades selecionadas houve registro de 97 espécies de aves pertencentes a 44 famílias. Segundo Gisele, essa metodologia – de gravar o som emitido pelas aves e depois identificá-los – revelou-se uma técnica menos invasiva das que ela conhecia até então.
Diversidade de espécies chamou atenção
Cyanocorax caeruleus, popularmente conhecida como gralha azul; Tangara cyanoptera, o sanhaço de encontro azul, e Ramphastos vitellinus, o tucano de bico preto, foram algumas das espécies localizadas nos núcleos investigados por Gisele que estão na lista de espécies ameaçadas de extinção. “As aves também são indicadoras de qualidade do ambiente. Então, essas que estão frequentando o local indicam se ele está desequilibrado ou em processo de equilíbrio ou, ainda, menos perturbado”.
Ela explica que dentre os resultados que mais surpreenderam está o fato de espécies estarem usando os núcleos como trampolim. “Há algumas espécies que vivem no meio da floresta e que estão utilizando os núcleos como trampolim, como um local de parada para descanso enquanto elas migram ou enquanto elas se deslocam para outro fragmento florestal”, conta. “As árvores nos núcleos estão servindo de local para reprodução e de local para pouso, alimentação e reprodução, porque, quando elas saem de um fragmento florestal para outro, as aves encontram no meio essas miniflorestas que são os núcleos.”

Núcleos são estudados por pesquisadores da UFSC.
Ela também lembra o papel ecológico das aves como dispersoras de sementes e polinizadoras. “Isso para nós é muito interessante, porque essas aves estão saindo lá da floresta, principalmente da borda da floresta, e estão sendo atraídas para os núcleos que fornecem alguns recursos para sobrevivência e manutenção das espécies.” Ainda, o estudo aponta que a região foi visitada tanto por espécies endêmicas da Mata Atlântica, quanto por outras, ameaçadas de extinção. “Encontramos espécies vulneráveis voando e vocalizando, o que representa um ganho fantástico, porque significa que é possível aliar o plantio de árvores no meio da pastagem. Além de todas as vantagens que isso traz para o produtor rural, como o aumento na produção de leite, fator observado pelo laboratório.”
A pesquisadora aponta também o problema ecológico que representa a perda do habitat dessas aves no bioma Mata Atlântica. “Temos aves dependentes de ambiente florestal, e a intensificação de matrizes agrícolas que extraem florestas para implantar propriedades geram ambientes pobres que utilizam agrotóxicos e poluem ambientes”, descreve. “As aves trabalham a nosso favor e de graça, fazendo plantio de novas áreas de floresta. Nossa hipótese foi corroborada de que há aves florestais visitando os núcleos, de que eles estão abrigando espécies endêmicas e ameaçadas de extinção e de que este pode ser um local para melhorar o bem-estar das espécies”, finaliza.