Há cerca de 25 anos a geração de energia solar parecia um projeto de alto custo, uma realidade restrita a poucos ambientes. Mas olhar para esse passado, hoje, faz o professor Ricardo Ruther, coordenador do Grupo Fotovoltaica, da Universidade Federal de Santa Catarina, projetar um futuro promissor para uma inovação que começa a ganhar o mundo: a produção e utilização do chamado hidrogênio verde, o H2V. A UFSC, em parceria com a Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit, a Cooperação Técnica Alemã, começa a investir em pesquisa para construir um pioneirismo na área.
A comparação não ocorre à toa. O professor recorda como a geração solar tinha um custo alto e era vista como uma fonte de energia apropriada apenas para sistemas isolados e distantes dos centros urbanos, até se popularizar. Não foi de uma hora para outra: como qualquer inovação, exigiu investimento público em ciência, em projetos que muitas vezes eram mais custosos do que a economia inicial que geravam. Hoje, os frutos desse processo são visíveis na popularização da tecnologia e no seu consequente barateamento.
A curva de aprendizado com a tecnologia de geração de energia solar fotovoltaica serve como um espelho para o que pode vir a ser o aproveitamento do hidrogênio verde a longo prazo. Segundo o professor, esse assunto não é novo: pelo menos desde 2005 se fala sobre isso, mas naquela época as questões ambientais não pareciam uma pauta tão central quanto são hoje. Além disso, a produção bastante cara dificulta uma aplicação mais ampla.
O gás hidrogênio, que recebe o adjetivo de “verde” por conta da sustentabilidade da produção via eletrólise utilizando somente água e energia renovável, vem sendo pesquisado pelos principais países do mundo. Segundo a consultoria internacional Bloomberg New Energy Finance, a geração solar fotovoltaica é capaz de oferecer o hidrogênio verde de baixo custo, o que fez com que o Grupo de Pesquisa Estratégica em Energia Solar da UFSC (www.fotovoltaica.ufsc.br) fosse um foco imediato de interesse de parceiros.
O professor explica que o hidrogênio verde é aquele obtido com o uso de uma fonte renovável de energia, no processo de eletrólise da água que o separa do oxigênio naquela molécula. “Você pode usar o hidrogênio para, a partir dele, fazer diversas coisas, desde usá-lo numa célula combustível para convertê-lo de volta em eletricidade até ser usado como combustível. Por exemplo, os foguetes são todos movidos a hidrogênio”. Na prática, a energia empreendida para obter o gás com o selo de “verde” precisa ter sua fonte original no sol ou nos ventos.
O investimento da Cooperação Alemã vai assegurar a obra do novo bloco do laboratório da UFSC, um prédio em construção que servirá como vitrine para a indústria da viabilidade e aplicação da tecnologia. Além disso, a capacitação de professores, pesquisadores e estudantes também faz parte do escopo da parceria. O professor Ruther, por exemplo, recentemente passou por um treinamento na Alemanha, de onde retornou com as bases para construir o projeto.
Essa cooperação faz parte do Projeto H2Brasil da GIZ, que trabalha em parceria com o Ministério de Minas e Energia (MME) pela expansão do mercado de hidrogênio verde (H2V) no país. O projeto incentiva o desenvolvimento de novas tecnologias relacionadas ao H2V e seus derivados, apoia a realização de estudos e pesquisas sobre o tema, fomenta a educação profissional e também a implementação de plantas e laboratórios de produção do combustível sustentável.
Produção ampliada
Para garantir a produção de hidrogênio verde, segundo Ruther, é necessária uma farta produção de energia solar. Parte dessa energia virá da recém inaugurada Planta Solar Piloto de Módulos Bifaciais, capaz de gerar energia com radiação direta do sol e refletida pelo solo, parceria do Laboratório Fotovoltaica com a CTG Brasil, multinacional da área de energia. A outra parte vem da cobertura de painéis solares do telhado. “Nós estamos triplicando a nossa capacidade de geração solar e essa capacidade adicional de geração de energia solar vai ser usada para produzir hidrogênio”, explica Ruther.
No total, serão investidos R$ 12 milhões para a produção de energia elétrica, hidrogênio e amônia verdes no laboratório do Grupo, localizado no Sapiens Parque. A previsão é de que o potencial máximo de geração seja de 4,1 Nm3/h (normal metro cúbico por hora de hidrogênio verde) e produção máxima de 1 kg/h de amônia. A produção diária vai depender da irradiação solar e, consequentemente, da geração fotovoltaica de cada dia.
De acordo com reportagem da revista Fapesp, há 520 projetos de usinas de hidrogênio no mundo. Além do projeto que será realizado na UFSC, uma usina da EDP utilizará energia fotovoltaica e terá capacidade para produzir 22,5 quilos (kg) de hidrogênio por hora. O investimento previsto é de R$ 41,9 milhões.
A proposta da parceria é também usar um reator para a produção de amônia verde (NH3), produto comumente utilizado como fertilizante. Isso será possível a partir da junção do hidrogênio produzido pela energia solar combinado, em reação, com o nitrogênio. Segundo o professor, além do reator, o projeto irá adquirir um eletrolisador e uma célula de combustível. O eletrolisador possibilita a produção do hidrogênio e o seu uso para gerar energia elétrica ocorre na célula de combustível.
Brasil é foco de interesse
Questões geopolíticas também fazem com que o hidrogênio verde seja o assunto do momento no quesito geração de energia. Isso porque, além de toda a ênfase na questão ambiental, os países europeus são dependentes do gás natural russo, que teve o preço elevado e a disponibilidade reduzida, fatos que acabaram aumentando as expectativas para o composto.
“Esses investimentos são principalmente puxados pela Europa e mais especificamente pela Alemanha, que já tinha decidido desativar suas usinas nucleares e procurar um substituto para essa energia”, pontua Ruther. Existe, ainda, a urgência na substituição de uma matriz energética dependente do carvão, que é muito poluente. Outro elemento atrativo é a questão econômica. No estudo da Bloomberg New Energy Finance, o Brasil foi apresentado como o país onde o produto pode ser o mais barato do mundo em 2050.
Para o diretor do Projeto H2Brasil da Cooperação Alemã, Markus Francke, com seus grandes recursos solares e eólicos, o Brasil está muito bem posicionado para produzir hidrogênio verde a custos muito competitivos. “As iniciativas atualmente em andamento têm grande potencial para catalisar o processo de viabilização de toda a cadeia de valor do H2V, desde instituições acadêmicas de pesquisa e desenvolvimento, passando pelo setor industrial e comercial até o usuário final dessas tecnologias limpas”, afirma Francke.
A solução, no entanto, não responde somente a interesses de outros países. No Brasil, por exemplo, um impacto direto da utilização do hidrogênio verde pode ser a contribuição com a descarbonização da Amazônia, já que, na região, há sistemas isolados que utilizam combustível fóssil como fonte, gerando prejuízos ambientais. “A proposta é testar isso tudo, produzir hidrogênio a partir da energia solar, aqui, no nosso ambiente super controlado, e avançar no conhecimento”, aponta Ruther. “A ideia é usar essa experiência e conhecimento e replicá-los nas centenas de mini redes espalhadas na região Amazônica, para atender a essa demanda local”.
Investimento público
O professor explica que, hoje, a maior parte do hidrogênio que se produz é chamado de hidrogênio cinza porque vem de uma matriz de energia que não é renovável. “Hoje, petróleo, gás natural e carvão respondem por 85% do consumo de energia do mundo”, contextualiza. Esses dados apontam para a urgência de mudança de rota, aspecto que já é familiar ao Laboratório Fotovoltaica.
Os investimentos iniciais são altos, o que poderia ser um entrave imediato, mas ele destaca que isso também aconteceu lá atrás, quando a energia solar era vista como uma possibilidade utópica de mudança na matriz energética. “O custo alto de investimento em equipamentos e em recursos humanos faz com que os projetos iniciais muitas vezes não se paguem. Mas é justamente o aprendizado que vai fazer com que esse custo diminua. É neste avanço tecnológico que investimos”, diz.
Para ele, os investimentos públicos são essenciais para formar a base de um conhecimento que, em algum momento, será uma inovação acessível, como hoje são os paineis solares, por exemplo. “Nós já vimos isso acontecer com a energia solar e temos elementos para pensar que a mesma coisa vai acontecer com hidrogênio. Mas você precisa de recurso público, você precisa de investimento”, reforça.
O H2V e a Cooperação Alemã
A Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável trabalha há décadas nas áreas de energia sustentável e eficiência energética. Mais recentemente, vem apoiando o aprimoramento das condições legais, institucionais e tecnológicas para a expansão do mercado de hidrogênio verde (H2V) e de seus derivados no país, incluindo os combustíveis renováveis. Nos próximos anos, com o apoio do Ministério de Minas e Energia (MME) e do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), serão implementadas ações para desenvolvimento de novas tecnologias, fomento ao desenvolvimento e financiamento de ideias inovadoras e projetos tecnológicos, estudos, educação profissional e capacitação na área do hidrogênio verde e seus derivados.