UFMT desenvolve pesquisa para transformar resíduos urbanos e rurais em nanotecnologia sustentável

Cientistas da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) desenvolvem pesquisa para transforma resíduos urbanos e rurais em Bio Carbon Quantum Dots (Bio-Cdots), nanotecnologia sustentável com potencial para – entre outras coisas – estimular o crescimento de plantas e, assim, apoiar o agronegócio. O resultado final será divulgado em maio.

De forma resumida, o professor Adriano Buzutti de Siqueira, do Instituto de Ciências Exatas e da Terra (ICET), e sua equipe transformam efluentes de granjas suínas (a água que é usada na limpeza das granjas de confinamento) em um produto a ser aplicado em plantações, no intuito de melhorar o processo de fotossíntese.

Isso funciona porque essa água (e diversos outros tipos de resíduos, como o esgoto urbano) é constituída por materiais orgânicos, ricos em carbono. Quando submetidos a altas temperaturas e pressões nos processos de carbonização/pirolise, a matéria orgânica se desfaz e se transforma em nanopartículas de carbono luminescentes. Estes nanomateriais possuem propriedades distintas de interação com a luz solar, permitindo às plantas uma captação mais eficiente desta.

Essa interação de nanopartículas com a luz não é novidade. É possível até que você esteja lendo este texto em um monitor QLED, atualmente a principal aplicação desse tipo de tecnologia. Mas os QLEDs de hoje são feitos de Quantum Dots e não de Carbon Quantum Dots, como explica o professor:

“Os Quantum Dots (ou pontos quânticos) são feitos de materiais inorgânicos que não são amigáveis para o meio-ambiente, como Chumbo, cádmio, selênio e zinco, além de serem tóxicos, existem diversos problemas ambientais no seu uso. A ideia dos Carbon Quantum Dots (ou pontos quânticos de carbono) seria substituir aqueles por algo que não agrida o meio-ambiente e, principalmente, que não seja tóxico ao ser humano, o que ampliaria sua aplicação para áreas como a medicina e agricultura”, afirmou.

Carbon Quantum Dots são feitos de materiais orgânicos, geralmente de substâncias puros, como o ácido cítrico (constituinte do suco de limão); mas essa pesquisa se concentra em produzir “Bio Carbon Quantum Dots”, aproveitando os materiais orgânicos contidos em resíduos urbanos e rurais, o que seria “lixo” ou até “poluição”.

Mas e a aplicação?

De acordo com o professor, o BioC-dot está sendo estudado em duas frentes.

“As plantas usam a luz do sol para produzir seu alimento através da fotossíntese, mas não é toda a luz do sol que é aproveitada ou benéfica. O que os Bio-Cdots fazem é interagir com a luz ultravioleta, que além de não ser útil para a fotossíntese ainda podem causar danos às plantas, para transformar ela em luz que pode ser usada para a produção de nutrientes”, explicou.

“Em torno de 10% da luz é aproveitada pela planta para fotossíntese e o resto é perdido como calor, mas já têm trabalhos mostrando este aproveitamento em até 30% com o uso de cdots”, completou.

E a pesquisa continua no sentido de investigar de maneira mais aprofundada como deve ser a aplicação dos bio-cdots para aumentar a produtividade de culturas matogrossenses. Se é na folha ou na raiz, por exemplo. E também como viabilizar financeiramente a produção de bio-cdots para agricultores, estimulando uma economia circular e sustentável.

“Nosso trabalho tem o potencial de entregar um sistema que encorajaria investidores a implementar projetos de reutilização dos dejetos do agronegócio, reduzir o impacto ambiental no setor e estimular uma produtividade maior de alimentos para o futuro”, concluiu.

Quantumania

Essa e outras pesquisas mostram como a UFMT está na ponta da produção científica, com aplicações reais e visando o desenvolvimento social, econômico e sustentável do estado.

Mas quanto mais nos aprofundamos no conhecimento sobre o mundo, mais abstrato ele pode parecer, dificultando a compreensão e até a credibilidade das ideias propostas.

Então vamos falar um pouco de porque os Quantum Dots têm esse nome (e no processo, vamos mostrar como qualquer tipo de auto-ajuda “quântica” não faz sentido)

Todos os Dots de que falamos são muito, muito pequenos. Eles medem 2, 5, 10, 30 nanômetros, por exemplo. 1 Nanômetro equivale a 0,001 micrômetro, que equivale a 0,001 milímetros, que equivale a 0,1 centímetros. Então para se imaginar o tamanho de um Quantum Dots seria necessário dividir 1 cm em 10, depois em 1000, depois em 1000 de novo.

É difícil pensar em algo tão pequeno, certo? Mas você não está sozinho. É difícil para o Universo também. Tão difícil que quando as coisas são desse tamanho nem as leis da física fazem mais sentido.

Foi assim que surgiu a mecânica quântica, em contraste com a mecânica clássica. Novas regras para entender como partículas muito pequenas se comportam de forma tão diferente das maiores. Tão diferentes que elas nem são compreendidas como partículas, por isso podemos dizer que se comportam como ondas (geralmente).

As implicações disso são das mais variáveis, mas no caso desta pesquisa o principal fenômeno é o “tunelamento quântico”, como explica o professor Adriano Siqueira.

O pulo do gato (de schrodinger) do tunelamento é que o comportamento de onda dessas partículas permite que elas atravessem barreiras que seriam impossíveis do ponto de vista da física tradicional.

No caso desta pesquisa, o tunelamento acontece com a forma de transição (movimentação) dos elétrons contidos nos Bio-Cdots.

Os elétrons costumam ficar se mexendo em uma determinada área próxima do núcleo atômico, mas existem diferentes áreas para serem ocupadas e os elétrons de uma região não podem simplesmente pular para outra.

Para pular para outra área eles precisam ser estimulados, precisam receber energia de alguma outra fonte. Como se você tentasse pular uma cerca e precisasse do impulso de um amigo.

Mas na mecânica quântica não é bem assim. Por causa do efeito de tunelamento, a energia que o elétron de um nanomaterial precisa para dar esse salto é menor do que o necessário para ultrapassar essa barreira (seguindo as leis da mecânica clássica). Como se ao invés de dar um impulso para você pular a cerca, seu amigo te empurrasse na direção dela e você chegasse do outro lado mesmo assim.

Na aplicação de Bio-CDots em plantas, o tunelamento quântico faz com que essa nanopartícula receba a luz do sol (energia de uma fonte externa) e interaja com ela para transformar parte da energia que seria desperdiçada (calor) em mais luz para a planta absorver.

Esse projeto rendeu aos pesquisadores uma indicação da Associação Brasileira de Ciências (ABC) para representar o Brasil no Frontiers Planet Prize: Ciência para um planeta sustentável. Apesar de não terem alcançado o prêmio, a nomeação em si já reforça a inovação e importância do trabalho.