Escolha de reitores das universidades federais – Por vários autores

Em alguns momentos da história, fatores confluem, permitindo em um intervalo de tempo ações que, fora desta conjunção, seriam impossíveis. A este período costuma-se denominar “oportunidade histórica”. Com a posse de um novo governo, um novo parlamento e o aparente despertar do judiciário para a contenção do obscurantismo nas suas vertentes ilegais e violentas, uma oportunidade se apresenta para debater um tema central para a sociedade e para o sistema universitário federal: o aprimoramento do processo de escolha de reitores das universidades federais. A pauta faz parte da agenda da Andifes e da Câmara dos Deputados, onde inclusive há propostas legislativas em tramitação. Protagonistas naturais, Governo, Andifes, universidades, comunidade científica, entidades representativas e, naturalmente, o Parlamento deveriam aproveitá-la. Como efeito colateral desejável pode-se discutir a própria universidade.

Pois, trata-se da escolha do líder e, consequentemente, da alta administração de uma instituição peculiar, personagem que tem a responsabilidade de executar orçamentos públicos milionários e fazer a gestão de milhares de servidores e alunos, com vistas a garantir para a sociedade a qualidade das atividades-fim da universidade, ensino, pesquisa e extensão. Um processo em que os interesses da comunidade acadêmica e da sociedade mantenedora devem ser equilibrados pelo princípio da autonomia universitária. Portanto, o debate deve extrapolar a simples discussão sobre lista tríplice ou indicação de um único nome, seja eleição paritária ou não. Existem várias questões importantes a serem consideradas no processo de escolha do reitor: o tempo de mandato, incluindo a possibilidade de reeleições, o voto de desconfiança, o substituto em caso de vacância, os universos de eleitores e de elegíveis, a necessidade de nomeação pelo Presidente, entre outras.

As normas legais que atualmente regulam a eleição de reitor de universidade federal estão previstas na Constituição Federal, em seu artigo 207, nas leis 9.192/1995 e 11.892/2008, que estabelecem as diretrizes e bases da educação nacional e a organização dos sistemas de ensino superior no Brasil, e no Decreto 1.916/1996. A Lei nº 9.192/1995, em seu artigo 16, determina que a escolha dos dirigentes das universidades federais será feita por meio de processo democrático e participativo, assegurada a representação dos segmentos da comunidade universitária. Após o processo de consulta à comunidade, uma lista tríplice é elaborada pelo Conselho Superior da Instituição, enviada ao MEC, que encaminha, com opinião, ao presidente da República para que escolha um nome dentre os três.

Desde as décadas de oitenta e noventa, tornou-se um hábito consuetudinário, com raras exceções, embora as leis permitissem escolher qualquer um dos candidatos da lista, o presidente escolher o primeiro colocado. Recentemente, porém, houve casos em que o segundo ou terceiro colocado foi escolhido, quando não pro tempores, consequência de judicializações esdrúxulas sobre a lista tríplice. Mesmo sendo legal, não escolher o primeiro colocado pode levar a questionamentos e instabilidades institucionais, especialmente quando o motivo da opção não é claro ou é baseado em razões ideológicas, como ocorreu no último governo. É importante dizer que o atual modelo foi útil e adequado. Cumpriu bem o papel de transição do regime militar para o democrático pós-constituição de 1988. Organizou a participação da comunidade na escolha do reitor, estabeleceu requisitos para os candidatos, harmonizou, por um tempo, os interesses do Governo com a sociedade e as comunidades. Mas, passados mais de 30 anos, e à luz das experiências, essas normas merecem uma revisão que, caso ocorra, deve conter regras de transição que preservem direitos. O mundo mudou, a sociedade mudou, a universidade mudou e governos também mudam.

O que se busca é a combinação do respeito à autonomia e uma gestão superior eficaz. Para tratar de questão de tamanha importância, é válido fazer uma espécie de engenharia reversa, partindo da função da universidade federal, passando pelas atribuições do cargo de reitor, portanto dos predicados requeridos, para só então avaliarmos qual o processo mais atinente para selecionar esse perfil. Com esse exercício não se pretende eliminar a subjetividade inerente a qualquer interação humana, nem tampouco encontrar um modelo único, ideal e absoluto, mas, sim, estimular um debate que permita avaliar, sob nova ótica, qual seria o melhor processo para resultar na melhor escolha de dirigentes. É essencial que se tenha como premissas que universidade federal não se confunde com empresa e nem com sindicato e que candidatos a reitor devem representar propostas de como implementar o Plano de Desenvolvimento Institucional-PDI da universidade, alcançar as metas e os objetivos, dentro de um contexto social, econômico, político e cultural.

As universidades federais têm como funções precípuas, que devem exercer interagindo com as demandas regionais, nacionais e internacionais, a formação de recursos humanos, a geração de conhecimento e a promoção da cultura e do pensamento crítico. Também têm características e estruturas muito particulares, que as diferenciam das outras instituições de ensino superior no Brasil e no mundo, e entre si, das quais podemos listar: 1) o próprio modelo de escolha de seus reitores; 2) é gratuita e seu financiamento é público; 3) seu pessoal é estatutário com mesmas carreiras e salários; 4) todas devem fazer ensino, pesquisa e extensão; 5) estão sob o acompanhamento de órgãos oficiais de controle e do escrutínio da mídia; 6) suas instâncias são colegiadas; 7) têm, entre si, diferentes tradições, graus de consolidação institucional e acadêmicos.

Assim, diante desse pequeno compêndio de características dessas instituições peculiares, fica claro que o seu dirigente máximo tem atribuições próprias, dentre as quais é possível destacar, sem prejuízo das demais, as principais que abrangem uma série de outras atividades conexas. São elas: afirmar a autonomia universitária, assegurando que a universidade tenha liberdade para decidir suas políticas acadêmicas e administrativas sem interferência de órgãos externos; unificar a comunidade universitária em torno de projeto institucional; representar e interagir com outras instituições, Congresso Nacional, órgãos governamentais e mídia; garantir a qualidade acadêmica, certificando que a universidade cumpra as normas e padrões estabelecidos pelos órgãos reguladores e agências de fomento; promover a internacionalização, estabelecendo intercâmbio acadêmico e científico; formar equipes, dirigir órgãos colegiados, supervisionar e buscar a eficiência na gestão do orçamento e na administração dos recursos humanos, físicos e tecnológicos da instituição.

As atribuições acima destacadas deixam evidente o caráter tridimensional que a posição de reitor ou reitora traz em si: uma vertente eminentemente política, outra essencialmente acadêmica e uma terceira, gestora. E para a melhor consecução destas dimensões do cargo, quais seriam as qualidades necessárias? Inviável relacionar todas, mas é possível listar algumas, tais como: defesa intransigente  da democracia; visão estratégica para desenvolver e implementar metas e objetivos de longo prazo; liderança capaz de inspirar e motivar a comunidade para alcançar os objetivos da instituição; referência acadêmica para compreender as necessidades e desafios da pesquisa, ciência, tecnologia e inovação; habilidade de comunicação para se relacionar com diferentes públicos; habilidade de negociação com outras instituições, órgãos governamentais, sindicatos e parceiros externos; compromisso com a inclusão, diversidade e a equidade, com ética e transparência. Ou seja: liderança política, acadêmica e experiência em alta gestão. Mas, partindo-se do exposto, resta, então, a pergunta original e originária deste exercício: É possível definir normas democráticas para escolha de reitores, com as qualidades certas para as atribuições, e que dispensem o ato externo de nomeação?

A resposta é complexa e desafiadora, pois envolve questões políticas, institucionais e legais. Mas buscá-la coletivamente pode auxiliar em um processo que maximize a representatividade, assegurando que as equipes dirigentes sejam o mais próximo possível da necessidade de legitimamente traduzirem em suas atuações a importância de cada universidade federal e, simultaneamente, atender aos interesses da sociedade brasileira. O momento recomenda, sob o esteio da experiência, debater com os olhos na universidade do futuro e os pés na oportunidade histórica.

Nelson Maculan – Presidente da Andifes em 1992
Ivonildo Rêgo – Presidente da Andifes em 1998
Wrana Panizzi – Presidente da Andifes em 2003
Oswaldo Duarte – Presidente da Andifes em 2005
Paulo Speller – Presidente da Andifes em 2006
Amaro Lins – Presidente da Andifes em 2008
Edward Madureira – Presidente da Andifes em 2010 e 2020
João Luiz Martins – Presidente da Andifes em 2011
Jesualdo Farias – Presidente da Andifes em 2013
Maria Lucia Neder – Presidente da Andifes em 2015
Ângela Paiva – Presidente da Andifes em 2016
Reinaldo Centoducatte – Presidente da Andifes em 2018
Gustavo Balduino – Secretário Executivo da Andifes desde 1993

13 de abril de 2023