Mais de 50 mil pessoas esperam na fila do transplante de órgãos no Brasil. São mais de 50 mil sonhos engavetados em uma angústia que parece não ter fim. Para amenizar o sofrimento de milhares de pacientes e de suas famílias, pesquisadores trabalham na busca de soluções que reduzam não somente as filas de espera, mas os efeitos e as reações relacionados aos transplantes.
No CEFET-MG, a mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Materiais Ana Carolina Correia do Carmo, sob orientação da professora Danielle Marra e coorientação da professora Kátia Michelle Freitas, pesquisou tratamentos químicos de frutas e vegetais produzidos e consumidos no cerrado para aplicação como scaffolds, que são suportes que auxiliam na produção de tecido humano em laboratório (in vitro) e oferecem sustentação para o desenvolvimento das células, além de contribuir para o transporte de nutrientes, entre outras funções. “Essa abordagem é uma opção muito interessante, principalmente em países tropicais que apresentam uma enorme biodiversidade.
O cerrado é um bioma brasileiro que possui um grande número de plantas e frutas nativas e exóticas subexploradas e com características únicas, representando um grande potencial para os interesses da área”, explica a pesquisadora. Durante a realização do mestrado, foram tratados quimicamente com detergentes específicos e analisados o fruto da graviola, o pseudofruto do caju, a casca da mexerica, as folhas de brócolis e de ora-pro-nóbis e os talos de taioba e brócolis. O intuito foi utilizar tecidos descelularizados, ou seja, que tiveram as células removidas preservando as estruturas em volta, como um suporte para o crescimento de células do próprio paciente, evitando, assim, o risco de reações ou rejeição em longo prazo do órgão ou tecido transplantado.
Segundo a pesquisadora, o uso de scaffolds provenientes de plantas representa inúmeras vantagens, como abundância e acessibilidade, além de conferir robustez e durabilidade à parede celular. Outro atributo é a semelhança entre o sistema natural de transporte de fluídos nos biomateriais à base de plantas e a rede vascular ramificada dos mamíferos.
“Os vasos das plantas distribuem-se de grandes veias principais a microvasos, que são difíceis de se reproduzir usando as impressoras 3D e as tecnologias atuais. No entanto, essas estruturas venosas são encontradas na arquitetura vegetal, aumentando a atratividade do uso de plantas vascularizadas em Engenharia de Tecidos”, observa. As amostras vegetais apresentaram diferentes características durante a pesquisa: as folhas de brócolis tiveram a arquitetura folicular mantida, inclusive com a presença de estômatos, estruturas que desempenham um papel importante por serem regiões de adesão de células. Já na folha de ora-pro-nóbis foram mantidos canalículos, estruturas importantes para as células dos ossos e do fígado, por exemplo. Entre as frutas, a casca da mexerica apresentou os melhores resultados considerando a estrutura microscópica e os parâmetros físico-químicos.
A ideia da pesquisa, que resultou na dissertação “Tratamento químico de frutas e vegetais para potencial aplicação como scaffolds na Engenharia de Tecido”, surgiu dando continuidade ao trabalho iniciado pela professora do Departamento de Engenharia de Materiais Roberta Viana. Ana Carolina conta que a maior motivação para o estudo foi “vislumbrar a produção de um biomaterial com características físicas e biológicas desejáveis à Engenharia de Tecidos e, ainda, substituir fontes derivadas de animais para a pesquisa médica”.
Pacientes ativos em lista de espera no Brasil para transplante de órgãos (excluindo os pacientes pediátricos)
– Rim 28.014
– Fígado 1.282
– Coração 316
– Pulmão 201
– Pâncreas 85
– Pâncreas / rim 301
– Córnea 19.156
Total 49.355
Fonte: Registro Brasileiro de Transplantes – Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (Março 2022)