Pesquisadores do Laboratório de Paleontologia da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) apresentaram, neste último domingo, uma impressionante descoberta: o crânio completo e partes do esqueleto do mais antigo grande predador terrestre da América do Sul. O estudo foi desenvolvido em parceria com cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Piauí (UFPI) e Universidade de Harvard
Mais de dez anos após a descoberta de Pampaphoneus biccai na zona rural da cidade de São Gabriel, Rio Grande do Sul, um segundo indivíduo da mesma espécie foi coletado por paleontólogos da Unipampa. Os restos fósseis, que datam de cerca de 265 milhões de anos atrás, contém um crânio completo e alguns ossos do esqueleto, tais como costelas e ossos do braço.
Pampaphoneus viveu pouco antes da maior extinção que a vida na Terra já testemunhou, há 250 milhões de anos. No evento, quase 90% de toda a vida no planeta foi dizimada. Um dos principais grupos de grandes animais que prosperaram antes da extinção é o dos dinocefálios. Tratavam-se de animais de médio a grande porte com representantes carnívoros e herbívoros. Tinham ossos cranianos espessos, o que acabou por batizar o grupo (dinocefálio significa, em grego, “cabeça terrível”). Embora bem conhecidos na África do Sul e Rússia, estes animais são incomuns em outras partes do planeta. No Brasil, Pampaphoneus biccai é a única espécie conhecida.
“O fóssil foi encontrado em rochas do Permiano médio, em um local onde os ossos não são tão comuns, mas que sempre guarda gratas surpresas. Encontrar um fóssil como esse envolve sempre muito esforço. A coleta, realizada por paleontólogos da Unipampa, com a participação de pesquisadores da UFRGS e UFPI, demorou um mês de trabalhos quase diários em campo. Depois disso, por conta da pandemia, foram necessários mais três anos para a limpeza do fóssil e seu estudo completo”, comenta Mateus A. Costa Santos (Unipampa), autor principal do artigo científico.
O novo exemplar é ainda maior do que o primeiro espécime de Pampaphoneus. Por estar melhor preservado, o crânio do novo bicho foi capaz de oferecer informações inéditas sobre como era o predador. “O Pampaphoneus desempenhava o mesmo papel ecológico dos atuais grandes felinos”, explica o paleontólogo e professor da Unipampa, Felipe Pinheiro, que coordenou as pesquisas. “Tratava-se do maior predador terrestre que conhecemos para o Permiano na América do Sul. O animal possuía dentes caninos grandes e afiados, adaptados à captura de presas. Sua dentição e arquitetura do crânio nos sugere que a mordida era forte o suficiente para mastigar ossos, assim como fazem as hienas de hoje em dia”.
Embora o crânio do novo espécime, que mede quase 40cm, seja o maior já encontrado por inteiro, as pesquisas apontam que um terceiro indivíduo, descrito em 2000, pode representar um animal até 2 vezes maior que o novo achado. Entretanto, o último é conhecido apenas por um fragmento de sua mandíbula, que possui características suficientes para identificá-lo como Pampaphoneus. “Encontrar, após tanto tempo, um novo crânio de Pampaphoneus foi de extrema importância para aumentar nosso conhecimento sobre o animal, que até então era de difícil diferenciação de seus primos Russos”. Costa Santos continua: “Além de ser um pouco maior que o primeiro espécime, também percebemos que o fragmento de mandíbula descrito em 2000, pode, na verdade, ter sido o primeiro registro de Pampaphoneus. Considerando o tamanho máximo que estipulamos para a espécie, temos hoje a hipótese de que os materiais mais completos representam indivíduos ainda jovens”, diz Costa Santos.
Os pesquisadores estimam que os maiores exemplares de Pampaphoneus poderiam chegar a quase 3 metros de comprimento e pesar cerca de 400 kg. Era um predador hábil, capaz de se alimentar de animais de pequeno a médio porte. Na mesma localidade em que o fóssil foi encontrado, algumas de suas potenciais presas também já foram identificadas, como o pequeno dicinodonte Rastodon e o anfíbio gigante Konzhukovia. “O novo Pampaphoneus e todos os outros animais encontrados na região mostram o potencial do Pampa gaúcho para grandes descobertas paleontológicas. É importante que estes fósseis permaneçam depositados em instituições próximas ao local da descoberta, como é o caso da Unipampa”, relata Pinheiro. “Os fósseis, além de atrair o interesse para a Ciência, possuem um importante papel na identidade local, no turismo e na geoconservação”, finaliza o paleontólogo.
O artigo descrevendo o novo fóssil foi publicado na revista científica internacional Zoological Journal of the Linnean Society.
Texto originalmente publicado em Unipampa