Em 2015 a educação superior brasileira contava com 353.252 professores; em 2022, ano do último Censo da Educação Superior disponível, esse número caiu para 324.798. Ou seja, nos últimos oito anos, o número de professores diminuiu: há hoje, 28.454 professores a menos do que em 2015. A perda só não é maior porque o setor público teve um pequeno acréscimo de 11.110 docentes.
A diminuição de docentes não seria um problema se o número de matrículas tivesse permanecido igual ou diminuído na mesma proporção. Entretanto, o que ocorreu no período foi uma acelerada expansão do número de matrículas da graduação: de 8 para 9.4 milhões. Ou seja, acrescentamos 1.4 milhões de estudantes e retiramos quase 30 mil docentes. Detalhe: desses 1.4 milhão de estudantes acrescentados, 1.3 milhão ingressaram no setor privado ao mesmo tempo em que este setor reduzia em quase 30 mil o número de seus professores.
Isto significa dizer que em 2015 havia em média um professor para cada 22,7 alunos. Em 2022, essa relação subiu para um professor para 29,0 alunos.
A relação professor/aluno no setor público manteve-se relativamente estável em torno de 1 professor para 12 alunos; já no setor privado, a relação que já era bem mais alta em 2015, 1 para 27,3, saltou para expressivos 48 alunos por professor.
A questão torna-se ainda mais dramática quando observamos que na modalidade EAD, na qual já se encontravam, em 2022, 65% dos ingressantes, a relação no setor público é 1 professor para cada 34 alunos e, no setor privado 1 para cada 171 alunos.
Já ouço a ladainha dos inimigos da educação superior pública: “isso só vem comprovar que o setor privado é bem mais eficiente do que o setor público, pois consegue a façanha de atender mais alunos com menos gente”. Nada mais falso!
O setor privado pode até atender mais gente na graduação, mas ambas as Instituições não são nem de longe comparáveis nas suas funções. As Universidades, que compõem 60% das IES federais, são instituições de ensino, pesquisa e extensão, com mestrados acadêmicos, mestrados profissionais, doutorados acadêmicos e doutorados profissionais, com espaços para estudos avançados, com laboratórios de pesquisa, hospitais universitários, fazendas experimentais, museus, planetários, Núcleos de Estudos da Terceira Idade, Núcleos de Desenvolvimento Infantil, Fóruns de pequenas causas e um mundo de atividades de pesquisa e extensão talvez apenas imaginadas pelas pequenas Faculdades que compõem 80% das IES do setor privado.
Os dados da CAPES, não computados pelo Censo da Educação Superior do Inep, dedicado que é a coletar os dados da Graduação, indicam que tínhamos, em 2022, 325.311 estudantes matriculados na pós-graduação stricto sensu, dos quais 85% estavam em IES públicas. Podemos, portanto, dizer que os Mestrados e Doutorados, onde se produz dissertações e teses e onde, pela natureza do trabalho, a relação professor/aluno é naturalmente menor que na graduação, são essencialmente públicos, diferentemente da Graduação que tem hoje 88% das instituições e 78% das matrículas no setor privado. São, portanto, mundos muito distintos, cada um com a sua importância e cada um com a sua contribuição a dar.
O que preocupa mesmo é ver o número de docentes diminuir de forma tão drástica no setor privado no qual a educação a distância tem 1 professor para atender a 171 estudantes. Se esta proporção fosse aplicada hoje a todo o sistema de educação superior, excluídos os mestrados e doutorados, precisaríamos de apenas 55.225 docentes e não dos atuais 324.798, o que significa dizer que 269.573 teriam que procurar outro emprego.
Exagero? Talvez, mas é bom lembrar (1) que 65% dos atuais ingressantes estão no ensino superior privado e (2) que o pai dos MOOCS (Massive Open Online Courses), Sebastian Thrun, deixou a Universidade de Stanford fascinado pela possibilidade de dar aulas não para 50 ou 60 alunos numa sala de aula, mas para 160.000 estudantes. Imaginemos, por um instante, que algo semelhante, na nossa privatizada educação a distância, se repita por aqui!
A lição que Thrun nos ensina, no entanto, é que só 5 de cada 100 alunos nessas condições de ensino de fato aprendem o assunto estudado. Foi por isso que Thrun decidiu voltar à presencialidade em Stanford. Se pensamos em educação de qualidade, precisamos de políticas públicas que regulem o nosso sistema e nos digam o que é e o que não é aceitável para assegurar uma boa formação.
Temo, a julgar pelo atual ritmo de expansão da EAD no setor privado, que estejamos no Brasil ainda na fase do fascínio de principiante narrada pelo professor Thrun e que, se continuarmos no caminho que foi escancarado pela autonomia desregulatória distribuída aos quatro ventos às instituições não-universitárias e à modalidade a distância, a profissão de professor, tal qual a conhecemos, está condenada a um inexorável processo de extinção.
*Dilvo Ristoff é especialista em avaliação e doutor em literatura pela University of Southern California, nos Estados Unidos. Foi diretor de Estatísticas e Avaliação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), diretor de Educação Básica da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e diretor de Políticas e Programas da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação (SESu/MEC). Foi também reitor da Universidade Federal da Fronteira Sul. É autor e coautor de inúmeros livros, entre eles, Universidade em foco − reflexões sobre a educação superior (Editora Insular, 1999), Neo-realismo e a crise da representação (Insular, 2003) e Construindo outra educação: tendências e desafios da educação superior (Insular, 2011). Atualmente ministra aulas e orienta dissertações no Programa de Mestrado em Métodos e Gestão em Avaliação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).