UFSC – Grupo de pesquisadores alerta sobre projeto de lei que ameaça os campos nativos brasileiros

Um grupo de pesquisadores brasileiros que inclui a professora Michele de Sá Dechoum do Departamento de Ecologia e Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) assina uma carta publicada na revista Science, no último dia 11 de abril, a respeito do Projeto de Lei 364/19, aprovado em março de 2024 na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados. Segundo os pesquisadores, se aprovada, a legislação poderá deixar 48 milhões de hectares de campos nativos em todo o país desprotegidos.

O Planalto Catarinense é uma das áreas ameaçadas pelo Projeto de Lei. (Foto: Arquivo Pessoal/Michele Dechoum)

O projeto altera a Lei de Proteção da Vegetação Nativa e permite que uma área maior do que o Paraguai possa ser livremente convertida para uso agrícola, minerário ou urbano sem qualquer tipo de limitação ou autorização administrativa. Na publicação em uma das mais renomadas revistas científicas do mundo é feito um alerta sobre os riscos à biodiversidade e ao desenvolvimento sustentável caso o PL 364/19 passe pelo Senado e seja sancionado pela Presidência da República.

“A aprovação desse PL vai contra qualquer reconhecimento da relevância sociocultural, ambiental e econômica dos campos nativos do Planalto Catarinense. Os campos são importantes não só do ponto de vista de qualidade ambiental, mas também na perspectiva de geração de renda por meio do turismo e da pecuária extensiva. É fundamental que a sociedade catarinense entenda a gravidade da aprovação desse PL e se manifeste contrariamente ao mesmo,” reforça a professora Michele.

O que são os campos nativos

Os campos nativos são ecossistemas presentes em todos os biomas do país e abrigam uma grande biodiversidade comparável a florestas. Eles são de alta relevância para a sociedade, fornecendo serviços ambientais essenciais, como o sequestro de carbono, a manutenção dos ciclos das chuvas e base para o turismo rural.

Um dos biomas mais prejudicados pelo PL é o Pampa, cuja vegetação nativa é dominada por campos. O Pampa abriga 9% da riqueza biológica conhecida do Brasil, com cerca de 12.500 espécies conhecidas. Tamanha perda de área de vegetação campestre para o uso comercial, no Pampa e nos demais biomas, levaria a enormes prejuízos em biodiversidade e comprometeria o alcance de metas globais de conservação assumidas pelo país. O PL sugere que áreas de campo nativo passem a ser consideradas como áreas rurais consolidadas, ou seja, áreas de ocupação e uso humano anteriores a 2008. Os cientistas alertam na carta que essa classificação não possui fundamentação técnico-científica, já que a pecuária extensiva não causa a degradação da vegetação campestre, e sim a pecuária intensiva e o uso agrícola.

Foto: Arquivo Pessoal/Michele Dechoum)

Isso acontece porque em algumas regiões, como nos Campos Sulinos, a criação de gado é tradicionalmente feita em áreas de campo nativo, com baixa quantidade de animais por hectare (extensiva), sem alterar a vegetação com o plantio de gramíneas exóticas. Por outro lado, a criação de gado de forma intensiva, ou seja, com muitos animais por hectare, e com o plantio de gramíneas exóticas degrada o ecossistema.

“No caso dos Campos Sulinos, por exemplo, a pecuária extensiva bem manejada, conduzida nos campos nativos, não somente contribui para a conservação dos recursos naturais, mas permite também a produção de carne e de outros produtos de alta qualidade”, afirma Gerhard Overbeck, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que assina a carta como primeiro autor.

A publicação internacional, que conta com a colaboração de pesquisadores do Centro de Conhecimento em Biodiversidade, também faz críticas ao viés florestal das políticas de conservação, que ameaçam grande parte da biodiversidade do país.

“Nos últimos anos, temos visto uma perda substancial em áreas naturais justamente nos biomas não-florestais. Por exemplo, nos últimos 37 anos o Cerrado perdeu 2,9 milhões de hectares de vegetação não-florestal; o Pampa, 2,85 milhões de hectares, o que representa 30% da área original. A biodiversidade dos ecossistemas não-florestais, estão seriamente ameaçados.”, declara o pesquisador Gerhard Overbeck.

No caso do Campo Rupestre, ecossistema do Cerrado, a aprovação do PL aumentaria a ameaça de perda de todo o ecossistema – que já está na lista vermelha de ecossistemas ameaçados, principalmente por atividades de mineração e por espécies exóticas.

No Cerrado, a pecuária extensiva ocorre como parte do processo de garantia de ocupação de terras, em um ciclo vicioso de degradação. Mesmo áreas menos degradadas, que mantêm várias características dos ecossistemas nativos, poderiam ser utilizadas como áreas rurais consolidadas, sem controle dos órgãos de fiscalização.”, afirma Geraldo Fernandes, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Fonte: UFSC