Andifes discute papel estratégico das universidades federais para o País e o financiamento estável para que as instituições possam cumprir a sua função

O papel estratégico das universidades federais para o Brasil foi tema de seminário realizado pela, na quarta-feira, 22 de maio, na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com a participação de reitores e reitoras de todas as instituições do País e de palestrantes convidados.

Conselho Pleno da Andifes destaca papel estratégico das universidades federais para o País – crédito: Divulgação

Em razão da tragédia climática no Rio Grande do Sul, dificultando a logística local, a abertura do seminário foi marcada pela participação remota de reitores e de especialistas da área do clima da região Sul do País, que discutiram a importância da ciência para o enfrentamento dos eventos climáticos extremos. Eles apresentaram uma proposta de criação de um centro de prevenção e mitigação dos impactos das mudanças climáticas no País, formado pelas universidades federais. Desde o início das enchentes, em 30 de abril, as instituições têm fornecido serviços climáticos para Defesa Civil e prefeituras, além do apoio emergencial aos desabrigados.

Reitores e especialistas da área do clima do Sul do País apresentam proposta de criação de um centro de prevenção e mitigação dos impactos das mudanças climáticas no País – crédito: Divulgação

A primeira mesa do seminário foi mediada pela reitora Isabela Fernandes Andrade (UFPEL), sob o tema “a importância da ciência e das universidades federais para o enfrentamento dos eventos climáticos extremos: o exemplo da tragédia do Rio Grande do Sul”. Participaram desse debate o reitor Carlos André Bulhões Mendes (UFRGS), especialista em Planejamento de Recursos Hídricos, a professora Elisa Helena Leão Fernandes (FURG), doutora em Ciência Marinha e coordenadora científica do Programa de Monitoramento Ambiental Continuado do Porto do Rio Grande (RS), e o físico Vagner Anabor (UFSM), pesquisador em Meteorologia.

A reitora Isabela apresentou um panorama crítico do Rio Grande do Sul, mostrando a situação de algumas regiões, com a de Porto Alegre, ainda bastante complicada, com vários pontos alagados, e ainda sob expectativa de chuvas intensas na região Sul do estado, sobretudo em Pelotas e em Rio Grande. “Esperamos que essa fase seja superada e que o estado seja reconstruído com ajuda da ciência. A união entre as universidades é extremamente importante na busca de soluções para reconstrução do estado e, igualmente, para ajudar todo o Brasil”, avalia a mediadora da mesa.

O reitor Carlos André Bulhões Mendes (UFRGS) apresentou um vídeo em que mostra os impactos das enchentes em vários pontos onde a bacia hidrográfica do Guaíba abrange – 251 municípios, incluindo a capital Porto Alegre.

Bulhões afirma que a situação do estado vem se resolvendo em etapas, priorizando o salvamento de vidas, situação que foi abraçada pela comunidade universitária. O segundo passo deverá ser a reconstrução do estado que, necessariamente, dependerá do conhecimento das universidades federais.

“O segundo momento é a reconstrução do estado e já alertei que essa reconstrução não pode ser a mesma dos últimos 50 anos, porque os parâmetros mudaram. Nesse caso, precisamos mudar a cultura de prevenção. O que existe hoje é uma reação, em que a gente reage quando têm as confusões”, disse.

O reitor considera fundamental que as universidades federais trabalhem em rede e participem da reconstrução do estado. “Tenho absoluta convicção de que uma andorinha sozinha não faz verão e que precisamos trabalhar em rede pensando no Estado. A situação atual envolve conhecimento de todas as nossas universidades e não uma competição”.  

A especialista em Ciência Marinha, Elisa Helena Leão Fernandes (FURG), coordenadora científica do Programa de Monitoramento Ambiental Continuado do Porto do Rio Grande (RS), ao elogiar o tema do debate – o papel estratégico das universidades federais – lembrou que o comitê de Avaliação e Prognóstico de eventos extremos da FURG, criado em novembro de 2023, vem ajudando a instituição na tomada de decisões. O órgão conta com pesquisadores de diferentes especialidades, dando à FURG a capacidade de abordar de forma multidisciplinar e abrangente os desafios relacionados aos eventos climáticos extremos, segundo disse.

“Esse comitê nos possibilitou antecipar a resposta ambiental frente às condições de descarga dos tributários no norte da Lagoa dos Patos e de ventos esperadas para região. Com isso, conseguimos gerar alertas para população e simular as condições de alagamento de diferentes regiões nas cidades do Rio Grande. Nos auxiliou ainda a compartilhar essas informações com as Prefeituras e Defesa Civil das cidades prejudicadas”, informou Elisa.

Além disso, a reitora diz que o comitê facilitou a integração positiva com outras instituições da região sul (UFPEL, IPH/UFRGS, ALM), essencial para a condução das ações emergenciais com sucesso. “É gratificante, no atual momento de tristeza, conseguir que a universidade exerça esse papel tão importante para comunidade”, acrescentou.

O físico Vagner Anabor (UFSM),pesquisador em Meteorologia, atribuiu a tragédia do Rio Grande do Sul às mudanças do clima e lembrou que as crises climáticas enfrentadas pelo estado, como o furacão Catarina em 2024, tornou o Rio Grande do Sul o maior formador de recursos humanos na área de meteorologia na América Latina, sobretudo pelos esforços da UFSM e UFPel.

“Esses profissionais se encontram trabalhando em todo o país e no exterior. Fundaram e atuam os sistemas regionais de meteorologia da Amazônia, Ceará, Santa Catarina e Paraná; são a força da mão de obra para o CEMADEN e o CPETEC, mas, infelizmente, as lideranças regionais nunca se mobilizaram para a criação de um Centro Regional de Tempo e Clima no RS”, disse.

Nesse caso, o físico recomendou a criação de um Centro Brasileiro de Pesquisas e Estudos em Tempestades Severas CBP-TS, utilizando o potencial humano do INPE e da UFSM na área de previsão de tempo severo, eventos meteorológicos extremos e mudanças climáticas. A intenção é, por exemplo, estabelecer cooperação sincronizada com estados brasileiros e países vizinhos, fornecendo subsídios técnicos, além das previsões de diversos fenômenos meteorológicos, para apoiar a gestão de políticas públicas de Estado.

“Precisamos implantar as diretrizes nacionais Brasileiras para Nowcasting (previsão de curtíssimo prazo). Para tempestades que produzem chuva muito intensa, ventos locais com potencial destrutivo, granizos e até tornados”, disse.

A presidente da Andifes, a reitora Márcia Abrahão Moura (UnB), do lado da plateia, adiantou que uma parte dessa proposta, que ainda está em construção, já foi apresentada ao ministro da Educação, Camilo Santana, e ao titular da SESU, Alexandre Brasil. A pretensão é de enviá-la também ao MCTI e MMA.

Modelos de financiamento para as universidades federais brasileiras

Palestrantes apresentam alternativas de financiamento estável para as universidades federais – crédito: Divulgação

A segunda mesa do seminário reuniu convidados para discutir modelos de financiamento permanente garantindo que as universidades federais brasileiras possam cumprir o seu papel estratégico em benefício de toda a sociedade brasileira com o necessário planejamento. O debate, mediado pela reitora Ana Beatriz de Oliveira (UFSCar), teve como palestrantes os professores Marcus Vinicius David (UFJF), ex-presidente da Andifes, e o professor Fernando Sarti (Unicamp), pró-Reitor de Desenvolvimento Universitário.

A reitora Ana Beatriz de Oliveira (UFSCar) destacou a importância de um modelo de financiamento permanente para que as instituições possam ajudar mais a sociedade e acrescentou que a luta para garantir o financiamento demanda muito tempo e desgaste.

Marcus Vinicius David apresenta alternativa de financiamento adicional para as universidades federais – crédito: Divulgação

Ex-presidente da Andifes, Marcus Vinicius David, que foi reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), falou sobre o arrocho fiscal em andamento e defendeu um percentual do orçamento de investimento mínimo de O,6% do PIB, o equivalente a cerca de R$ 70 bilhões, previstos no arcabouço fiscal. Ou seja, a proposta é pleitear um percentual dessa rubrica para adicionar ao atual orçamento das universidades federais.

 Especialista em Economia, Fernando Sarti (Unicamp), falou sobre o modelo de autonomia orçamentária da USP, UNESP e Unicamp, cujo orçamento é vinculado a um percentual (9,57%) do ICMS desde de 1989, o equivalente a R$ 15 bilhões anuais. Por outro lado, o financiamento permanente das universidades paulistas assegura uma receita anual da ordem de R$ 30 bilhões anuais, praticamente o dobro do investimento, provenientes de convênios realizados.

Fernando Sarti destaca modelo de financiamento permanente das universidades de São Paulo – crédito: Divulgação

Apesar dessa garantia orçamentária, o especialista observa que essa autonomia está sob risco o tempo todo. “Há uma visão distorcida sobre a importância da universidade pública, da ciência e da inovação”, alertou. 

Mesmo assim, o especialista da Unicamp considera fundamental a autonomia financeira e do orçamento vinculado para o bom funcionamento das instituições. Entre os benefícios desse modelo, ele destaca maior independência e redução de conflitos com os poderes Executivo e Legislativo, mas não necessariamente com os órgãos de controle (como o Ministério Público). Maior interação entre autonomia financeira e autonomia administrativa e didático-científica, além da autonomia para o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (CRUESP) e os órgãos e instâncias universitárias no planejamento de médio e longo prazos e na gestão das atividades de ensino, pesquisa e extensão.

Por fim, Fernando Sarti destacou os desafios para consolidação desse modelo e apontou como caminho o fortalecimento das pontes com toda a sociedade brasileira mostrando a importância das universidades em busca de soluções para aumentar a qualidade de vida da população.