IFBA participa de campanha em defesa do Rio São Francisco

O Dia Nacional em Defesa do Rio São Francisco foi celebrado na segunda-feira (3). O ‘Velho Chico’, como é popularmente conhecido o Rio São Francisco, passa pelas regiões Nordeste e Sudeste do país e se estende por mais de 500 municípios brasileiros. A bacia hidrográfica do Rio tem uma extensão de 2,863 km e uma área de drenagem de mais de 639.219 km². Ela se estende desde Minas Gerais, onde o rio nasce, na Serra da Canastra, até o Oceano Atlântico, onde deságua, na divisa dos estados de Alagoas e de Sergipe.

Rio S. Francisco – imagem: Acervo da pesquisa do IFBA

Diante da atual situação do Rio, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), idealizou a campanha “Eu viro carranca para defender o Velho Chico” para promover debates sobre a importância de preservar a bacia, que abrange 8% do território nacional. Engajado na campanha, o grupo de pesquisa “Terra&Mar – Estudos da Interface Litorânea – Agrária” do campus Salvador do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA) vai realizar uma oficina de mapeamento e instrução no Laboratório de Geografia Física, de forma simultânea ao evento “Vire Carranca”.

O pesquisador do campus Salvador, Plínio Falcão, líder do grupo, explica que a atividade será “para [re]conhecimento de questões ambientais críticas ao longo da bacia do São Francisco. A nossa meta é divulgar junto ao movimento #virecarranca do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF) que estamos juntos na luta pelas ações em prol da revitalização”, comenta. 

Eles têm participado também da campanha “Vire Carranca” no Instagram, com o tema “Velho Chico. Revitalizar o Rio, preservar riquezas”. O objetivo é destacar a revitalização do Rio São Francisco (RSF), reconhecendo sua importância para a sustentabilidade ambiental, econômica e social de vastas regiões do Brasil.

Sobre a atual situação do São Francisco, Plínio classifica como preocupante “O São Francisco é o rio da Integração Nacional e a sua bacia, dotada de enorme diversidade, natural e cultural, sofre os impactos de todos os processos antropogênicos relacionados aos usos do território e suas múltiplas formas de ocupação. Isso, ao longo do tempo, vem trazendo uma série de impactos ao rio, que passou por processos de transposição e canais, mas que não foi cuidado o suficiente a partir de uma pauta importante de revitalização, lutada e defendida pelo CBHSF (Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco)”.

O pesquisador explica que as repercussões das mudanças climáticas no rio vêm ocorrendo em diferentes cenários, a exemplo das alterações na vazão e nas mudanças nos padrões de chuva nas nascentes e nos afluentes da bacia como um todo.

“Mas, como de praxe, existe a burocracia e ausência de priorização político-institucional brasileira que torna a ordem do dia sempre complexa no que se refere ao avanço dessa pauta. O fato é que se não revitalizar, o rio poderá morrer. E o que se pergunta é: o que fará a natureza como resposta? O que farão as milhares de pessoas, a fauna, a flora, nos cinco Estados banhados pelo rio (Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe) que dependem da sua vitalidade? Como se dará a dinâmica dos diversos ecossistemas associados? Não são perguntas de ficção científica ou teorias de conspiração; elas são fundamentadas em realidades preditivas e, em muito, já diagnosticadas pela Ciência e de conhecimento do próprio Estado brasileiro e pelos quais o rio passa. O que se precisa é ação imediata”, alerta o cientista. 

ENTREVISTAPlínio Martins Falcão

“Todos nós estamos sujeitos aos impactos de eventos extremos decorrentes das mudanças climáticas, a exemplo do que acabou de ocorrer no Rio Grande do Sul”

O Rio Grande do Sul está sob chuvas e cheias históricas há mais de um mês. Os temporais que atingiram o estado inundaram pontos simbólicos, destruíram pontes e rodovias, deixaram mais de 160 mortos e expulsaram de casa mais de meio milhão de gaúchos/as. As imagens da devastação e histórias de esperança comoveram o país nestes pouco mais de 30 dias. As mudanças climáticas têm sido apontadas como a principal causa das cheias. Para saber mais sobre o atual momento e que tipo de impacto as mudanças climáticas podem provocar em nossa região convidamos o pesquisador do IFBA – Campus Salvador Plínio Martins Falcão. 

Pesquisador do campus Salvador, Plínio Falcão – imagem: Divulgação

Professor de hidrografia, oceanografia e climatologia da licenciatura em geografia do campus, Plínio é doutor em geografia pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialista em desenho urbano e ambiental e graduado em geografia pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). No IFBA, é líder e pesquisador do Terra&Mar, grupo que desenvolve projetos de pesquisa e inovação nas áreas de geomorfologia costeira, geografia costeira, poluição marinha e costeira, efeitos das mudanças climáticas em áreas costeiras e sistemas fluviais.

Página do campus Salvador – Professor Plínio, a tragédia que está ocorrendo no Rio Grande do Sul parece ter ligado o sinal de alerta para as questões ambientais em nosso país. O senhor acredita que a opinião pública vai passar a ver as políticas ambientais com o mesmo peso dos outros assuntos que nos preocupam no dia a dia como segurança e emprego, por exemplo?

Plínio Martins Falcão – Eu espero, realmente, que este sinal de alerta tenha sido ligado, principalmente por parte das autoridades que respondem pelas ações políticas no Brasil. Não me refiro nem ao ambiente das instituições técnicas e científicas, porque elas já compreendem esse repertório e necessidades quanto aos trabalhos que realizam, mas precisam de uma articulação muito maior envolvendo os agentes das políticas públicas e a sociedade civil.

Indiscutivelmente, um evento como o que ocorreu no Rio Grande do Sul nas últimas semanas fica marcado na memória das pessoas por sua condição trágica, pelas gerações que acompanharam o ocorrido. Tragédias como rompimentos de barragens (a exemplo das de Brumadinho e Mariana), assim como grandes inundações, costumam ser muito marcantes nas pessoas por um longo período, dado ao foco das comunicações sobre elas.

Grupo de pesquisa participa de campanha em defesa do Rio São Francisco

O Dia Nacional em Defesa do Rio São Francisco é celebrado nesta segunda-feira (3). O ‘Velho Chico’, como é popularmente conhecido o Rio São Francisco, passa pelas regiões Nordeste e Sudeste do país e se estende por mais de 500 municípios brasileiros. A bacia hidrográfica do Rio tem uma extensão de 2,863 km e uma área de drenagem de mais de 639.219 km². Ela se estende desde Minas Gerais, onde o rio nasce, na Serra da Canastra, até o Oceano Atlântico, onde deságua, na divisa dos estados de Alagoas e de Sergipe.

Diante da atual situação do Rio, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), idealizou a campanha “Eu viro carranca para defender o Velho Chico” para promover debates sobre a importância de preservar a bacia, que abrange 8% do território nacional. Engajado na campanha, o grupo de pesquisa “Terra&Mar – Estudos da Interface Litorânea – Agrária” do campus Salvador do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA) vai realizar uma oficina de mapeamento e instrução no Laboratório de Geografia Física, de forma simultânea ao evento “Vire Carranca”.

O pesquisador do campus Salvador, Plínio Falcão, líder do grupo, explica que a atividade será “para [re]conhecimento de questões ambientais críticas ao longo da bacia do São Francisco. A nossa meta é divulgar junto ao movimento #virecarranca do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF) que estamos juntos na luta pelas ações em prol da revitalização”, comenta. 

Eles têm participado também da campanha “Vire Carranca” no Instagram, com o tema “Velho Chico. Revitalizar o Rio, preservar riquezas”. O objetivo é destacar a revitalização do Rio São Francisco (RSF), reconhecendo sua importância para a sustentabilidade ambiental, econômica e social de vastas regiões do Brasil.

Sobre a atual situação do São Francisco, Plínio classifica como preocupante “O São Francisco é o rio da Integração Nacional e a sua bacia, dotada de enorme diversidade, natural e cultural, sofre os impactos de todos os processos antropogênicos relacionados aos usos do território e suas múltiplas formas de ocupação. Isso, ao longo do tempo, vem trazendo uma série de impactos ao rio, que passou por processos de transposição e canais, mas que não foi cuidado o suficiente a partir de uma pauta importante de revitalização, lutada e defendida pelo CBHSF (Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco)”.

O pesquisador explica que as repercussões das mudanças climáticas no rio vêm ocorrendo em diferentes cenários, a exemplo das alterações na vazão e nas mudanças nos padrões de chuva nas nascentes e nos afluentes da bacia como um todo.

“Mas, como de praxe, existe a burocracia e ausência de priorização político-institucional brasileira que torna a ordem do dia sempre complexa no que se refere ao avanço dessa pauta. O fato é que se não revitalizar, o rio poderá morrer. E o que se pergunta é: o que fará a natureza como resposta? O que farão as milhares de pessoas, a fauna, a flora, nos cinco Estados banhados pelo rio (Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe) que dependem da sua vitalidade? Como se dará a dinâmica dos diversos ecossistemas associados? Não são perguntas de ficção científica ou teorias de conspiração; elas são fundamentadas em realidades preditivas e, em muito, já diagnosticadas pela Ciência e de conhecimento do próprio Estado brasileiro e pelos quais o rio passa. O que se precisa é ação imediata”, alerta o cientista. 

Mais informações: https://virecarranca.com.br/ plinio@ifba.edu.br / terraemar@ifba.edu.br

ENTREVISTA

“Todos nós estamos sujeitos aos impactos de eventos extremos decorrentes das mudanças climáticas, a exemplo do que acabou de ocorrer no Rio Grande do Sul”

Plínio Martins Falcão

O Rio Grande do Sul está sob chuvas e cheias históricas há mais de um mês. Os temporais que atingiram o estado inundaram pontos simbólicos, destruíram pontes e rodovias, deixaram mais de 160 mortos e expulsaram de casa mais de meio milhão de gaúchos/as. As imagens da devastação e histórias de esperança comoveram o país nestes pouco mais de 30 dias. As mudanças climáticas têm sido apontadas como a principal causa das cheias. Para saber mais sobre o atual momento e que tipo de impacto as mudanças climáticas podem provocar em nossa região convidamos o pesquisador do IFBA – Campus Salvador Plínio Martins Falcão. 

Professor de hidrografia, oceanografia e climatologia da licenciatura em geografia do campus, Plínio é doutor em geografia pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialista em desenho urbano e ambiental e graduado em geografia pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). No IFBA, é líder e pesquisador do Terra&Mar, grupo que desenvolve projetos de pesquisa e inovação nas áreas de geomorfologia costeira, geografia costeira, poluição marinha e costeira, efeitos das mudanças climáticas em áreas costeiras e sistemas fluviais.

Página do campus Salvador – Professor Plínio, a tragédia que está ocorrendo no Rio Grande do Sul parece ter ligado o sinal de alerta para as questões ambientais em nosso país. O senhor acredita que a opinião pública vai passar a ver as políticas ambientais com o mesmo peso dos outros assuntos que nos preocupam no dia a dia como segurança e emprego, por exemplo?

Plínio Martins Falcão – Eu espero, realmente, que este sinal de alerta tenha sido ligado, principalmente por parte das autoridades que respondem pelas ações políticas no Brasil. Não me refiro nem ao ambiente das instituições técnicas e científicas, porque elas já compreendem esse repertório e necessidades quanto aos trabalhos que realizam, mas precisam de uma articulação muito maior envolvendo os agentes das políticas públicas e a sociedade civil.

Indiscutivelmente, um evento como o que ocorreu no Rio Grande do Sul nas últimas semanas fica marcado na memória das pessoas por sua condição trágica, pelas gerações que acompanharam o ocorrido. Tragédias como rompimentos de barragens (a exemplo das de Brumadinho e Mariana), assim como grandes inundações, costumam ser muito marcantes nas pessoas por um longo período, dado ao foco das comunicações sobre elas.

Isso demonstra profundo e preocupante desconhecimento de valor técnico por parte de uma autoridade parlamentar, tratando questões específicas de modo superficial. [Imprensa noticiou recentemente que um vereador do RS afirmou em discurso que o “peso das árvores” causa deslizamento e que vai propor uma lei que visa derrubar árvores e mata nativa para “evitar desastres”] Lamentavelmente, isso é fruto de uma sociedade de desinformação e propagação de notícias falsas, grande parte difundidas a partir de correntes negacionistas.

É importante salientar que vegetação nativa não causa problemas, porque ela possui o seu ciclo. Entretanto, algumas espécies não são indicadas para plantio em áreas íngremes x instáveis, que, do ponto de vista geomorfológico, já tem sido alterada pelo homem. Isso porque são plantas que absorvem água rapidamente, devido a sua estrutura, e podem contribuir para manter a área sempre úmida, em termos de camada superficial do solo, podendo ser um problema. É o exemplo das bananeiras, cujo tronco acumula bastante. Mas é necessário estudo técnico para todas as áreas, a partir de suas especificidades”. 

Plínio Martins Falcão, professor da licenciatura em Geografia do campus Salvador, doutor em Geografia pela USP, e líder do grupo de pesquisa

Mas a diferença é que, agora, os eventos de grandes inundações atrelam-se, também, ao cenário das transformações ambientais sob a lógica das mudanças climáticas influenciadas pelas ações antropogênicas. Isso porque mudanças no clima são naturais, balizadoras da dinâmica natural do planeta, que aconteceriam independente da existência humana.

Ocorre que as ações humanas vêm pressionando e dando celeridade a esse processo devido às alterações promovidas pela emissão de gases poluentes que tem promovido aumento das temperaturas, acelerando as mudanças mencionadas. E um dos efeitos dessa sistemática é a intensificação dos eventos extremos, a exemplo de formação de sistemas meteorológicos de grande porte, tempestades, secas e fortes interações oceanográficas.

Sendo assim, o que se pauta agora é uma população afetada em sua história e em suas memórias, para além de uma crise climática global instalada. Daí surge uma questão: será que apenas a memória social e coletiva de um evento, de um ou mais desastres, é suficiente para fazer com que essa opinião pública esteja fortalecida no sentido de trazer esse assunto a uma pauta de relevância?

Os temas passam a ser observados por muitos com mais atenção. Mas a sociedade ainda possui um grande inimigo para esse cenário, que é o negacionismo científico, que se sustenta a partir da disseminação de informações falsas ou incorretas. Isso nos leva a pensar que a opinião pública terá melhor visão quando conhecimento e alinhamento de ações públicas frente a essas crises passarem a fundamentar objetivos prioritários para temas tão caros à natureza e às populações.

PCS – Como cientista, de que forma o senhor vê a paisagem atual de Salvador e que tipo de mudanças vamos precisar encarar para não sentir as consequências das mudanças climáticas?

PMF – É importante recordar que estamos nos referindo à cidade mais antiga do Brasil, a sua primeira capital, que foi planejada e erguida intramuros por estratégia de defesa, como sede da Coroa Portuguesa, fundada em 1549. Isso diz muito, porque além da sua idade, ela passou por uma expansão e planejamento muito complexos, o que somado aos seus atributos físico-naturais, resultou numa paisagem atual diversificada, bonita, porém, de muita complexidade.

A essa altura não há como não sentir as consequências das mudanças que já apresentam um cenário de crise climática, porque ela já está aí. Todavia, uma opção é muito clara: reduzir a celeridade do processo e aumento das condições que a provocam. Bom, as predições a partir dos dados científicos estão sinalizando, há tempos, que a falta de mudança das estruturas poderá ampliar as complicações deste cenário.

A agenda global estabelece acordos e princípios a serem seguidos e as políticas públicas que fomentem planos de adaptação e mitigação aos efeitos das mudanças, são um dos principais caminhos a serem tomados. A cidade de Salvador possui alguns programas, bem como se comprometeu, em 2019, com a construção de uma agenda em prol dessas questões. Mas até onde conheço, esses trabalhos vêm sendo realizados com pouca divulgação e adesão da sociedade civil e isso é um grande complicador.

Complica porque o tema precisa ser conhecido pelas pessoas, a fim de que elas compreendam a importância dos planos de adaptação. Construir uma agenda pura torna a sua eficácia restritiva. E em se tratando da capital baiana, no auge dos seus mais de 2,5 milhões de habitantes, vale assinalar que, por volta das duas últimas décadas, grandes obras de infraestrutura que vem sendo realizadas não parecem, nem de longe, ter qualquer adesão com as condições climáticas e hidrológicas da cidade.

Salvador possui inúmeras situações complexas decorrentes da forma como cresceu e vem se expandindo. É inegável que existe um foco do poder público no que tange às áreas de encostas (ainda que muito precise ser feito), mas e as climáticas? E as hidrológicas? A questão dos resíduos sólidos parece ser um tabu… esforço zero para um grande programa de implementação de coleta seletiva, isso é bastante claro. Uma lógica inapropriada de desarborização e descuido com áreas verdes. Os rios urbanos cada vez mais apertados em canais e tamponados, sendo que água tem vontade própria, o que sempre falo para os meus alunos. Esse é o nosso cenário. Essa conversa é longa.

PCS – O senhor está engajado numa campanha pela revitalização do Rio São Francisco. Qual a importância de revitalizar não só o São Francisco, mas os rios em geral que passam por problemas e o quanto eles são relevantes para o equilíbrio ambiental?

PMF – O rio é o componente mais importante de uma bacia hidrográfica e um dos principais agentes naturais do ciclo hidrológico, o que justifica a sua relevância no equilíbrio ambiental. A vegetação é um desses componentes mais beneficiados. Sendo bem sucinto, perceba que esses dois elementos (bacias e vegetação) contribuem de forma direta para a manutenção da natureza como um todo e são fundamentais no controle dinâmico natural do clima. Logo, conclui-se que impactos sobre esses sistemas, em quaisquer escalas, vão repercutir no clima e suas condições.

Problemas nos rios são muito mais comuns do que imaginamos. A humanidade, desde o seu princípio, se estabeleceu em locais próximos a fontes de água. As planícies fluviais foram as áreas mais escolhidas, devido à presença dos rios (dessedentação humana e animal, fertilidade de terras e transporte são alguns exemplos). Esse comportamento norteou os processos de ocupação humana e esse movimento foi comum em todo o mundo. A grande questão situa-se em como essa ocupação cresceu e evoluiu com relação aos usos e os impactos ali atribuídos. E aí surgem os problemas nos rios.

O Brasil não estaria fora dessa cena, pelo contrário! É o território com maior concentração de bacias fluviais do mundo e a sua formação territorial seguiu bastante essa lógica: proximidade com o oceano e os rios. Até mesmo pela extensão, como em alguns casos, os rios funcionavam como rotas de chegada ao oceano, para a logística mais ampla. Numa escala histórica, os rios acumularam muitos problemas (perda de vegetação ciliar, assoreamento e poluição de diversos níveis são alguns exemplos), cuja ação mais apropriada para minimização seria a revitalização. Mas essa alternativa, embora próspera, possui custo elevado e demanda engajamento de todos os setores e agentes da sociedade.

Revitalizar o Rio São Francisco é a melhor alternativa para o cenário o qual o rio se encontra, que não difere de tudo o que já foi aqui mencionado, para além de outras questões tão graves. Um exemplo dessas seria a alteração na vazão hidrológica, devido às mudanças no regime de chuvas na área da bacia, o que já emerge da sobrecarga dos efeitos das mudanças climáticas. A revitalização do São Francisco vem sendo clamada por ele mesmo, em seu comportamento e diagnóstico. E deve ser uma ação prioritária de interesse do Brasil, uma vez que é o rio da Integração Nacional, banhando 5 Estados (MG, BA, PE, AL e SE), além de GO e DF estarem integrados a sua bacia.

Essa realidade suscitou uma grande campanha anual promovida pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), a “Vire Carranca. Eu viro Carranca para defender o Velho Chico”. Ela visa chamar atenção para a necessidade de preservação e conservação do Rio São Francisco e sua bacia, com forte engajamento social no sentido de tornar conhecidas as ações do comitê, os projetos de sustentabilidade e uma maneira de demonstrar para a sociedade que a revitalização é indispensável e deve ser tratada com a prioridade necessária. Este ano de 2024 ela se encontra em sua 11ª edição e nós, do grupo de pesquisa Terra&Mar (IFBA/CNPq) nos engajamos para sua divulgação e uma atividade que pretendemos fazer em 03 de junho, que é o Dia Nacional em Defesa do Rio São Francisco.  

PCS – A imprensa noticiou recentemente que um vereador do RS em discurso afirmou que o “peso das árvores” causa deslizamento e que vai propor uma lei que visa derrubar árvores e mata nativa no município para “evitar desastres”. Todo/a cidadão/ã que não faltou às aulas de Geografia sabe que é exatamente o contrário. Que tipo de estratégia é preciso construir para fortalecer a educação e formação e evitar que as pessoas caiam nesse tipo de desinformação?

PMF – Isso demonstra profundo e preocupante desconhecimento de valor técnico por parte de uma autoridade parlamentar, tratando questões específicas de modo superficial. Lamentavelmente, isso é fruto de uma sociedade de desinformação e propagação de notícias falsas, grande parte difundidas a partir de correntes negacionistas.

Mas é importante salientar que vegetação nativa não causa problemas, porque ela possui o seu ciclo. Entretanto, algumas espécies não são indicadas para plantio em áreas íngremes x instáveis, que, do ponto de vista geomorfológico, já tem sido alterada pelo homem. Isso porque são plantas que absorvem água rapidamente, devido a sua estrutura, e podem contribuir para manter a área sempre úmida, em termos de camada superficial do solo, podendo ser um problema. É o exemplo das bananeiras, cujo tronco acumula bastante. Mas é necessário estudo técnico para todas as áreas, a partir de suas especificidades.

Mas a questão em torno da estratégia para educação e formação, o caminho é longo. Mas posso exemplificar aqui dois pontos que considero interessantes: educação científica e divulgação científica. A primeira tende a estimular um processo de ensino-aprendizagem mais centrado, exemplificado, em práticas científicas e de iniciação ao pensamento. E esse trabalho pode ser bem realizado com todas as matérias escolares, cada uma em seu campo e em interação, favorecendo atividades interdisciplinares. O foco aí é valorizar as ciências, todas elas.

O segundo caminho seria a apresentação, ainda na vida estudantil, das realidades tratadas a partir da divulgação científica, que tem como objetivo trazer o conhecimento das ciências de uma forma mais objetiva, com linguagem mais clara e palatável, para a sociedade em geral. Ou seja, trabalhar uma educação científica norteada por métodos, mas também valorizando o conhecimento e os saberes tradicionais num rico diálogo. E utilizar exemplos da divulgação científica pode ser um modelo muito valioso (obviamente adaptado a cada realidade) de estimular um futuro melhor nesse campo das percepções e concepções, tanto individuais quanto coletivas.

PCS – Qual o papel da instituição Escola na formação de cidadãos/ãs ambientalmente conscientes?

PMF – O papel de acolher, conhecer a realidade dos seus discentes e apresentá-los ao universo do conhecimento e suas vias de aquisição e operacionalidade. Digo isso porque na diversidade do ambiente escolar temos povos e culturas de diferentes origens e o modo como as questões ambientais serão tratadas precisa ser tocante a todos que ali estão. Escola é um espaço não apenas de produção de conhecimento, mas de convergência de memórias, social e coletiva, o que sempre estou chamando atenção dos estudantes da Licenciatura em Geografia.

Por possuir essas características, cada estudante ali precisa compreender essas questões ambientais a partir de seus mundos e olhares, para conseguir alçar um olhar mais reflexivo sobre os amplos cenários. Por exemplo, uma criança ou adolescente que vive no Semiárido precisa compreender por que o Bioma que lhe cerca é tão importante e como ele é adaptado a esse clima, para entender que alguns anos mais secos e quentes que lhes afetam em vários aspectos, podem resultar de anomalias de ampla escala, a exemplo dos efeitos das mudanças climáticas.

Essa noção é construída a partir do raciocínio de escala, espacial e temporal, cuja matéria de Geografia possui uma contribuição crucial, quando se trata das questões ambientais. Por isso a Escola possui papel tão importante nessa formação, porque é o lugar de chegada, aproximação e aprimoramento dessas observações, em toda a sua diversidade científica e pedagógica.  

PCS – Se nada fosse feito ou não for feito em ações da sociedade e do poder público, como seria ou será a nossa vida no futuro aqui na Bahia, por exemplo, ou no país como um todo?

PMF – A crise climática é um problema grave, de escala global. Todos nós estamos sujeitos aos impactos de eventos extremos decorrentes das mudanças climáticas, a exemplo do que acabou de ocorrer no Rio Grande do Sul. O que variará será o grau de vulnerabilidade de cada lugar, conforme as condições de ocupação e uso associadas com a fisiografia, trazendo diferentes efeitos sobre as paisagens.

A Bahia é um Estado cuja extensão territorial é maior do que muitos países do mundo e isso nos agrega a uma diversidade natural ampla, com múltiplas formas de ocupação e uso do espaço. Logo, aqui existem diferentes condições para efeitos e situações problemáticas, sobretudo na capital e sua Região Metropolitana, onde o adensamento é maior. Além disso, maior pressão sobre a faixa litorânea, com muitos municípios cuja sede se expandiu a partir de planícies de inundação de rios que, aparentemente, “não ofertam riscos”. O desmatamento avançando sobre os biomas e áreas de desertificação já mapeadas.

Refletindo sobre essa estrutura, voltamos à pergunta sobre o futuro, tanto na Bahia quanto no Brasil, se nada for feito. A resposta: mais desastres e mais tragédias sobre as áreas ocupadas, afetando a todos, mas certamente com maior peso sobre a população mais pobre e mais excluída, que normalmente se adensa nas áreas de maior risco. Mas vale lembrar que todos são gravemente afetados, afinal, sistemas de esgotamento são destruídos, afetando sistemas de água potável, gerando desabastecimento, impactos logísticos, inflação de alimentos, impactos econômicos severos etc.

Nesse caso, há uma concepção muito simples aí: a opção. Agir ou ignorar? Adaptar ou esquecer? Esse ano (2024) temos eleições municipais em nosso país. Quais candidatas/candidatos aos cargos de vereança e prefeitura dos municípios brasileiros, do nosso Estado, estarão – em seus planos de campanha – demonstrando preocupações ou apontando proposições para as questões ambientais, chamando a atenção para o debate e o lugar de importância de temas como mudanças climáticas e crise hídrica, por exemplo? No momento, essa já é uma oportunidade de cobrar!

PCS – Se o senhor pudesse conversar diretamente com o/a cidadão/ã em geral para aconselhar algumas mudanças de hábitos em prol do meio ambiente, que tipo de dicas daria para evitarmos tragédias e catástrofes ambientais? 

PMF – Não quero ser reducionista, mas para o momento que estamos vivendo, eu sintetizaria isso em algumas perguntas / frases: “Em relação a sua infância e onde você mora, hoje faz mais ou menos calor? Chove mais ou chove menos? Por que você acha que isso acontece?”; “Quando você receber mensagens sobre esses assuntos do meio ambiente, busque conversar com outras pessoas. Procure uma Professora ou Professor para falar sobre o assunto. Ouça diferentes notícias na TV. Se tiver possibilidade, use um tempinho e faça pesquisas na internet. Não se informe apenas por uma mensagem ou duas que você recebe ou vê de redes sociais.”; “Não desista da Educação.”; “Acredite na Ciência”.

Fonte: IFBA