Trabalho de pesquisadores da UFRJ, UFPE, UFPA, UFMS e Fiocruz propõe intervenção social para enfrentar disseminação de informações falsas
Pesquisadores das universidades federais do Rio de Janeiro (UFRJ), de Pernambuco (UFPE), Pará (UFPA), do Mato Grosso do Sul (UFMS) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) desenvolveram um projeto para combater a desinformação sobre as medidas de saúde pública implementadas durante a pandemia, como o isolamento vertical, uso de máscaras e vacinação. Coordenado pelo professor Paulo Roberto Gibaldi Vaz, da UFRJ, o projeto “Obstáculos à comunicação de risco na pandemia de Covid-19: infodemia, desinformação, algoritmos e desconfiança em contextos de polarização políticas e de crise dos sistemas peritos” foi um dos 40 selecionados pelo Programa de Desenvolvimento da Pós-Graduação – Impactos da Pandemia, lançado pela CAPES em 2021. A iniciativa investirá, até 2026, cerca de R$ 25 milhões na concessão de 353 bolsas mestrado, doutorado e pós-doutorado além de destinar recursos de custeio a estudos relacionados aos aspectos sociais, econômicos, culturais e históricos decorrentes da pandemia.

Qual foi o objetivo do projeto?
Combater a desinformação em relação as medidas de saúde pública para o enfrentamento da pandemia, como o isolamento vertical, uso de máscaras e vacinação. O projeto tinha uma clara pretensão de intervenção, o que implicava supor, por outro lado, que a pandemia iria continuar por mais alguns anos.
O impacto que pensávamos era o atual. Contudo, do final de 2021 ao início de 2022, a vacinação avançou e surgiu a variante Ômicron, muito mais infecciosa, porém menos letal. Provavelmente, isso reduziu o número de pessoas capazes de transmitir o vírus, causando uma forte redução da morbidade e da mortalidade por Covid-19 a partir de março de 2022.
Consequentemente, o foco do impacto transformou-se: deixou de ser o efeito imediato para voltar-se aos desdobramentos de médio e longo prazo causados tanto pela pandemia quanto – sobretudo – pelas reações sociais às medidas de saúde pública adotadas.
A atitude de intervenção também é obrigatoriamente substituída por uma atitude reflexiva, já que não há mais uma pandemia a ser combatida, mas a desinformação continua a operar numa série de problemas sociais nos quais as políticas públicas são atacadas por processos de desinformação.
O que você destacaria de mais relevante na pesquisa?
O nexo que está sendo conceitualmente elaborado entre políticas públicas que requerem o conhecimento científico e a desinformação. O estudo da desinformação na Covid-19 revela-se crucial por três razões principais. A pandemia foi a primeira a ocorrer durante o período de hegemonia das redes sociais. As epidemias anteriores ocorreram durante a hegemonia do modelo de broadcast e, neste caso, era suficiente um acordo informal entre meios de comunicação de massa e cientistas responsáveis por definir os riscos. As redes sociais, por sua vez, são caracterizadas pelo princípio de exposição seletiva, isto é, eles podem escolher quais informações receber. Assim, estão mais sujeitos às fake news e teorias conspiratórias, na medida em que essas expressam e reiteram seus desejos e medos. Se o indivíduo teme a vacinação e acredita-se relativamente invulnerável à doença, ele vai procurar teorias que reforcem seus medos e racionalizem seus desejos. Essa característica é relevante porque as redes sociais manterão sua hegemonia e as políticas públicas – por exemplo, problemas ecológicos – cada vez mais irão requerer o conhecimento científico.
A segunda é que a pandemia teve um alcance global como doença, e como modo de se informar e se desinformar. Essas duas dimensões serão relevantes para outras questões sociais. A terceira é que a pandemia acentuou a tensão entre individualismo e ação coletiva. Políticas públicas de saúde para epidemias usualmente requerem ação coletiva. Nos primeiros meses, ela foi facilitada pelo que se pode chamar de solidariedade por medo. Como a possibilidade de não contrair a doença depende não apenas do comportamento individual, mas também das ações daqueles com quem interagimos direta ou indiretamente, tornou-se possível fomentar um senso de solidariedade coletiva. Essa dinâmica criou condições para que todos – ou muitos – pudessem se cuidar. No caso de doenças altamente contagiosa e transmitida pelo ar, o fato de que alguém adoeça ou morra imediatamente indica que as chances de cada um adoecer e morrer aumentaram. O problema com esse tipo de solidariedade é que todos precisam se sentir com medo. Se muitos se sentem fora dos grupos de maior risco – no caso, se não eram pessoas com mais de 60 anos – mais difícil será adotar comportamentos que implicam limitação de prazer – como não sair de casa – ou se vacinar, que sempre implica um risco, mesmo que mínimo.
Como o objetivo passou a ser os impactos de médio e longo prazo da covid-19, o projeto se preocupa em saber como a experiência coletiva da covid-19 ampliou as possibilidades de desinformação e colocou limites às formas de solidariedade necessárias para ações coletivas.
Quantos pesquisadores se envolveram no trabalho?
A equipe básica é composta de nove pesquisadores de cinco instituições diferentes e quatro regiões do país. A pesquisa também dependeu da atuação de três bolsistas de pós-doutorado e quatro de mestrado.
Quais os resultados alcançados?
Como a pesquisa tomou uma dimensão de reflexão e não de intervenção, os resultados alcançados foram, primariamente, produção intelectual: artigos, livros, capítulos de livro e orientação de teses e dissertações. Mas cabe realçar uma intervenção social: a realização de um podcast que pode ser usado como uma espécie de guia básico para combater a desinformação em saúde.
De que forma esse trabalho pode contribuir com a sociedade?
Para este projeto, duas consequências importantes da covid-19 continuam atuais. A primeira foi a extrema resistência às medidas de saúde pública, parte dela incentivada por atitudes políticas. Essa resistência permanece e levanta preocupações sobre a dificuldade de implementar medidas de saúde pública diante de novas emergências sanitárias. Em um certo sentido, uma herança da pandemia, por incrível que pareça após tantos momentos de grande solidariedade coletiva, é a radicalização do cuidado individual como forma de reduzir riscos, não apenas de doenças crônicas, mas também de doenças infectocontagiosas, para as quais o cuidado individual pode não ser suficiente. O segundo impacto, associado ao anterior, é a ascensão da desinformação e a crise dos peritos que ela permite. A legitimidade e a efetividade das políticas públicas precisam cada vez mais, considerar a forma hegemônica de comunicação, as redes sociais, que permitem a exposição seletiva à informação e, assim, favorecem a difusão de informações falsas, teorias da conspiração e valorização de peritos sem credenciamento institucional.
Fonte: CAPES Notícias