Laboratório da UFG usa pequi e nanotecnologia para amenizar a osteoartrite

Spray criado por equipe da Faculdade de Farmácia da UFG, em colaboração com outras instituições, apresentou resultados promissores

Óleo de pequi em versão spray, criada por professores do Laboratório de Nanotecnologia da UFG (Wildes Barbosa / O Popular)

Na cultura popular, em regiões do bioma Cerrado, o óleo de pequi é muito conhecido pelas suas propriedades terapêuticas. Aclamado como anti-inflamatório e antioxidante, o produto caiu nas graças da ciência. Na Universidade Federal de Goiás (UFG), o Laboratório de Nanotecnologia e Sistemas de Liberação de Fármacos (NanoSYS), criou uma versão em spray que apresentou resultados promissores em mulheres que sofrem com a osteoartrite, condição crônica que provoca dores em razão do desgaste das cartilagens que protegem as articulações do corpo. Estima-se que em 2050 o problema vá afetar 1 bilhão de pessoas no mundo.

Tudo começou na Universidade Regional do Cariri (Urca), que fica no município de Crato (Ceará), onde as propriedades terapêuticas do óleo de pequi são estudadas há anos pela equipe do professor Irwin Menezes, doutor em Bioquímica e Toxicologia. Mais tarde, a pesquisa se tornou colaborativa com a participação dos professores Lucindo Quintans e Walderi Monteiro, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), que ficaram responsáveis pelos ensaios clínicos. Uma primeira versão do produto que poderia aliviar a osteoartrite não se mostrou tão eficaz quanto o esperado. Nesse ponto, então, o Laboratório NanoSYS da UFG foi acionado.

“O que fizemos foi entrar com a nanotecnologia. Colocamos o óleo dentro de uma nanoestrutura e isso fez toda a diferença. A formulação fica mais fácil de espalhar, tem um sensorial melhor e age mais rapidamente”, explica Ricardo Marreto, que, ao lado da colega Stephania Taveira, coordena o Laboratório NanoSYS da UFG.

A nanotecnologia, campo que estuda propriedades de uma matéria em escalas ínfimas, que não podem ser vistas a olho nu, tem revolucionado a ciência em diversas áreas. Doutores pela Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, os dois professores aplicam a nanotecnologia na Faculdade de Farmácia há cerca de dez anos.

Ricardo Marreto detalha que o óleo de pequi é gorduroso, tem o cheiro característico da fruta e a população costuma aquecê-lo antes do uso. “É um jeito ruim de aplicar e não favorece a entrada da substância na articulação.”

Nos ensaios clínicos realizados na UFS com mulheres com idades entre 40 e 65 anos, selecionadas pelo Ambulatório de Reumatologia do Hospital Universitário de Sergipe, o spray apresentou melhoras evidentes. As pacientes foram divididas em três grupos: em um, somente fisioterapia; no segundo, era aplicado o spray; e no terceiro a fisioterapia era combinada com o spray. “Observamos que a formulação, usada duas vezes por dia, por si só melhora a funcionalidade e desinflama a articulação.”

Ricardo Marreto explica que, com frequência, produtos naturais que estão na cultura do goiano e do brasileiro em geral, são estudados no Laboratório NanoSYS, criado em 2016. “O uso popular de óleos, extratos e folhas muitas vezes não é efetivo e pode acarretar problemas de segurança. O que fazemos é caracterizar tudo, colocamos uma roupa diferente, uma formulação farmacêutica que valoriza o produto natural, dá mais qualidade e confiabilidade.” Foi o que aconteceu com o óleo de pequi, transformado numa fórmula a partir da nanotecnologia. Ele penetrou mais rápido na pele, agiu com eficácia e o cheiro característico foi amenizado.

Ricardo Marreto e Stephania Taveira lideram equipes que estudam produtos para pele e unhas, sempre aplicando a nanotecnologia. É o caso de um repelente para mulheres grávidas, cuja tecnologia está em fase de transferência para a Indústria Química do Estado de Goiás (Iquego). “Ele é mais barato do que os produtos que estão no mercado e adere bem à pele”, revela o professor. Ultimamente, a equipe do Laboratório NanoSYS da Faculdade de Farmácia da UFG tem mergulhado em pesquisas para o agro, soluções para o controle de pragas que não agridem o meio ambiente e não deixam resíduos. “Logo teremos novidades”, avisa Marreto.

Nova lei prevê manejo sustentável

Em janeiro deste ano o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a Lei nº 15.089, que institui a Política Nacional para o Manejo Sustentável, Plantio, Extração, Consumo, Comercialização e Transformação do Pequi ( Caryocar brasiliense ) e demais Frutos e Produtos Nativos do Cerrado. O pesquisador Ricardo Marreto comemora a nova norma, que prevê a identificação de comunidades extrativistas e a preservação das árvores do fruto que é considerado o ouro do Cerrado pelas suas amplas possibilidades. “Essas comunidades formam cooperativas e isso é importante para incentivar o desenvolvimento sustentável e valorizar o bioma”, lembra.

A lei recém-sancionada de manejo sustentável do pequi contribui para aumentar a expectativa dos cientistas em patentear e colocar no mercado o spray que alivia a osteoartrite, um problema que não tem cura e afeta 15% da população mundial com mais de 30 anos, sendo que as mulheres representam mais de 60% dos casos, segundo o Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde. “A gente precisa de parceiros. A universidade desenvolve, mas não tem como produzir. Estamos conversando com representantes de indústrias farmacêuticas e analisando a melhor forma de isso ser viabilizado. O ponto mais difícil é o insumo, o óleo em quantidade suficiente”, explica Ricardo Marreto.

A solução não parece distante. A Emater Goiás possui um grande banco de germoplasma de pequi, reunindo mais de 1,6 mil pequizeiros de centenas de variedades. Em 2022, em parceria com a Embrapa Cerrados, a instituição lançou seis novas variedades, sendo três com espinhos e três sem espinhos. A instituição tem apoiado viveiristas e produtores, fornecendo material genético e orientações técnicas para o cultivo sustentável, garantindo a reprodução de mudas para atender o mercado e ampliando o acesso de toda a comunidade ao fruto.

Fonte: O Popular