Sua tese reforça a necessidade da reintegração dos anciões, detentores dos saberes e conhecimento tradicionais, no currículo formal da educacão indígena
O dia 29 de maio de 2025 vai ficar marcado na história da etnia Xerente! Nesta data, Armando Sõpre Xerente tornou-se o primeiro doutor em Educação na Amazônia, pela Universidade Federal do Tocantins via Programa de Pós-Graduação em Educação na Amazônia (PGEDA/Educanorte). A tese de Sõpre é sobre “A educação tradicional do povo Akwẽ e o processo de formação dos jovens na era Warã”. Sõpre frisa que é preciso incluir os anciões no processo educativo formal. “Eles (os anciões) são doutores no conhecimento tradicional”, defende Sõpre.

Armando Sõpre Xerente durante evento cultural no Centro de Ensino Médio Indígena Xerente (Cemix) – Foto: Cesar Diniz/Divulgação Cemix
O novo doutor pela UFT diz que “antigamente, os anciões é que eram os professores nas aldeias. Eles tinham que contar tudo, ensinar aos jovens. É por isso que me interessei de pesquisar esse tema, para que possamos trazer de volta esses anciões, para o ensino no mundo moderno”. Sõpre defende a reintegração formal da figura dos anciões no currículo escolar. “Até porque a nossa escola é um centro de ensino médio (o Centro de Ensino Médio Indígena Xerente Warã – Cemix) e ´precisamos de nossos anciões lá dentro”, defende.
Desafios linguisticos e tradução
Sõpre contou que seu maior desafio foi o de traduzir da língua materna xerente para o português os diversos conceitos relacionados ao ensino das tradições orais de seu povo. “Eu tive de me concentrar bastante, pegando a informação da língua materna e traduzindo para a língua portuguesa. Tive de me deslocar para ir coletar os dados diretamente com os anciões sobre o warã. Foi o maior desafio que enfrentei”, diz. O novo doutor indígena levou para a execução de sua tese a experiência de colaborar na tradução do Novo Testamento (da Bíblia) para o povo xerente. Ele, juntamente com outros indígenas, ajudou na correção e tradução do Novo Testamento que foi desenvolvida por missionários batistas (pastor Günther Krieger e sua esposa Vanda Krieger; e pastor Rinaldo de Matos – falecido recentemente – e sua esposa Gudrum).
Ele conta que foi a partir desse trabalho de auxílio na tradução que decidiu fazer graduação na área de Letras. “Fiz Ciência da Linguagem na Universidade Federal de Goiás (UFG); continuei estudando e decidi também fazer mestrado na área, para conhecer mais a estrutura da língua portuguesa. Os pastores Gunther e Rinaldo foram instrumento para mim, me incentivaram a estudar”, diz Sõpre. Ele acredita que seu trabalho de doutorado vai ajudar no desenvolvimento de políticas públicas para incluir os anciões e beneficiar a educação escolar indígena. “Esse trabalho, inédito, serve também para provocar as autoridades, para servir de base para educação escolar indígena de nosso povo, e buscar a reintegração do ancião, como antigamente, com direito a receber salário, como nós; afinal, eles também são mestres e doutores”, enfatiza Armando Sõpre.
Defesa em solo natal
A defesa da tese de doutorado de Sõpre não ocorreu entre quatro paredes, nas dependências da Universidade. A escolha do local, com anuência da coordenação do programa de pós-graduação, foi no Centro de Ensino Médio Indígena Xerente Warã (Cemix), no território indígena que fica município de Tocantínia, cidade a 86 quilômetros de Palmas. O novo doutor diz que a escolha foi estratégica, no sentido de também incentivar os jovens indígenas a continuarem estudando. “A comunidade me acolheu, os pais dos alunos, enfim, e a imagem influencia, é a minha imagem de professor em que os alunos podem se espelhar com minha trajetória e os desafios que enfrentei para chegar até aqui”, pontua.
Momento da defesa de tese de Armando Sõpre Xerente, no Cemix (território indígena Xerente) em Tocantínia (Foto: Divulgação/Redes Sociais)
A orientadora da tese, professora Dr.ª Neila Osório, também coordenadora do programa de extensão Universidade da Maturidade (UMA/UFT), destacou a importância da abertura da Universidade para outras formas de conhecimento. “A universidade precisa aprender a se abrir para outras formas de comunicação e expressão, linguagem, conhecimento e metodologia. Quem mais ganha com isso, nesse momento, certamente é a universidade.”
Segundo a professora Jocyléia Santana, coordenadora do Doutorado em Educação, PGEDA/UFT, a evasão de estudantes indígenas ainda é um grande desafio, especialmente na graduação. “Na pós-graduação, o perfil do estudante é mais maduro, mas as dificuldades ainda são grandes: deslocamento, custo de vida nas cidades, exigências acadêmicas elevadas e o racismo institucional”, aponta.
Ela ressalta que a UFT, tem se destacado nacionalmente pela formação de indígenas na graduação e, agora, com maior presença também na pós-graduação. No entanto, as estruturas institucionais ainda precisam se adaptar para acolher as singularidades de cada estudante.
Além da orientadora Neila, participaram da banca de Sõpre os professores Dr. Luiz Sinésio Silva Neto (coorientador); Dr. Djanires Lageano Neto de Jesus (membro externo/UEMS/Profeduc); Dr. Rui Miguel Duarte Santos (membro externo/Instituto Politécnico de Leiria/Programa de Pós-Graduação em Direção de Organizações de Intervenção Social); Dr.ª Rosilene Lagares (membro interno/UFT-PGEDA) e Dr.ª Reijane Pinheiro da Silva (membro interno/UFT).
Por Samuel Lima/ UFT