Problemas com a variação linguística, dificuldades de adaptação em sala de aula e o sentimento de exclusão por parte dos colegas foram alguns dos desafios enfrentados por Luzia, estudante migrante de Angola, ao ingressar no curso de Serviço Social da UFSC e se adaptar à vida em Santa Catarina. A situação começou a mudar quando ela se envolveu com o projeto UFSC Sem Fronteiras, uma iniciativa de extensão voltada à integração e permanência de estudantes internacionais, migrantes e refugiados.
Assim como Luzia, muitos vivenciam trajetórias semelhantes. Atualmente, a UFSC conta com cerca de 73 estudantes do Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G) e 583 estudantes internacionais regulares de graduação, conforme levantamento da Pró-Reitoria de Graduação e Educação Básica (Prograd), realizado em 13 de maio. Muitos desses estudantes chegam ao Brasil sem acompanhamento institucional e enfrentam dificuldades de adaptação, como as relatadas por Luzia.

Elisa Schemes, representante do Programa de Estudantes Convênio de Graduação (PEC-G) e ligada à Secretaria de Relações Internacionais (Sinter), explicou que o projeto em questão nasceu da vivência de acompanhamento dos estudantes que ingressam via PEC-G. Este é um programa do governo brasileiro que oferece vagas gratuitas em cursos de graduação para estudantes estrangeiros de países em desenvolvimento com os quais o Brasil mantém acordos educacionais e culturais. Segundo ela, a intenção é estender o suporte que já era oferecido pela Sinter e pelo Programa Institucional de Apoio Pedagógico aos Estudantes (Piape) a todos os demais estudantes internacionais da UFSC.
A coordenação do projeto está a cargo de Janaina Santos, também coordenadora do Piape. Com doutorado na área de migrações e refúgio, ela já atuava na aproximação com coletivos e organizações de apoio a pessoas migrantes e refugiadas. Janaina fez parte da comissão na UFSC que implementou a política de acesso específico para cursos de graduação voltado a pessoas refugiadas, solicitantes de refúgio e portadoras de visto humanitário. O processo seletivo para esse público existe na UFSC desde 2022 e oferece 10 vagas por ano.
Segundo explica Janaina, o UFSC sem Fronteiras reúne estudantes de Graduação e Pós-Graduação migrantes, pessoas refugiadas, solicitantes de refúgio e internacionais para a realização de ações de acolhimento, integração acadêmica, acompanhamento das trajetórias estudantis, atividades culturais e artísticas.

Ações do UFSC sem Fronteiras
O projeto divide seus esforços em duas frentes principais: uma voltada para o público interno e outra focada no público externo.
A iniciativa age internamente com atividades para estudantes já matriculados na UFSC, por meio da construção de uma rede de apoio, oferecendo suporte acadêmico e pedagógico. Entre as ações realizadas estão rodas de conversas com estudantes internacionais, migrantes e pessoas refugiadas da UFSC para escutar suas experiências, conhecer suas trajetórias e contribuir para sua permanência e integração no ambiente acadêmico.
Para esse público, o projeto também fornece informações sobre a vida acadêmica, divulgando atividades de apoio pedagógico do Piape, serviços psicológicos do Serviço de Atenção Psicológica (Sapsi) e orientações sobre regularização migratória na Polícia Federal. Além disso, orienta sobre a abertura de conta bancária, atendimento no SUS e outros setores da UFSC.
Com o público externo, o UFSC sem Fronteiras desenvolve ações de divulgação de processos seletivos específicos para pessoas refugiadas e migrantes. O projeto também busca promover a conscientização sobre direitos humanos, a importância do acolhimento e dados sobre refúgio e migrações, para desconstruir mitos e tornar a sociedade mais acolhedora. Há ainda a intenção de criar uma ponte com os países de origem dos estudantes para orientá-los sobre como vir estudar na UFSC.
Pelo processo seletivo específico para refugiados e migrantes, desde 2022, a UFSC poderia ter 30 estudantes, sendo 10 vagas por ano. “No entanto, o número é menor, em torno de 20 novos alunos anuais”, Janaína explica que muitos se evadiram por falta de acompanhamento acadêmico e acolhimento institucional. “O projeto busca justamente combater essa evasão, garantindo que os estudantes se sintam acompanhados ao ingressarem”, salienta.

Segundo Janaína, estudantes internacionais, migrantes e refugiados compartilham especificidades que tornam o apoio essencial. Eles podem estar longe da família e do país de origem; ter vivenciado múltiplas violências; enfrentar dificuldades linguísticas; questões culturais, além de ter dificuldades acadêmicas relacionadas à escolarização anterior, como ausência de conhecimentos sobre o Brasil e o contexto nacional. Outros aspectos são as dificuldades com organização para estudos; sentimento de isolamento e dificuldades com afiliação institucional e acadêmica e incompreensão dos códigos acadêmicos.
Luzia Maweza, bolsista do Projeto UFSC sem fronteiras e migrante de Angola que chegou ao Brasil em 2022 na Bahia, compartilha suas próprias dificuldades ao ingressar na UFSC e se adaptar em Santa Catarina. Ela percebia que estudantes africanos tendiam a formar grupos entre si, enquanto que para ela ser incluída em outros grupos foi “preciso provar que era boa” o suficiente para ser incluída. Ela critica a postura de alguns professores que, ao sugerirem trabalhos em grupo, não consideram as dificuldades de integração e linguagem de estudantes internacionais, deixando-os “se virar”. Luzia também mencionou a diferença cultural na alimentação e um preconceito em Santa Catarina que ela sentiu ser mais sutil do que na Bahia, mas que “dói mais” por não ser verbalizado, mas perceptível.
Participar de projetos na UFSC, como o Projeto Praxis Antirracista e o UFSC sem Fronteiras, foi transformador para Luzia. Ela conta que, inicialmente, sentia receio em mostrar seu conhecimento, mas com o apoio e a visibilidade desses projetos, conseguiu se destacar, adquirir mais conhecimento sobre a realidade brasileira e a questão racial e desenvolver uma capacidade mais crítica. Isso a ajudou a desconstruir preconceitos que colegas tinham sobre ela, como a ideia de que não teria capacidade para construir conhecimento. Isso a fez ser vista de outra forma.
Um dos pontos mais importantes destacados por Janaina e Luzia é a necessidade de ampla divulgação do projeto. Muitos estudantes e migrantes e refugiados não sabem que existem instâncias e lugares na universidade onde é possível buscar auxílio. Luzia, que se sentiu perdida ao chegar, enfatiza a importância de informar a outros estudantes que o projeto está à disposição para ajudar e auxiliar aqueles que se sentem perdidos e que suas experiências de dificuldade não são individuais, podendo encontrar acolhimento no projeto.
Por Mateus Mendonça| Estagiário da Agecom| UFSC