Denise Pires de Carvalho defende investimentos na educação superior para o Brasil alcançar ou se aproximar dos padrões estabelecidos pelos países membros da OCDE

Por Renata Okumura/ Estadão
O Brasil precisa ampliar significativamente a formação de mestres e doutores para alcançar ou se aproximar dos padrões estabelecidos pelos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em entrevista ao Estadão, Denise Pires de Carvalho, presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), também defende investimentos na educação superior. “É preciso mais brasileiras e brasileiros com nível superior, é preciso mais mestres e doutores para que nós tenhamos a nossa democracia e a nossa soberania menos ameaçadas”, argumenta ela.
Como a Capes avalia o cenário de mestrados e doutorados no País hoje. Que políticas estão em análise para aumentar o número de programas e de bolsas no Brasil?
Nós temos hoje cerca de três vezes menos doutores, três a quatro vezes menos doutores, em média, do que a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD). Então, o Brasil precisa formar mais doutores. Quando nós olhamos a formação de mestres no País, ela é 10 por ano por 100 mil habitantes, portanto o percentual também é 10 vezes menor do que a média dos países da OCDE. Quem está na média é os Estados Unidos, por exemplo. Então, nós deveríamos, no mínimo, procurar formar por ano o que os EUA formam para que um dia a gente chegue a ter perto da média dos países da OCDE.
Nós estamos trabalhando, formando mestres e doutores no Brasil há 60 anos e conseguimos atingir as metas do Plano Nacional de Educação de 2014 a 2024. Em 2024, nós formávamos mais de 60 mil mestres por ano e mais de 25 mil doutores por ano. Aliás, uma das únicas metas atingidas do Plano Nacional de Educação, demonstrando que temos um sistema nacional de pós-graduação maduro. Precisamos agora ganhar escala. Nós também temos só 20% dos brasileiros com graduação. A média da OCDE é próxima de 50%.
E, ao mesmo tempo que aumentamos a graduação, temos que aumentar também a formação de mestres e doutores. E isso é muito importante para diminuir o negacionismo da ciência. As políticas dependem de investimento. Nenhum país do mundo avançou sem investimento em formação de nível superior.
Fala-se muito que a educação superior ou a pós-graduação deve acontecer num ambiente privado. Isso não acontece em nenhum país do mundo. Temos agora a prova, né? As universidades americanas são privadas, entre aspas. Vejam como elas dependem de recursos públicos do governo americano. Então, quando nós falamos de universidade, de nível superior, independentemente da categoria, seja ela pública ou privada, quando nós temos um nível superior com qualidade, nós temos soberania. Portanto, é preciso mais brasileiras e brasileiros com nível superior, é preciso mais mestres e doutores para que nós tenhamos a nossa democracia e a nossa soberania menos ameaçadas.
A recente ação do governo Trump contra universidades americanas já fez 96 doutorandos desistirem de ir para universidades americanas. Gera medo entre os estudantes? Isso preocupa?
Os estudantes que desistiram de ir para universidades americanas são aqueles que iam para um doutorado-sanduíche. Pessoas que estão desenvolvendo suas teses e que estão indo para o exterior apenas para complementar os seus estudos, para aprender uma nova técnica que ainda não há no Brasil.
Esses pós-graduandos já iam para os laboratórios e por algum motivo que a Capes não sabe, porque nós não precisamos saber, desistiram de ir para os Estados Unidos. Podem ter desistido de ir por medo, como você falou, medo de não serem bem recebidos ou pode ser a falta de financiamento. Pode ser que o pesquisador dos Estados Unidos tenha dito para não irem por falta de recursos. A maior parte (dessa desistência) é de estudantes da área de Ciências da Saúde, depois Ciências Biológicas e, em terceiro lugar, Ciências Agrárias.
Eu espero que isso tudo seja retomado, porque eu acredito que vai prevalecer a ideia de que os Estados Unidos pretendem continuar sendo uma das maiores potências mundiais. Não há como se tornar uma grande potência, permanecer como uma grande potência sem ciência. Mas ressalto que a ciência que acontece nos Estados Unidos, ela acontece em outros lugares do mundo. Basta que haja financiamento. E os estudantes estão trocando para a Alemanha, para Reino Unido, para Espanha, para Portugal. Todos eles encontravam tudo que precisavam para a tese num único país. Agora cada um deles está indo para um país diferente, onde tem um laboratório semelhante àquele que eles iam nos EUA.

A Capes lançou em julho um edital para 650 estudantes estrangeiros virem para universidades brasileiras. Qual a expectativa em relação a essa iniciativa?
Eu espero que nós possamos ter um número grande de inscritos no Programa de Estudantes-Convênio de Pós-Graduação (PEC-PG), um programa que havia sido abandonado no passado recente e que nós retomamos agora. Eu estive na Secretaria de Educação Superior em 2023 e nós retomamos o Programa de Estudantes-Convênios de Graduação (PEC-G). Na verdade, são ações entre o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Educação que tinham sido abandonadas no passado. Eu espero que o PEC-PG tenha um grande número de inscritos também e acredito que terá, porque hoje o Brasil respira a ciência, no caso, especificamente, da educação superior, da ciência, da tecnologia e da inovação. A vinda de estrangeiros para o Brasil é muito importante, porque a partir dos pós-graduandos, as cooperações entre os grupos de pesquisa se estabelecem e se perpetuam. França e Estados Unidos são os dois principais países de cooperação internacional.
Em fevereiro, a Capes estabeleceu novas regras para o processo de ensino e aprendizagem na pós-graduação stricto sensu presencial, considerando atividades online. O EAD também tem sido alvo de uma série de restrições recentes no MEC para a graduação. Como é possível conciliar a qualidade com a necessária inovação quando se fala das perspectivas educacionais no ambiente digital?
Nos últimos anos houve um excesso de uma proliferação de cursos com aulas gravadas e esses cursos não tinham sequer corpo docente permanente. Isso não é curso, isso não é educação. É assistir a um filme. Eu posso assistir a um filme dez vezes e não ter nenhuma análise dele. A atividade de ensino, ela não é ensino, ela é ensino à aprendizagem. E esse binômio ensino-aprendizagem é um diálogo. Não importa se é online ou presencial, mas precisa haver diálogo.
Então, o que acontece é que no âmbito da pós-graduação, em 2017, também houve, por parte do Conselho Nacional de Educação (CNE), a publicação de uma resolução que autorizava a pós-graduação a ter cursos a distância. Só que os cursos da pós-graduação stricto sensu somente acontecem se a Capes aprovar. É uma lei. A Capes é a instituição que analisa as propostas de cursos novos, não importa se são presenciais ou a distância. Durante todos esses anos, de 2017 para cá, quase 10 anos, apenas um curso foi aprovado entre 2023 e 2024. Começou a funcionar esse ano. É um curso semipresencial. Veja que ele já vem com o formato, que é essa nova modalidade do novo decreto. Então, ele não é um curso completamente EAD. Nenhum curso EAD existe no nível da pós-graduação stricto sensu. Por isso, esse normativo da Capes, ele regulamenta o ensino presencial. Porque a pós-graduação brasileira, majoritariamente, são mais de 4.600 programas, cerca de 7.000 cursos, todos de modalidade presencial, com exceção de um que é semipresencial.
O que nós não podíamos é continuar sem ter uma regulamentação depois que esse mundo virtual (de plataformas de videoconferências) se desenvolveu no Brasil durante a pandemia, Por isso, a Capes decidiu normatizar essa atividade, que é o ensino híbrido. O que é o ensino híbrido? É permitido ou não é permitido? E nós não colocamos um percentual. Deixamos as pós-graduações fazerem gozo da autonomia. Enfim, foi isso que a Capes regulamentou. O que é o uso e até onde vai o uso da tecnologia para a educação no nível da pós-graduação.