UFG lança manifesto pela soberania nacional

Motivação do manifesto: percepção de que sanções são instrumento de pressão política

Texto: Piter Salvatore. Fotos: Carlos Siqueira (UFG)

A Universidade Federal de Goiás (UFG), juntamente com diversas instituições parceiras, promoveu na noite de quarta-feira (30/7) o lançamento do “Manifesto em Defesa da Soberania Nacional, da Ordem Constitucional e do Estado Democrático de Direito”. Transmitido ao vivo, o ato foi realizado no Salão Nobre da Faculdade de Direito (FD) e contou com a participação de lideranças acadêmicas, deputados, vereadores e representantes de movimentos estudantis e sindicais para repudiar o que consideram ataques à democracia e à autodeterminação do Brasil. 

No documento oficial, foram reafirmados o dever cívico, a Constituição e o repúdio à intromissão estrangeira. A máxima defendida foi a de que decisões judiciais devem ser contestadas somente por recursos previstos em Lei. 

A principal motivação do manifesto é a percepção de que as sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos da América (EUA), conhecidas como o “tarifaço”, são, na verdade, um instrumento de pressão política que fere a autodeterminação do Brasil. Para os participantes, a medida vai além de uma disputa comercial e representa uma tentativa de ameaça e interferência nos assuntos internos do país.

O diretor da Faculdade de Direito, José Querino Tavares Neto, explica que, embora a imposição de tarifas seja uma possibilidade nas relações econômicas entre estados, a questão atual é mais grave. “O tarifaço ofende drasticamente a própria Organização das Nações Unidas”, afirmou, ressaltando que a ação tenta intimidar não apenas o Poder Executivo, mas também o Judiciário brasileiro.

A representante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e professora da FD UFG, Franciele Cardoso, destacou o caráter inédito da situação. “Da forma como a gente está vendo acontecer agora, isso nunca aconteceu”, disse ela, lembrando que, embora interferências estrangeiras tenham ocorrido no passado, como no golpe de 1964, elas nunca tinham sido feitas como agora. Em anos anteriores, essas ações ocorriam “nos bastidores das instituições, a partir de determinadas pressões sobre agentes públicos e negociações indefensáveis”.

A professora ainda ressalta que essa posição é contraditória se levada em conta a própria história dos EUA, país que tem se colocado “como a maior democracia do mundo, como um lugar em que não há censura, que as instituições funcionam de forma independente”.

Resistência democrática

O deputado estadual Mauro Rubem (PT) descreveu o manifesto como “quase que a refundação da República brasileira, tendo como princípio a separação de poderes”. Um dos efeitos esperados, segundo ele, é “libertar almas, corações e mentes para sociedade melhorar seu equilíbrio de forças”. Nivaldo dos Santos, superintendente do Ministério do Trabalho, enfatizou ser preciso exercer “justiça tributária” e “negociar com altivez”.

Representantes da luta estudantil também compareceram e reafirmaram seu compromisso com a pauta atual. A coordenadora-geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFG, Amanda Santos, reforçou que o governo federal, especialmente na pessoa do presidente Lula, deve se posicionar de maneira firme “para que a gente impeça que outras retaliações sejam feitas futuramente”. Mólzer Félix, secretária-geral, reiterou que a defesa da soberania passa pelo “investimento real em educação”.

Um dos pontos mais criticados durante o evento foi a interferência direta do governo norte-americano no sistema de justiça brasileiro. A pressão para influenciar o desfecho de processos judiciais e as sanções impostas ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, sob a acusação da Lei Magnitsky, usada contra terroristas e criminosos internacionais independentemente de sua nacionalidade, foram consideradas violências graves.

A reitora da UFG, Angelita Pereira de Lima, manifestou solidariedade ao ministro pela “agressão internacional”. Diego Siqueira, coordenador-geral do Sindicato dos Trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação das Instituições Federais de Ensino Superior do Estado de Goiás (Sint-Ifesgo), viu a medida como um “ataque específico” para “intimidar” o judiciário brasileiro. Edward Madureira, ex-reitor da UFG e vereador de Goiânia pelo Partido dos Trabalhadores (PT), considerou a ação uma “afronta ao País”.

Brics

Já o coordenador Nacional da Associação dos Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania (ADJC), Aldo Arantes, relembrou eventos históricos anteriores em que países estrangeiros intervieram diretamente no Brasil com sanções e medidas restritivas. Ele associou “o tarifaço” ao avanço do grupo formado originalmente por estados como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (Brics) e à proposta de criação de uma moeda internacional que pode competir com o dólar. “Isso vai contra os interesses do império, do monopólio do sistema financeiro”.

Como medidas posteriores, o diretor de Atenção Estudantil da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Prae) da UFG, Pedro Cruz, enfatizou a necessidade da sociedade em se organizar para “expandir iniciativas dessa natureza, fazendo uma ampla divulgação, buscando coletar mais assinaturas”. 

Até a publicação desta notícia, o manifesto contava com 744 assinaturas verificadas. Segundo a reitora, a mensagem mais urgente é “proteger a nossa lei maior que é o que nos garante esse Estado-Nação”.

Manifesto em defesa da soberania nacional, da ordem constitucional e do Estado Democrático de Direito

As instituições, entidades e cidadãs(ãos) que subscrevem este manifesto, reunidas no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás em 30 de julho de 2025, reafirmam, diante da seriedade e dramaticidade do momento atual vivido no Brasil, seu inegociável dever cívico de defender a Constituição, a democracia, a soberania nacional e os direitos fundamentais.

Sobre a pedra angular da democracia e da liberdade, firmamos a convicção de que a Constituição deve sobrepor-se aos conflitos e interesses de séquitos e situações. Com base em nosso compromisso com a soberania do Brasil, lançamos este clamor em defesa de nossa ordem jurídica.

A soberania nacional é um preceito constitucional inarredável e fundamental ao nosso ordenamento jurídico e à nossa comunidade cívico-política. Somos todos(as), independentemente dos credos ou preferências, patriotas à luz da Constituição. Por isso, repudiamos toda forma de intromissão estrangeira em nossa República, sobretudo quando voltada à ilegítima ingerência sobre o regular funcionamento de nossas instituições.

A imposição de sanções econômicas ao Brasil, anunciada pelos EUA como instrumento destinado a alterar ou influenciar o curso de decisões judiciais, constitui afronta reprovável à autodeterminação do nosso país.

O Direito Internacional, desde a institucionalidade erigida após a 2ª Guerra Mundial, e com maior ênfase, a partir das rodadas do GATT e da criação da OMC, não valida nem autoriza o uso de tarifas alfandegárias como instrumentos voltados à promoção de objetivos políticos, ideológicos ou facciosos.

É, ainda, consensual e indiscutível entre todas as coletividades, instituições e cidadãos(as) que subscrevem este manifesto, comprometidos(as) com a Constituição e com a democracia, a máxima de que decisões judiciais devem ser contestadas apenas por meio dos recursos previstos em lei. Atos de conspiração contra a República e seu Poder Judiciário, em conluio com nações estrangeiras, configuram grave ataque à nossa ordem jurídica e merecem a nossa mais firme e veemente repulsa.

A defesa de nossas instituições, de nossos recursos naturais, da nossa moeda, da nossa soberania e, sobretudo, do  nosso Estado Democrático de Direito – fundamento de nosso ofício e compromisso cívico – exige um posicionamento firme contra o ataque estrangeiro desferido contra o Brasil e contra os conspiradores nacionais que tentam legitimar tal agressão como instrumento de disputa política.

O Brasil é soberano! O Direito e a Justiça hão de prevalecer!

Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás

Goiânia, 30 de julho de 2025