100 anos de universidades no Brasil: Por que seu valor vai além do retorno individual?

No centenário das universidades no Brasil, é urgente reafirmar seu papel social, coletivo e crítico, além do retorno econômico individual

A primeira universidade fundada no Peru data de 1551. No Brasil, a primeira instituição dessa natureza foi inaugurada apenas em 1920, com a criação da Universidade do Rio de Janeiro. Durante séculos, a elite econômica brasileira tratou a educação como privilégio, e sobretudo o ensino superior: enviava seus filhos para estudar em Portugal, enquanto era negado à população o sonho do acesso a essa etapa fundamental de educação, emancipação e cidadania. Mesmo após a criação das primeiras universidades brasileiras, o elitismo permaneceu como uma marca durante a maior parte do século XX.

Ana Tereza Pires é graduada e mestra em Economia pela UFMG. Servidora pública do Ipea, atua com avaliação de políticas públicas – Divulgação

Mudanças importantes ocorreram no início da ditadura militar, com o aumento substancial de vagas no ensino superior (principalmente por meio da proliferação de instituições privadas), o que marcou o primeiro grande ciclo de expansão das universidades no país. Contudo, apesar do aumento do número de matrículas, o corpo discente ainda refletia fortemente a exclusão social: era majoritariamente branco e de alta renda.

A educação superior limitada às elites só foi desafiada no começo deste século quando, em meio ao segundo ciclo de expansão do ensino superior, políticas de ações afirmativas permitiram a ampliação do acesso a negros, povos indígenas, população mais pobre e pessoas com deficiência a esse espaço de privilégio. Ainda assim, o Brasil possui metade da proporção de graduados se comparado aos países da OCDE (20,5% contra 41%).

Nos últimos anos, o processo de democratização do acesso ao ensino superior seguiu seu curso, ainda que em menor ritmo. O crescimento do número de graduados fez reduzir o retorno salarial pago ao diploma de ensino superior. O baixo dinamismo econômico da última década aumentou o contingente das trabalhadoras e dos trabalhadores com diploma universitário que atuam em postos de nível médio. A atual glamourização de profissões autônomas, impulsionada pela visibilidade de influenciadores digitais e de empreendedores individuais, alimenta uma percepção distorcida de que o diploma universitário perdeu relevância prática.

Diante desse quadro recente de descrédito, são muitas as colunas que, como esta, tentam reiterar que, sim, ainda vale a pena fazer faculdade no Brasil. Predominam nesses escritos os argumentos econômicos, os quais mostram que as trabalhadoras e os trabalhadores com ensino superior, em comparação a seus pares sem diploma, ainda são substancialmente mais bem remunerados (renda média do trabalho de R$ 6.113 contra R$ 2.061), têm melhores condições de trabalho, avançam com maior rapidez na carreira e enfrentam níveis mais baixos de discriminação salarial de gênero e raça.

Entretanto, reduzir esse debate à mera lógica econômica individual é adotar uma perspectiva estreita sobre o que significa ampliar e democratizar o ensino superior no Brasil. A universidade é também um tempo de transição, em que a juventude se constrói no coletivo antes de encarar as exigências do mundo adulto. Num país que ainda carece de desenvolvimento pleno, formar uma população diversa, crítica e pensante é condição primordial para afirmar um pensamento brasileiro autônomo. A universidade não é apenas um trampolim individual para salários mais altos; é espaço vivo onde pulsa a possibilidade real de mudar destinos, romper injustiças históricas e redesenhar, de forma plural e participativa, os caminhos de uma sociedade inteira.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço “Políticas e Justiça” da Folha de S. Paulo sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Ana Tereza Pires foi “Volver a los 17”, interpretada por Milton Nascimento e Mercedes Souza.