Reitores debatem em Belém o papel das universidades federais rumo à COP 30

A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), com o apoio da Universidade Federal do Pará (UFPA), realizou no dia 24 de setembro, em Belém (PA), o seminário “Universidades e Biomas: Ciência e Sustentabilidade rumo à COP 30”. O evento reuniu reitores de universidades federais de todas as regiões do país, especialistas e representantes do governo para discutir o papel estratégico das universidades federais e Cefets na preservação dos biomas brasileiros.

Durante a abertura, a secretária de Cultura do Pará, Ursula Vidal, destacou o papel das universidades como produtoras de conhecimento e parceiras na proposição de um modelo de desenvolvimento sustentável. “A educação transforma. Temos muita esperança na vocação e no compromisso das universidades com esse momento que será histórico”, afirmou.

O presidente da Andifes, José Geraldo Ticianeli (UFRR), ressaltou o compromisso das universidades federais com o país e a região amazônica. “Nosso trabalho é mostrar que o conhecimento gerado no Brasil, especialmente na Amazônia, é essencial para o desenvolvimento sustentável e soberano do país. Que esta reunião em Belém seja também um momento de reafirmar o papel da Universidade Pública, inclusiva, democrática, socialmente referenciada e comprometida com o futuro do Brasil e com o planeta.”

Na mesma direção, o reitor Gilmar Pereira, da Universidade Federal do Pará, anfitriã do evento, destacou o processo de articulação da reunião em Belém como parte da preparação da Andifes para a COP 30. “A gente fez uma avaliação que não tinha como ter todos os nossos colegas reitores e reitoras aqui durante a COP 30, e que nós precisávamos, de corpo presente, falar sobre a COP e nos posicionar sobre isso. Então, propusemos esse debate, aqui em Belém, que foi aceito de pronto pela Andifes, e a gente vem construindo, se desafiando a pensar o planeta a partir da Amazônia”, afirmou. 

Mediador da mesa de debate “O papel das universidades e Cefets para preservação e conservação dos biomas com desenvolvimento sustentável”, o reitor Dácio Matheus (UFABC) ressaltou a importância da Amazônia e das universidades na discussão climática: “Sem dúvida nenhuma, a Universidade e a Amazônia assumem um papel central na discussão da COP, na medida em que preserva ambientes e condições socioculturais ímpares no planeta e, sem dúvida nenhuma, importantes para esse equilíbrio planetário e para a produção de conhecimentos ligados aos saberes tradicionais e ao papel que as nossas populações tradicionais têm na conservação do planeta e na sua relação com a natureza”, afirmou.

As universidades federais, presentes em todas as regiões do Brasil, reafirmaram seu papel essencial no enfrentamento da crise climática, por meio da produção de conhecimento científico, tecnológico e da extensão universitária. O seminário integrou a preparação para a COP 30, que será realizada em Belém em 2025, e reforçou o compromisso da Andifes em mobilizar a ciência e a educação superior em favor do desenvolvimento sustentável. Confira as apresentações:

Bioma Mata Atlântica

Everton Lozano, reitor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), destacou que o bioma Mata Atlântica se estende do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, ocupando 3.429 municípios e apresentando diferentes formações. Devido à grande presença humana, é um dos biomas mais impactados, com 71% já devastado, por isso a importância de uma legislação específica para preservação de espécies endêmicas. 

Ele também apresentou a atuação das universidades do Paraná e Santa Catarina, como UTFPR, UFPR, UNILA e UFFS, destacando programas de graduação e pós-graduação, projetos de pesquisa e extensão voltados à sustentabilidade e ao bioma, mostrando o papel estratégico das instituições na preservação, formação de recursos humanos e produção de conhecimento científico no bioma.

Dividindo a aprentação sobre o bioma, o professor Dan Levy, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), destacou que a região Sudeste abriga 19 universidades federais, majoritariamente localizadas no bioma Mata Atlântica, mas também abrangendo áreas do Cerrado e da Caatinga. Ele explicou que o bioma Mata Atlântica é o mais populoso do país e sofreu intensa devastação histórica, com desmatamento ilegal em terras protegidas e impactos sobre os povos originários e a biodiversidade. Dan ressaltou a importância de integrar pesquisas e políticas ambientais, conectando saberes acadêmicos e populares, e reduzir desigualdades regionais na produção científica.

Levy destacou também a produção científica da universidade sobre a Mata Atlântica: 164 pesquisadores cadastrados, 1.113 registros de produção científica, 52 publicações em 2024 e 33 projetos de pesquisa, concentrados em programas de pós-graduação em ecologia e evolução, biodiversidade, ecologia marinha e costeira, análise ambiental integrada e História Atlântica. Ele mencionou estudos sobre corais e biodiversidade marinha, carbono, energia solar, poluição atmosférica e soluções hídricas, sempre em parceria com outras universidades brasileiras, reforçando a relevância da pesquisa colaborativa para a conservação e restauração do bioma e para a garantia de desenvolvimento sustentável para as presentes e futuras gerações.

Bioma Pampa

Edward Pessano, reitor da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), afirmou que o bioma se concentra exclusivamente no Rio Grande do Sul, ocupando 194 mil km², o que representa 63% do território do estado. Ele explicou que o Pampa foi o último bioma a ser considerado na legislação, com reconhecimento legal apenas em 2012 no país e em 2020 no Rio Grande do Sul, e que historicamente sofreu degradação devido à classificação inicial como Campos Sulinos e ao uso para pecuária, agricultura e disputas territoriais. Ele detalhou a diversidade do bioma, com aproximadamente 3 mil espécies de plantas, 102 de mamíferos, 476 de aves, 97 de répteis e 50 de peixes, destacando espécies endêmicas adaptadas a extremos climáticos, e ressaltou a relevância cultural, histórica e econômica da região, incluindo agricultura, energia e pesquisa científica. 

O reitor apresentou ainda ações das universidades federais gaúchas, como UFPEL, Unipampa, UFSM, FURG, UFPEL e UFRGS, destacando projetos de ensino, pesquisa e extensão voltados à conservação, educação ambiental, desenvolvimento sustentável, bancos genéticos, monitoramento climático e produção agrícola diversificada, além da criação da Rede Bioma Pampa para cooperação acadêmica e científica, propondo o fortalecimento do bioma como componente estratégico nas agendas ambientais e a criação de um Instituto de Pesquisa e Museu Natural.

Bioma Cerrado

Laerte Guimarães, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) enfatizou que o Cerrado é um bioma único, com cerca de 2 milhões de quilômetros quadrados, dos quais aproximadamente 1 milhão foram convertidos em pouco mais de 50 anos, principalmente em pastagens e áreas agrícolas. Ele destacou o bioma como “berço das águas”, armazenando e distribuindo água para oito das 12 regiões hidrográficas do país, além de ser a savana mais biodiversa do planeta.

Segundo o especialista, o impacto acelerado da transformação do Cerrado e sua vulnerabilidade, apontando que a governança histórica do bioma esteve centrada na produção de commodities, tornando-o uma “zona de sacrifício”. Ele citou análises, demonstrando que 12.523 artigos sobre o Cerrado foram publicados com mais de 240 mil citações, principalmente por universidades federais, evidenciando a relevância do bioma para a pesquisa científica nacional e internacional.

Ele chamou atenção, ainda, para a fragmentação e baixa proteção do Cerrado, com cerca de 48% da vegetação remanescente em propriedades privadas sem proteção legal, e ressaltou que o desmatamento continua em regiões como o Matopiba. Ele apresentou soluções possíveis, como o Programa Nacional de Recuperação de Pastagens Degradadas, que permite recompor vegetação e expandir a produção agrícola de forma sustentável, preservando ao mesmo tempo a capacidade de suporte de animais.

Concluindo sua apresentação, defendeu a criação do Instituto Nacional do Cerrado e reforçou que a conservação do Cerrado deve ser integrada à proteção da Amazônia, tratando ambos como um contínuo ecológico, social e climático, e destacou a importância de educação, ciência aplicada e bioeconomia para transformar o país em uma potência ecológica.

Bioma Caatinga

Renato Garcia Rodrigues, professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), destacou que a interiorização das universidades permitiu avançar significativamente no conhecimento da biodiversidade local. Ele citou projetos de agricultura familiar, agroecologia, restauração ecológica, reintrodução de fauna, criação de unidades de conservação e apoio a políticas públicas vinculadas a ministérios, incluindo a obra da transposição do São Francisco desde 2008, que proporcionou oportunidades únicas de pesquisa e monitoramento ambiental.

O especialista enfatizou que a Caatinga possui cerca de 60% de cobertura vegetal, mas com diversos níveis de degradação, sendo o semiárido tropical mais populoso e biodiverso do mundo. Ele alertou para a crescente aridez e o déficit hídrico acentuado, ressaltando a vulnerabilidade da região frente às mudanças climáticas.

A Univasf estruturou um centro de investigação específico para a Caatinga, com núcleos de ecologia, manejo de fauna e herbário com mais de 280 mil espécimes, permitindo inventariar 1.610 espécies de plantas, incluindo 173 endêmicas e 16 ameaçadas, um aumento significativo em relação a 30 anos atrás. Renato Garcia Rodrigues destacou a relevância do licenciamento ambiental da transposição do São Francisco para o conhecimento da biodiversidade local e para o desenvolvimento de técnicas de recuperação e combate à desertificação, incluindo manejo de solo, barragens subterrâneas e tecnologias sociais.

Para finalizar, ressaltou que menos de 2% da Caatinga está protegida em unidades de conservação de proteção integral, reforçando a importância das universidades na conservação e monitoramento do bioma. Segundo o professor, sem a interiorização e os esforços científicos, grande parte da biodiversidade da Caatinga estaria sob risco sem sequer ser conhecida, evidenciando a relevância da Univasf para o conhecimento e preservação do semiárido brasileiro.

Bioma Amazônia

Leandro Juen, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), destacou os desafios de falar sobre a Amazônia, enfatizando sua dimensão gigantesca e a riqueza de sua biodiversidade. Ele lembrou que o Brasil abriga 69% da floresta amazônica, que concentra cerca de 10% da biodiversidade mundial. Juen ressaltou também a relevância dos serviços ecossistêmicos, como os chamados “rios voadores”, responsáveis por levar chuvas a outras regiões do país, e a produção de água doce, que corresponde a aproximadamente 20% do volume que chega aos oceanos. Além disso, enfatizou que a Amazônia é lar de cerca de 40 milhões de pessoas, incluindo mais de 300 etnias e línguas, cujas comunidades desempenham papel central na conservação do bioma.

O especialista alertou para os principais vetores de alteração da região, como pecuária, geração de energia, mineração, extração de petróleo, urbanização e contaminação ambiental, lembrando que o conhecimento científico ainda é limitado: apenas 55% do território possui dados disponíveis. Juen destacou o papel das 13 universidades federais amazônicas e o crescimento dos programas de pós-graduação, além da integração com povos originários e tradicionais, promovendo a formação de profissionais capacitados para atender às necessidades locais e reduzir desigualdades socioambientais.

Ele apresentou ainda a consolidação de redes de pesquisa como estratégia para superar limitações de recursos, fortalecer a produção de evidências científicas e disseminar conhecimento para as comunidades. Entre elas, citou o Centro Integrado da Sociobiodiversidade (CISAM), que reúne as 13 universidades federais da Amazônia e atua de forma colaborativa para reduzir assimetrias regionais, abordando oito eixos temáticos: biodiversidade, água, floresta, solo, clima, contaminação ambiental, saúde, oceanos, territórios e inovação socioeconômica.

Juen também destacou o Centro Avançado de Pesquisa e Ação da Conservação e Recuperação Ecosistêmica da Amazônia (CAPACREAN) e o INCT Amazônia, formado por 32 instituições, que realiza sínteses da biodiversidade para avaliar os impactos das mudanças climáticas. Por fim, ressaltou a importância da participação amazônica na COP30, mencionando a criação do movimento Ciência e Vozes da Amazônia, a publicação mensal de conteúdos em quatro idiomas e a realização de eventos durante a conferência, envolvendo todas as instituições parceiras.