
O Governo Federal deu um passo histórico para fortalecer o ambiente científico e de inovação no país com a regulamentação, no início de outubro, da Lei da Pesquisa Clínica. O novo marco legal garante segurança jurídica, proteção ampliada aos participantes e incentiva a produção de conhecimento e o desenvolvimento de novas tecnologias, colocando o Brasil em sintonia com os padrões internacionais.
A regulamentação valoriza o papel estratégico das universidades e dos mais de 900 Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) existentes no país, responsáveis por assegurar a integridade ética e a transparência dos estudos científicos. Com a nova lei, o tempo médio de análise de projetos será reduzido, tornando o sistema mais ágil e competitivo. Além disso, a norma consolida, em legislação formal, as práticas de análise ética construídas ao longo de mais de 30 anos de atuação do sistema CEP/Conep, fortalecendo o compromisso do país com a pesquisa responsável.
Entre 2023 e 2024, o Brasil registrou 254 estudos clínicos e mais de R$ 1,8 bilhão em investimentos em áreas estratégicas da saúde, como vacinas, medicina de precisão e oncologia. A expectativa, segundo o Ministério da Saúde, é que a nova regulamentação dobre o número de pesquisas e triplique os investimentos nos próximos anos, revertendo a tendência de queda observada desde 2022 e estimulando a cooperação com universidades, indústrias e instituições internacionais.

Para entender os impactos da lei e as perspectivas para o sistema de ciência e tecnologia em saúde, conversamos com a secretária de Ciência, Tecnologia, Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde do Ministério da Saúde, Fernanda De Negri.
Secretária, sabemos que houve um estudo de outras normas de ética em pesquisa utilizadas em outros países para inspirar a legislação brasileira. O que essa lei representa para o futuro da ciência e da inovação em saúde no Brasil?
Representa um passo histórico. Após a pandemia de Covid-19, países como China, Reino Unido, membros da União Europeia, Índia, Canadá e Estados Unidos reavaliaram seus marcos regulatórios de pesquisas clínicas, buscando aumentar a competitividade, estimular a inovação e facilitar o acesso a novas tecnologias.
O Brasil está entre os 20 países no ranking global de estudos clínicos, mas participa de menos de 2% da pesquisa clínica mundial. Temos potencial de estar entre os 10 países mais relevantes do mundo nessa área e a expectativa é que a nova legislação impulsione este crescimento.
Agora, o nosso país passa a ter um marco legal moderno e convergente com os padrões internacionais, que reforça a proteção dos participantes, a autonomia científica e a segurança jurídica para o desenvolvimento de novas terapias e medicamentos.
Isso significa mais condições para atrair estudos clínicos, formar pesquisadores, ampliar a produção de conhecimento e reduzir a dependência de tecnologias estrangeiras. Em última análise, é uma lei que coloca o Brasil entre os países com sistemas éticos mais robustos e participativos do mundo.
Boa parte das inovações que salvam vidas, como medicamentos, vacinas e terapias, chegam à população depois de passar pela pesquisa clínica. Como a regulamentação da lei contribui para o acesso de quem precisa?
Com as pesquisas realizada aqui, e o acompanhamento direto da Anvisa, o registro dos produtos poderá ser mais rápido e, com isso, os tratamentos chegarão logo aos brasileiros. É uma legislação que beneficia, por exemplo, pacientes com câncer, doenças raras e neurológicas, que muitas vezes aguardavam estudos realizados fora do país para acessar novos medicamentos.
Ela estabelece, de forma clara, responsabilidades, direitos e deveres para todos os atores envolvidos, instituições e participantes de pesquisa. Com isso, o Brasil passa a ter um sistema mais moderno, previsível e alinhado às boas práticas internacionais.
Quais as principais mudanças trazidas pela Lei?
A nova lei consolida princípios construídos pelo sistema CEP/Conep, como o respeito à vida humana e a integridade ética na pesquisa científica, além de estabelecer prazos mais ágeis para a análise dos projetos, tanto nos Comitês de Ética quanto na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O Estado, por meio da Instância Nacional de Ética em Pesquisa (Inaep), passa a ser responsável pela regulação da análise ética em pesquisa no Brasil, função antes exercida pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).
Coordenada pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Sectics), a Inaep editará normas sobre ética em pesquisa, credenciará e apoiará os Comitês de Ética em Pesquisa, e atuará como instância recursal na análise de projetos.
A composição será plural, com forte participação do CNS, da comunidade científica, selecionados via edital público, onde a experiência em Comitês de Ética será valorizada. Participam ainda representantes dos Ministérios da Saúde, da Educação, de Ciência Tecnologia e Inovação, da Anvisa e da Confederação de Fundações de Apoio a Pesquisa (Confap). Participantes de pesquisa também poderão integrar a Instância.
Essa diversidade e o fortalecimento institucional da ética em pesquisa tornam o sistema brasileiro mais moderno e transparente.
A senhora mencionou prazos mais ágeis para a análise dos projetos. Quais são os novos prazos de avaliação dos projetos?
Sim. Na prática, essas mudanças representam mais acesso a novos medicamentos, vacinas e demais tratamentos de saúde para a nossa população, além de atrair investimentos para o Brasil.
O novo modelo reduz de 180 para 30 dias o processo de avaliação dos projetos pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs). A avaliação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) será de até 90 dias úteis. Já as pesquisas estratégicas para o SUS e os casos de situações de emergências em saúde, serão avaliadas em até 15 dias úteis.
Além do prazo de 30 dias, o que muda para o funcionamento dos Comitês de Ética em Pesquisa?
Os CEPs são o coração da ética em pesquisa no Brasil e essa regulamentação reconhece o trabalho que as equipes já realizam há décadas, garantindo mais respaldo e estabilidade institucional. Esses Comitês permanecem fundamentais e são integrados ao Sistema Nacional de Ética em Pesquisa, atuando de forma autônoma e responsável, seguindo as normas e diretrizes estabelecidas pela Inaep e pela legislação, inclusive no que diz respeito ao cumprimento do prazo de 30 dias para as análises.
Os mais de 900 CEPs brasileiros serão mais qualificados, contando com o acompanhamento e suporte da INAEP, que atua de forma consultiva, normativa e fiscalizadora. Do ponto de vista de análise, a Inaep atuará apenas como instância recursal, eliminando a necessidade de dupla avaliação nos demais casos.
Os CEPs serão classificados em credenciados e acreditados. Os credenciados estarão habilitados para a avaliação ética de estudos de baixo e médio risco. Os CEPs acreditados serão habilitados para análises de pesquisas de alto risco.
Na composição das cadeiras na INAEP, os editais públicos de seleção irão priorizar a experiência prévia em Comitês de Ética em Pesquisa, reconhecendo a trajetória e a contribuição desses profissionais para o fortalecimento do sistema ético nacional.
Sabemos que os participantes de pesquisa terão agora garantida em lei a continuidade do tratamento por até cinco anos após o término da pesquisa. Isso é resultado de uma ação do Congresso Nacional, que derrubou o veto do presidente Lula. Como ficam os diretos dos participantes de pesquisa?
Seguindo diretrizes já consolidadas pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), a proteção os participantes está reforçada.
Nos casos de doenças graves e sem alternativas terapêuticas, pacientes que apresentarem benefício comprovado terão garantida a continuidade do tratamento por até cinco anos após o término da pesquisa, conforme plano aprovado pelo CEP.
A oferta do medicamento pode ser encerrada em situações como decisão do participante, cura, surgimento de alternativa terapêutica, ausência de benefício ou ocorrência de reação adversa grave.
A legislação também define regras específicas para pesquisas com grupos vulneráveis, como crianças, gestantes, povos indígenas e pessoas privadas de liberdade, assegurando tratamento ético diferenciado, medidas adicionais de salvaguarda e maior segurança.
Houve, ainda, definição clara das responsabilidades de pesquisadores, patrocinadores e instituições, fortalecendo o compromisso ético e jurídico com a integridade dos participantes. O patrocinador é responsável por indenizar eventuais danos decorrentes da pesquisa.
A participação em estudos está condicionada à autorização expressa do voluntário, ou de seu representante legal, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), redigido em linguagem simples e acessível.
O documento deverá ser novamente submetido aos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) sempre que houver novas informações que possam alterar a decisão de participação. O participante pode retirar seu consentimento a qualquer momento, sem necessidade de justificativa.
O Brasil tem uma população de 214 milhões de pessoas e grande diversidade genética e cultural. Qual é o papel do país no cenário mundial de pesquisa clínica e o que o Ministério da Saúde tem feito para fortalecer essa atuação?
O nosso país reúne condições únicas para atrair investimentos, gerar empregos qualificados e fortalecer a ciência e a soberania nacional. Ao estimular pesquisas com participantes brasileiros, garantimos que os medicamentos e tratamentos sejam desenvolvidos de forma mais adequada ao perfil da nossa população e às necessidades do SUS.
Nesse sentido, o Ministério da Saúde tem atuado para aprimorar o ambiente regulatório, fortalecer a ética em pesquisa e ampliar o investimento direto nesse campo. Entre 2023 e 2024, foram destinados mais de R$ 1,8 bilhão para estudos em vacinas, medicina de precisão, oncologia e outras áreas estratégicas da saúde.
Adotamos, ainda, medidas para ampliar as pesquisas nacionais, como as chamadas públicas, modalidade transparente de contratação de estudos. Em 2024, foram investidos R$ 263,8 milhões em 336 projetos científicos, envolvendo diversas instituições de ensino superior.
O Ministério da Saúde também elevou os investimentos anuais para cerca de R$ 500 milhões, além de aplicar R$ 643 milhões em novas plataformas tecnológicas, como RNA Mensageiro e terapia celular, voltadas ao desenvolvimento de biofármacos, biológicos, medicina inteligente e saúde digital, fortalecendo o Complexo Econômico-Industrial da Saúde e ampliando a autonomia científica e produtiva do país.