UFU cria alternativa para combater bactérias multirresistentes

Tecnologia pode ser aplicada em fármacos, próteses, cosméticos e outros produtos com maior durabilidade

Arte: Maria Clara Medeiros

Em abril, a Agência Intelecto e a Divisão de Divulgação Científica da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) anunciaram o início da Série Inovação – uma sequência de entrevistas quinzenais para apresentar pesquisadores e suas inovações. A UFU já tem mais de 800 registros de propriedade intelectual e hoje você conhece um deles.

Nesta primeira entrevista, conversamos com o pesquisador Carlos Ueira, professor do Instituto de Biotecnologia e diretor de Pesquisa da UFU. Ele e outros pesquisadores da UFU deram um passo significativo no desenvolvimento de uma nova tecnologia que utiliza bactérias isoladas de abelhas sem ferrão brasileiras para criar nanopartículas de prata. 

Tendo o potencial de combater bactérias multirresistentes, são uma alternativa promissora no combate a infecções difíceis de tratar. A técnica, chamada de síntese verde, descarta o uso de produtos químicos tradicionais, sendo mais sustentável e econômica.

A pesquisa propicia o desenvolvimento de novos produtos com aplicações diversas, como fármacos, próteses, shampoos, entre outros. As nanopartículas criadas por esse método são mais estáveis, o que permite que esses produtos permaneçam por mais tempo nas prateleiras de supermercados.

Confira a entrevista com o professor Carlos Ueira:

Qual é a área de aplicação principal dessa tecnologia?

Essa tecnologia pode ser utilizada na área da medicina humana ou veterinária. Essas nanopartículas têm atividade antibacteriana contra diversos grupos de bactérias. Podemos utilizar esse produto na formulação de shampoos, novos cremes e até mesmo fármacos para administração via oral.

Como foi o processo de desenvolvimento da tecnologia? Quais foram os principais marcos alcançados durante esse processo?

O que nós desenvolvemos foram nanopartículas de prata. E a grande novidade é que, para a síntese dessas nanopartículas, utilizamos bactérias isoladas de abelhas. Esse isolamento foi realizado ao longo da tese de doutorado de Ana Costa Santos, um trabalho que se estendeu por quatro anos.

Registros do alimentos larval das abelhas, utilizados na pesquisa. (Imagem: Ana Santos)

Ela isolou bactérias de abelhas sem ferrão brasileiras. São bactérias do nosso próprio bioma. Montamos um banco dessas bactérias no Laboratório de Genética. Para esse trabalho específico, ela selecionou um conjunto de 20 a 30 bactérias. Por meio de uma parceria com outros professores do Programa de Pós-Graduação em Genética e Bioquímica do Instituto de Biotecnologia, foi possível identificar bactérias capazes de secretar compostos antioxidantes. Foram encontradas duas bactérias com essa capacidade. A partir delas, extraímos essas substâncias e as utilizamos na síntese das nanopartículas de prata, chamamos esse processo de ‘síntese verde’. 

E ele resultou em partículas com atividade antimicrobiana comprovada contra bactérias multirresistentes, abrangendo tanto grupos gram-positivos quanto gram-negativos (nomes dados ao método para diferenciar composição e estrutura da parede celular das bactérias). Esse processo representa um avanço significativo na aplicação da nanobiotecnologia para o desenvolvimento de alternativas sustentáveis e eficazes no combate a patógenos resistentes.

Quais problemas ou necessidades a tecnologia busca solucionar?

O objetivo deste trabalho foi desenvolver nanopartículas de prata por meio de síntese verde, visando a criação de um novo produto com potencial aplicação no desenvolvimento de fármacos, próteses, shampoos, pomadas e outros produtos para o tratamento e combate de infecções causadas por bactérias multirresistentes (aquelas que desenvolveram resistência aos antibióticos).

Qual o aspecto inovador ou diferenciado na abordagem adotada por esta tecnologia em comparação com as soluções convencionais?

As nanopartículas são mais estáveis do que os compostos puros e podem permanecer por mais tempo nas prateleiras. Normalmente, as substâncias extraídas de plantas ou bactérias, quando purificadas e colocadas na bancada, têm um tempo de vida muito curto, algumas horas ou, no máximo, alguns dias. Quando essas substâncias são incorporadas em nanopartículas, tornam-se estáveis por anos, ou até mais. Além disso, somente o nosso grupo de pesquisa possui as linhagens de bactérias capazes de realizar o processo de síntese verde dessas nanopartículas.

Como a tecnologia pode impactar o mercado?

A demanda por novos compostos antimicrobianos eficazes contra bactérias multirresistentes tem aumentado globalmente, devido à escassez de opções terapêuticas disponíveis no mercado. Diante desse cenário, nosso produto surge como uma alternativa promissora para auxiliar no tratamento dessas infecções, contribuindo para a saúde da população e o enfrentamento da resistência bacteriana.

Qual é o estágio atual de desenvolvimento da tecnologia?

Essa pesquisa está no estágio de desenvolvimento 5, já migrando para o 6. O que significa isso? A gente já sintetizou, nós temos o composto, nós já fizemos a atividade disso em laboratório. Nós chamamos de teste in vitro. Então nós colocamos isso em contato com essas bactérias, e a gente viu que essas nanopartículas são capazes de matar as bactérias multidrogas resistentes. Agora nós vamos evoluir, nós vamos para um próximo estágio que é testar esse material em vivo. Então fazer um modelo de infecção em camundongo ou um modelo alternativo com drosofila melanogaster (espécie de mosca utilizada como um organismo modelo, principalmente em pesquisas de genética) e testar a atividade dessas nanopartículas nesses animais.

Por: Ramon de Oliveira (UFU).