UFRN pretende colocar o Rio Grande do Norte na órbita da inovação espacial

Imagine olhar para o céu e saber que, a 600 quilômetros acima da sua cabeça, um pequeno cubo de 30 centímetros está vasculhando o território em busca de respostas: a situação das bacias hidrográficas, onde estão os cardumes mais promissores para a pesca, como o clima anda afetando a agricultura e até o que se esconde debaixo da terra na chamada margem equatorial brasileira. Dizendo assim, parece enredo de filme de ficção científica, mas, por sorte, não é. Essa é a proposta da Constelação Potiguar, um projeto que coloca o RN na rota dos satélites e o Nordeste na mira de uma nova economia espacial.

Essa ideia vem ganhando forma por meio de um consórcio liderado pelo Parque Científico e Tecnológico Augusto Severo (PAX-RN), que reúne universidades — entre elas, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) —, centros de pesquisa, instituições públicas e representantes da indústria. Juntos, trabalham com um objetivo claro: lançar uma rede de nanossatélites que vai operar de forma integrada na órbita equatorial, ampliando a cobertura sobre o Nordeste e indo ainda mais longe.

Constelação de nanossatélites terá visada para todo o Nordeste e ao longo da Linha do Equador – Arte: ChatGPT

O nanossatélite abriga sensores, circuitos, transmissores e antenas. Ao orbitar a Terra, estabelece uma rede de dados que pode ser acessada por centros de pesquisa, empresas e órgãos públicos. A altitude de sua localização permite uma visada ampla, cobrindo toda a região Nordeste, podendo ainda coletar dados de outros pontos ao longo da Linha do Equador, com potencial de integração em redes internacionais.

Pensada para operar como infraestrutura científica, econômica, ambiental, de gestão e prevenção de desastres naturais e de segurança pública, a constelação pode fornecer dados para o monitoramento climático, ambiental, agrícola e até logístico. Os dados produzidos também serão estratégicos para a chamada Economia do Mar, setor que vem crescendo no Brasil e que ganha força com o Cluster Tecnológico Naval do RN, coordenado pela FIERN, que já está em diálogo com a Constelação Potiguar.

Proposta coloca o RN na rota dos satélites e o Nordeste na mira de uma nova economia espacial – Arte: ChatGPT

À frente dessa proposta está Olavo Bueno, diretor do PAX-RN, engenheiro que atuou por 10 anos no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e integrou a equipe que construiu os primeiros satélites brasileiros, o SCD-1 e o SCD-2. O projeto da Constelação Potiguar vai aproveitar a base estrutural já testada no INPE e na única constelação de nanossatélites lançada no Brasil, em Santa Catarina, embora oferecendo atualizações e melhorias feitas a partir da experiência acumulada pela equipe envolvida. “Estamos retomando uma tecnologia que é nossa, nacional, e adaptando-a a novos desafios, com um olhar voltado para o desenvolvimento regional”, afirma Olavo Bueno.

O professor Douglas do Nascimento Silva, da Escola de Ciência e Tecnologia (ECT/UFRN), é um dos cientistas envolvidos na realização desse projeto. De acordo com o pesquisador, a UFRN participa ativamente na pesquisa e na montagem dos nanossatélites, contando com o suporte do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Aeroespacial (PPGEA/UFRN). “Além de fortalecer a ciência e a inovação, a iniciativa pretende viabilizar a produção local desses sistemas, reduzindo a dependência de equipamentos importados e impulsionando a criação de startups na área”, reforça.

Projeto é coordenado pelo PAX-RN

A expectativa, ainda segundo Douglas, é que o Rio Grande do Norte se torne um polo de desenvolvimento tecnológico, onde dados gerados pelos satélites possam ser trabalhados por instituições brasileiras, evitando que fiquem restritos a empresas estrangeiras. “O potencial energético da região também é visto como um fator estratégico para integrar e expandir essa nova economia espacial”, completa Douglas.

E por que realizar isso no RN? 

A resposta está na geografia e na infraestrutura. O estado possui uma posição privilegiada, próximo à linha do Equador, o que torna os lançamentos mais eficientes. Além disso, abriga o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI), que tem potencial, a partir desse projeto, de se tornar uma nova base de lançamento de satélites no país.

O Centro de Lançamento da Barreira do Inferno é estratégico para o projeto – Foto: Ascom/FAB

O Rio Grande do Norte conta ainda com um ecossistema emergente de inovação, reunindo universidades públicas (UFRN, UFERSA, UERN, IFRN), a Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (EMPARN), o setor industrial articulado pela FIERN e órgãos estratégicos, como a Marinha e a Defesa Civil. A presença do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), com uma base instalada no campus central da UFRN, e da Agência Espacial Brasileira (AEB) reforça esse ambiente dinâmico.

A partir das articulações do PAX, essas instituições formam um consórcio raro, onde ciência, tecnologia e Estado convergem para impulsionar o desenvolvimento espacial e tecnológico do país. Do ponto de vista tecnológico, a proposta é ambiciosa – e não apenas pela capacidade de lançar satélites. Ela prevê o fortalecimento de um cluster aeroespacial no Rio Grande do Norte, capaz de fomentar startups, atrair empresas do setor, gerar empregos qualificados e estimular a formação de novos profissionais. “Queremos gerar impacto aqui, com dados que sirvam à pesquisa, mas também ao desenvolvimento de soluções concretas para os desafios do semiárido, da costa e das cidades”, reforça Olavo Bueno.

Investimento

A estimativa é que o investimento total alcance R$ 36 milhões em seis anos, com recursos provenientes de fontes públicas e privadas, nacionais e internacionais. Já existem parcerias em andamento com empresas estrangeiras especializadas em nanossatélites, e alguns contratos dependem apenas da finalização do Procedimento para Seleção e Adoção de Missões Espaciais (ProSAME), conduzido pela Agência Espacial Brasileira (AEB). A previsão é que esse processo seja concluído até o segundo semestre de 2025, permitindo que o primeiro satélite seja lançado em até dois anos.

Mas, antes de ir para o espaço, o projeto precisa ganhar forma aqui na Terra. Por isso, nos dias 29 e 30 de maio, acontece o 1º Workshop da Constelação Potiguar, evento que marca oficialmente o início da fase operacional do projeto. O encontro reunirá especialistas, gestores, empresas e pesquisadores para discutir desafios e consolidar as próximas etapas. Mais do que um lançamento técnico, o workshop representa um marco simbólico: o momento em que a iniciativa deixa o papel e começa a orbitar as agendas de inovação do país.

A constelação ainda está no papel, mas já lança luz sobre o futuro da ciência brasileira. E, desta vez, com um detalhe importante: o protagonismo vem do Nordeste.

Por Paiva Rebouças – Sala de Ciência-Agecom/UFRN