Investir nas universidades é investir em soberania, diz reitor da UFRJ

Em entrevista à TV 247, Roberto Medronho defende recomposição do orçamento, permanência estudantil, parcerias com empresas e cooperação Sul-Sul

Roberto Medronho, reitor da UFRJ (Foto: Divulgação)

A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) vive uma fase de recomposição e reposicionamento estratégico após anos de subfinanciamento e os impactos da pandemia. Em entrevista à TV 247,conduzida pelo jornalista Leonardo Attuch, o reitor Roberto Medronho afirmou que “investir nas universidades é investir em soberania” e detalhou como a instituição tem articulado políticas de permanência estudantil, inovação e cooperação internacional para alavancar ciência, tecnologia e inovação no país.

Logo no início, Medronho descreveu a herança de cortes orçamentários, intensificados após o golpe de Estado contra Dilma Rousseff, e destacou a retomada com o atual governo. “Felizmente, nós tivemos no governo Lula o início da recomposição orçamentária”, disse. Segundo ele, o orçamento operacional da UFRJ hoje gira em torno de R$ 406–411 milhões, mas o patamar mínimo adequado seria “no mínimo de R$ 780 milhões”.

Permanência estudantil e inclusão transformadora

Medronho sublinhou que as ações afirmativas e a expansão de vagas mudaram o perfil da universidade, tornando-o semelhante ao da sociedade brasileira. “As ações afirmativas foram uma das maiores políticas de inclusão social que eu já conheci”, disse. Para sustentar essa inclusão, a UFRJ ampliou a assistência: “Nós gastamos 40 milhões de alimentação… tem muitos que não pagam nada e os demais pagam R$ 2”, relatou, ao mencionar a implantação do café da manhã para evitar evasão. “Entrou nessa universidade, só vai sair com canudo na mão.

Sem abandonar sua missão formativa, a UFRJ busca maior integração com o setor produtivo. “A primeira e grande missão [da universidade] é formar cidadãos… Mas precisamos ter um modelo de desenvolvimento nacional com o setor produtivo”, afirmou. Ele citou pesquisa de ponta com potencial disruptivo, como a polilaminina, estudada pela professora Tatiana Sampaio, em parceria com a indústria nacional: “Se essa molécula for exitosa… é feito para prêmio Nobel.”

Petrobras, Margem Equatorial e transição energética

A parceria histórica com a Petrobras foi apresentada como exemplo de soberania tecnológica: “Graças à interação do centro de pesquisa da Petrobras com os nossos pesquisadores… hoje o Brasil é maravilhoso em águas profundas e ultraprofundas.” Sobre a Margem Equatorial, Medronho ressaltou os estudos de modelagem realizados pela COPPE/UFRJ e a cultura de segurança da estatal: “A Petrobras tem uma expertise… de fazer com muita segurança.” Para ele, a exploração, feita com rigor, pode financiar a transição energética: “Sem dinheiro a gente não faz transição energética.”

Ao recordar a corrida por respiradores, Medronho narrou uma oportunidade perdida: “O consórcio Nordeste comprou 600 respiradores da China… o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, falou: ‘Opa, isso não vai pro Brasil, é questão de segurança nacional’, [e] confiscou.” A UFRJ chegou a desenvolver um protótipo nacional aprovado em testes iniciais, mas “naquele momento não teve nenhuma empresa que quisesse investir”.

A inteligência artificial já impacta ensino e pesquisa, exigindo política própria e infraestrutura local. “A IA hoje é um imperativo de soberania nacional”, disse, defendendo nuvens e dados no Brasil. Ele alertou, contudo, para um efeito colateral: “Meu medo é a pessoa deixar de pensar… A pergunta bem feita já é grande parte da tese.” Ao relatar competições internacionais de hacking, apontou o potencial de empreender em cibersegurança: “Esses meninos podiam abrir uma empresa de cibersegurança e explodir.”

Cooperação internacional: BRICS e Sul Global

A UFRJ tem reforçado laços com África e BRICS. “Nós criamos o fórum dos reitores dos BRICS… assinamos 300 acordos de cooperação”, contou. Um novo mestrado trilateral em economia digital, com Universidade de Pequim e Universidade Estatal de Moscou, está em montagem: “O aluno vai ficar um ano aqui, um ano na China e um ano na Rússia.” Medronho também citou a função da UFRJ como “embaixada para educação e ciência” da Associação das Universidades Africanas na América Latina.

Sobre as universidades chinesas, o reitor foi taxativo: “Todas são absolutamente fantásticas… funcionam praticamente 24 por 7.” Para ele, a articulação entre Estado, academia e empresas explica o avanço acelerado: “As universidades estão ligadas a todas as empresas chinesas que hoje estão bombando.”

Investimentos privados, parque tecnológico e novas parcerias

Medronho relatou a atração de centros de P&D estrangeiros para o Parque Tecnológico da UFRJ. “A CNOOC vai implantar uma área de inovação para energia eólica offshore… A PetroChina já está lá financiando pesquisa de alta ponta.” Ele defendeu superar preconceitos entre setores público e privado: “Quando você junta os setores produtivos com a inteligência das universidades, isso explode.”

Para acelerar obras acadêmicas e laboratórios, a UFRJ modelou, com o BNDES, a alienação de 11 pavimentos no edifício Ventura, no centro do Rio, em troca de investimentos diretos em infraestrutura universitária. “Eles não vão pagar em dinheiro, vão pagar em obras… prédios acadêmicos, laboratórios de ponta, salas de aula fantásticas para o nosso alunado.” Segundo o reitor, isso dribla gargalos de licitação e amarrações orçamentárias, garantindo celeridade e segurança jurídica.

Valorização docente: orgulho de ser professor

O reitor elogiou a agenda recente de valorização do magistério: “Agora o professor vai ter uma carteira de professor… Eu tenho orgulho de ser professor.” Também celebrou iniciativas como habitação para docentes no Minha Casa, Minha Vida e o programa Mais Professores.

Atendendo a um pedido do presidente Lula para que as universidades apresentem projetos, Medronho antecipou duas frentes. A primeira, “Cidades do Saber”, prevê moradias estudantis na Ilha do Fundão, com custeio garantido pela realocação do auxílio moradia: “É uma cidade universitária verdadeiramente.” A segunda busca destinar uma fração de um próximo leilão do pré-sal à recuperação do patrimônio físico da UFRJ: “Investir na universidade que ajudou a criar o pré-sal.”

Para além do orçamento, a meta é ampliar impacto social, científico e econômico: “A universidade é um dos principais locais de transformação social, de ascensão social.” Em tom de síntese, Medronho reafirmou: “A soberania hoje no mundo atual é ciência, tecnologia e inovação… Enquanto estivermos dependentes do que é produzido no exterior, nós nunca seremos um país soberano na sua plenitude.” Assista:

Fonte: Brasil 247