Expedição científica registra megadunas submarinas, cânions gigantes e enorme biodiversidade no fundo do mar amazônico  

“É como se fossem os Lençóis Maranhenses, mas debaixo d’água”, é assim que o professor Eduardo Paes, da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) descreve o registro pioneiro de um campo de dunas submarinas de 10 metros de altura e que alcançam várias milhas paralelas à costa amazônica. O registro científico é um dos resultados inéditos encontrados por pesquisadores a bordo do Ciências do Mar II, uma expedição científica nacional liderada pela Ufra na região Norte. Coordenada pelo professor Eduardo Paes, o objetivo é mapear e estudar de forma aprofundada a biodiversidade existente na chamada “Amazônia azul”, como é chamada a extensão de quilômetros de mar amazônico que vai do Amapá ao Piauí.

O navio Ciências do Mar II faz parte de uma frota nacional de quatro embarcações idênticas, parcialmente financiadas pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia -Biodiversidade da Amazônia Azul (INCT-BAA) criado através de um edital do CNPq. As quatro embarcações foram adquiridas pelo Ministério da Educação em parceria com a Marinha Brasileira com o objetivo de apoiar o ensino e as pesquisas em Ciências do Mar. Pela primeira vez, esses quatro navios realizaram os cruzeiros no mesmo período, com a mesma metodologia, mesmo tipo de coleta de dados, imagens de satélite, medidas de corrente, coletas de água, em toda a costa brasileira.

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Jardim de esponjas no fundo do mar amazônico

Essa foi a primeira expedição científica do Ciências do Mar II pelo projeto do INCT-BAA e ocorreu de 24 de outubro a 07 de novembro, partindo de Belém. Em 15 dias no mar amazônico, os pesquisadores também registraram um jardim de esponjas centenárias e cânions gigantes. Tudo embaixo da água. Tudo ainda novo para a ciência.

O “Campo de Megadunas”

Para o professor Eduardo Paes, doutor em oceanografia, um dos registros mais impactantes foi a identificação de um vasto campo de dunas submarinas. “Nós apelidamos de megadunas, são formações ativas, movendo-se não pelo vento, mas pela força de marés altíssimas características da região, já que a Amazônia azul é uma região de macromarés”, explica.

Com equipamentos de hidroacústica de última geração e câmeras de alta precisão, os resultados são uma série de registros que vão preencher lacunas deixadas por cartas náuticas antigas. Segundo o pesquisador, toda a equipe ficou impressionada com os resultados obtidos pelos aparelhos.

“É uma novidade para todos nós. Por isso fizemos o possível para mapear, ainda de maneira piloto, mas para alertar que os estudos que vierem daqui para a frente têm que se ocupar de estudar esse ambiente, que é muito interessante. Na borda dessas dunas se aglomeram cardumes de peixe”, alerta.

Ele diz que existem menções à dunas no Piauí, que são relíquias. “Agora, desse tamanho e ativas dessa magnitude não tem em lugar nenhum, nem na carta náutica”, diz. De acordo com o Centro de Hidrografia da Marinha Brasileira, as Cartas Náuticas são documentos cartográficos que resultam de levantamentos de áreas oceânicas, mares, baías, rios, canais, lagos, lagoas, ou qualquer outra massa d’água navegável e que se destinam a servir de base à navegação.

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Mapeamento vai auxiliar pesquisas futuras na Amazônia Azul

Além da geologia, a expedição se deparou com o que chamou de “estação de tratamento”, algo já registrado em mares do Caribe, Austrália e outras regiões brasileiras. Segundo o pesquisador, nas bordas dessas dunas, a equipe observou cardumes e uma quantidade inusitada de rêmoras solitárias. “Rêmoras são peixes conhecidos por se fixarem em tubarões e outros grandes animais marinhos. Rêmora é um peixe que come os parasitas dos outros”, diz. Segundo o pesquisador, a presença desses animais parados nas dunas sugere a existência de uma espécie de “estação” ou acoplamento.

Ele explica que esse é um fenômeno já documentado em recifes de corais, mas nunca em um ambiente de dunas dessa forma. “Uma das hipóteses é que esse ambiente seja uma estação em que as rêmoras ficam paradas lá esperando os tubarões para grudarem neles. Ainda é uma hipótese que precisa ser melhor investigada”, diz.

Cânions Gigantescos

Outra surpresa foi o rastro deixado por antigos rios no fundo do mar. Esses rios ajudaram a escavar a plataforma continental e formaram cânions gigantescos, que não constavam nos mapas. Em um dos trechos, a profundidade saltou abruptamente de 100 metros para 600 metros. Diferente de outras partes da costa brasileira, onde esses canais antigos foram cobertos por sedimentos, na Amazônia eles permanecem abertos devido à dissolução do carbonato de cálcio presente na região, criando vales submarinos ricos em peixes e corais.

De acordo com o professor, toda a costa brasileira tem um degrau, tem uma plataforma, onde ela afunda. “Na beira chama-se talude. Na beira desse talude, em vários lugares, tem esses cânions antigos. Só que a gente viu que esses cânions amazônicos vão ainda bem para dentro, enormes. E o que tem lá dentro? Muitos peixes e corais. É uma biodiversidade absurda, que também não sabíamos da existência disso”, diz.

Necessidade de mais investimentos

No mapeamento também foi encontrado um Jardim de esponjas centenárias, além de um campo de rodolitos, que são algas calcárias que parecem pedras. “Parece uma pedrinha, mas está viva, cresce e vai adquirindo calcário”, diz. “Coletamos muito material, que será registrado e analisado. Como o mar amazônico ainda é pouco estudado, é possível que, inclusive, tenhamos coletado novas espécies que ainda não tem registro”, diz.  O material servirá de base para artigos e publicações científicas, que podem incentivar o financiamento de ainda mais pesquisas na região.

“Sabemos que conhecer o Mar Amazônico não é simples e nem barato. Não dá para pôr uma mochila nas costas e fazer uma trilha no mar. Em alto mar não é possível ir com barcos pequenos, porque é perigoso, há muitas correntes. Não é qualquer barco e não é qualquer cientista. Por isso nós precisamos de cientistas especializados no mar. Os cientistas de alto nível que a Amazônia tem são mais especializados na floresta, na Amazônia verde e suas populações. O que é importantíssimo. Mas o mar também é absolutamente surpreendente”, diz.

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Equipe também reúne pesquisadores e alunos de outras instituições brasileiras

Para o pesquisador, há uma interdependência vital entre a floresta e o oceano, e ambos são essenciais para a vida no planeta. Ele descreve o mar amazônico como o “irmão azul” da floresta verde. “O mar é o irmão siamês da floresta. Existe o irmão verde e o irmão azul. E eles estão colados um no outro e um depende do outro”, afirma.

Próximas navegações

Ainda estão previstas mais três expedições científicas a bordo do Ciências do Mar II na região Amazônica. A próxima viagem deve ocorrer entre abril e maio de 2026, durante o “máximo da pluma”, após o período de chuvas, para capturar a dinâmica do oceano sob influência máxima das chuvas amazônicas. As outras expedições ainda não possuem data definida.

Texto: Vanessa Monteiro, jornalista, Ascom Ufra

Fotos: INCT-BAA e Rodrigo Moura (UFRJ)