Cotas na universidade

A aprovação do projeto que cria reserva de vagas para alunos de escolas públicas em instituições federais de ensino superior e de educação técnica acerta no diagnóstico, mas erra na prescrição do tratamento. Nada mais justo que estudantes socialmente menos privilegiados tenham acesso às faculdades de ponta do país. É nelas que se ministram o melhores cursos e é delas que saem os profissionais de que o mercado precisa.

Os formados pelas universidades públicas abocanham as melhores vagas e embolsam os melhores salários. A boa formação é, pois, o caminho seguro para a ascensão social. Salvo casos excepcionais, em que o fator sorte ou desvio de padrão prevalece, é a qualificação que fornece a base para a pessoa exercer o direito de disputar, em condições de igualdade, as ofertas que a sociedade oferece. Os barrados das boas universidades são barrados dos bons empregos.

Ocorre, porém, que o remédio ataca os sintomas sem preocupar-se com a causa. Dá um comprimido para baixar a febre, mas ignora a enfermidade que motivou a elevação da temperatura. O resultado imediato pode ser bom. O doente melhora, dá a impressão de que recuperou a saúde e não há mais nada a temer. Satisfeito, acomoda-se. Aí é que reside o perigo. Enquanto isso, o mal silencioso avança e cava abismos cada vez mais profundos no organismo social.

O antipirético é, sem dúvida, o caminho mais imediato e mais fácil. É necessário para debelar a crise, mas não suficiente. Impõe-se pôr o dedo na ferida. O tumor concentra-se no ensino básico. É no nível fundamental e médio que se prepara o universitário capaz de compor a elite nacional. A lei natural das coisas pressupõe começar a subir a escada pelo degrau inferior. Chega-se ao topo graças a pequenas vitórias em batalhas sucessivas. Sem isso, corre-se o risco de atingir o cume sem ter percorrido a trilha que cimenta a base.

É importante começar pelo começo — oferecer à população ensino público de qualidade. Há quase quatro décadas o Brasil abraçou a causa de democratizar o acesso à escola. Teve êxito parcial. Hoje, a matrícula de crianças de 7 anos atinge 97% da população. Mas a qualidade não acompanhou a quantidade. O país, que obteve sucesso na oferta de ensino para todos, fracassou no item excelência. A escola é para todos, mas o conhecimento mantém-se restrito aos que podem pagar por ele.

Já passou da hora de alargar as portas do saber. Elas não estão na universidade. Estão na pré-escola e na escola básica. Fechar os olhos para essa realidade significa bancar o avestruz. Fingir-se de cego tem preço. Ao jogar a semente do atraso, colhe-se o subdesenvolvimento. Nesse terreno, não há milagres. Nem loterias.

(Correio Braziliene – Opinião – 24/11/2008)