UFSJ pesquisa uso de canabinoides para tratamento medicinal

A Universidade é a primeira a receber autorização da Anvisa para cultivo de Cannabis in vitro

Com o objetivo de obter canabinoides – compostos presentes na maconha (Cannabis sativa) – para o tratamento de doenças, a Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) foi a primeira instituição nacional a obter autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o cultivo de células e tecidos desta planta.

A pesquisa é desenvolvida pelos professores Joaquim Mauricio Duarte Almeida, do curso de Farmácia da UFSJ, e Vanessa Cristina Stein, do curso de Bioquímica. O cultivo, que acontece in vitro (as sementes são semeadas em uma solução nutritiva dentro de tubos de vidro de laboratório), só foi possível devido à colaboração do Delegado Regional da Polícia Civil de Divinópolis, Leonardo Pio, que, com autorização judicial, fez a doação de sementes apreendidas na região.

A professora e coordenadora do Laboratório de Biotecnologia Vegetal, Vanessa Stein, explica que “os canabinoides extraídos possuem atividades em doenças como epilepsia refratária, esclerose múltipla, anorexia e outras doenças relacionadas ao sistema nervoso”.

O cultivo começou no início do mês de outubro, e o projeto de pesquisa terá parceria de outros grupos de estudo e pesquisa da UFSJ, em tratamento de neuropatias. Stein conta que o projeto de pesquisa foi submetido à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e aguarda os resultados do edital.

O professor de Farmacognosia, Joaquim Almeida, conta que pesquisas similares já foram desenvolvidas no exterior, mas que nem todas conseguiram resultados positivos. “Estamos propondo novas estratégias para obtenção destes compostos baseado na biotecnologia, especialidade da professora Vanessa Stein”. No Brasil, pesquisas com Cannabis têm sido desenvolvidas desde os anos 50 pelo professor da Unifesp José Ribeiro do Vale e, posteriormente, Elisaldo Carlini. Joaquim trabalhou com o professor Carlini durante o seu pós-doutorado na Unifesp e nesta época iniciou suas pesquisas com drogas vegetais com atuação no sistema nervoso. “Pensei em poder contribuir com a pesquisa nacional pois, todo o material utilizado por estes pesquisadores foram ou são importados de outros países, como a Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha”.

A tese da doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas e Biotecnologia da UFSJ, Alessandra Moraes Pedrosa, também segue nessa linha. Ela estuda a “Utilização de canabinoides obtidos a partir de cultivo in vitro de Cannabis sativa no tratamento de Neuropatias”, com orientação do professor Joaquim e da professora Ana Hortência Fonseca Castro. A autorização da Anvisa beneficia a pesquisa de Alessandra, pois, sem essa autorização, o projeto ficaria dependente da importação dos tecidos, atrasando os experimentos e, por consequência, os resultados.

A utilização de derivados da Cannabis em tratamento de doenças tem mostrado bons resultados que não se aplicam somente às neuropatias, informa a doutoranda. “Há estudos relatando que eles podem ser utilizados para insônia, no tratamento de câncer e de diabetes; também como antibiótico e analgésico, mas é importante ressaltar a necessidade de mais estudos para a comprovação dos dados. Ainda há muito o que se pesquisar nas áreas de toxicologia e de farmacocinética para que tenhamos mais segurança da utilização dessas substância”.

Em 2014 o Conselho Federal de Medicina autorizou a prescrição médica do canabidiol (um dos canabinóides presentes no tecido da Cannabis) para o tratamento de crianças e adolescentes resistentes aos tratamentos convencionais de epilepsia.

Entre 2015 e 2016 a Anvisa removeu tanto o canabidiol (CBD) quanto o tetraidrocanabinol (THC) da lista de substâncias perigosas e as regulamentou. No início do ano, aprovou a comercialização sob prescrição do Mevatyl, o primeiro medicamento à base de CBD e THC para o tratamento de esclerose múltipla. A droga já é aprovada em outros 28 países, incluindo Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Dinamarca, Suécia, Suíça e Israel, onde é conhecido por Sativex.

O uso da maconha medicinal é tema de debate em vários lugares ao redor do mundo. Na América Latina, o Chile possui a maior plantação legal da erva: são mais de 6.900 mudas destinadas ao desenvolvimento de medicamentos para o tratamento de pacientes com doenças cancerígenas, epilepsia e mal de Parkinson. O cultivo conta com o apoio da Universidade de Valparaíso, o Instituto do Câncer do Chile e hospitais da rede pública na realização de pesquisas a fim de desenvolver medicamentos. Outros países latinos como a Colômbia e o Uruguai também têm políticas para o cultivo de maconha para fins medicinais.