UFRA – Os desafios para a mulher na Amazônia

Entre a população adulta brasileira, as mulheres já são a maioria com ensino superior completo. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 23,5% das mulheres com 25 anos ou mais concluíram o nível superior, enquanto o número cai para 20,7% entre os homens na mesma faixa de idade. Mesmo assim, elas ganham, em média, 25% a menos em relação ao salário deles, e ainda precisam dedicar mais horas aos afazeres domésticos não remunerados.

Historicamente, questões que envolvem mercado de trabalho, educação e violência representam alguns dos maiores desafios para as mulheres nas sociedades. Mas, se a desigualdade de gênero ainda é uma realidade para as mulheres que vivem no meio urbano, o problema é ainda mais flagrante para quem vive no campo. Buscando uma maior compreensão dessa realidade no âmbito local, foi criado, em 2018, o Grupo de Pesquisa em Relações de Gênero e Ruralidades na Amazônia, na Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra). O grupo foi cadastrado junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e suas atividades tiveram início em 2018. Fazem parte dele professores, técnicos, alunos e ex-alunos da Universidade.

De acordo com a Professora Ruth Cristo Almeida, o objetivo principal do grupo é pensar, discutir e analisar o papel das mulheres e sua “invisibilidade” no meio rural.  “A ideia é trabalhar com a pesquisa agregada à extensão, abordando aspectos como organização social, violência, cidadania e, principalmente, a questão produtiva.  Essas mulheres, na maioria das vezes, não se dizem trabalhadoras, mas, sim, ‘ajudantes’ dos maridos ou dos filhos”, destaca. “Já tivemos avanços na questão fundiária porque antigamente os nomes das mulheres não podiam constar nos títulos de terras, e isso as impedia de acessar recursos públicos”, exemplifica a professora.

Para a professora Luciane Soares, do Campus da Ufra em Tomé-Açu, na agricultura sempre se mostra o trabalho do homem, pois é ele quem fica responsável por externalizar o resultado da produção e, normalmente, também administra as finanças da família. Uma pesquisa nacional da Associação Brasileira de Agroecologia, no entanto, tem ajudado a compreender e mensurar o valor do trabalho da mulher no campo. “Um dos resultados mais interessantes é que esse valor é relativamente alto. Temos uma média de um salário mínimo de produção feita especificamente pela mulher, que é circulado dentro da família. São trocas, produtos doados, trabalhos internos associados ao trabalho do homem, pequenas criações, hortaliças etc., produções que complementam a renda familiar, mas que não têm um valor financeiro mensurado pelo mercado”. Ela destaca que essa é uma característica marcante da Amazônia porque, de forma geral, as áreas rurais são muito maiores do que as áreas urbanas na região.

Outro foco do grupo de pesquisa da Ufra é pensar questões de gênero dentro da Universidade. “Hoje a Ufra é uma instituição com cursos nas diversas áreas do conhecimento, mas ainda temos uma grande estrutura de ciências agrárias. Temos cursos que antigamente eram quase totalmente masculinos e hoje vemos que ou estão equiparados ou já possuem mais mulheres nas turmas”, diz Ruth Almeida.

No curso de Zootecnia, por exemplo, ofertado nos Campi Belém e Paragominas, mais de 60% dos 435 alunos regularmente matriculados são mulheres. No caso de Medicina Veterinária Campus Belém, as alunas representam quase 70%. Já o curso de Agronomia, o mais antigo da instituição e ofertado em cinco dos seis Campi, é composto atualmente por 52,6% de homens e 47,4% de mulheres. Do total de 8.197 alunos de graduação da Universidade, 51,7% são mulheres. “No entanto, os problemas enfrentados por essas alunas em termos de machismo ainda são grandes, especialmente no campo, ao lidar com o trabalhador homem, com as empresas etc.”, alerta a professora.

Trabalho conjugado – A pesquisadora avalia que os desafios para as mulheres ainda são grandes e que não é possível combater um problema isoladamente. “A gente luta por uma série de direitos e a perspectiva que nós trabalhamos aqui na Ufra é a da interseccionalidade: não adianta trabalhar só a renda, que está muito ligada à questão de classe social, se não trabalharmos a questão racial também. É um processo longo porque você ataca a questão produtiva, mas percebe que tem também a questão educacional, a questão cultural, a questão do machismo e assim por diante. Trazer esses temas para debate dentro da universidade é muito importante. É o que vai fazer a diferença”, explica.

Casa e trabalho – De acordo com Luciane Soares, um dos desafios recentes mais relevantes tem a ver com a saída da mulher do âmbito da casa e sua entrada ativa no mercado de trabalho. “É preciso deixar claro que não é que a mulher nunca trabalhou, mas, sim, que ela sempre trabalhou dentro da casa e, no caso das mulheres negras, estas sempre trabalharam servindo as casas como empregadas. De forma geral, nós sempre trabalhamos, mas nunca adentramos o mercado tal como vemos hoje”.

Nesse contexto, ela acredita que a sociedade ainda tem dificuldade em compreender as peculiaridades e necessidades da mulher no âmbito do trabalho. “Vemos a maioria dos espaços de trabalho, de estudo e também de lazer sempre estéreis no sentido de não adaptação para as mulheres que têm filhos, para as que andam com crianças. São sempre espaços específicos de homens e mulheres, como se nós não tivéssemos essa carga”, alerta.

Luciane Soares, que faz parte do Grupo de Trabalho da Associação Brasileira de Agroecologia – GT de Gênero, também aponta a competição desigual no mercado. “No momento das disputas por cargos de trabalho, nós sempre somos tratadas como se competíssemos de forma igual. Mas nós não somos iguais; homens e mulheres têm necessidades e características muito distintas. A sociedade patriarcal não consegue ver isso, mas, por outro lado, nos cobra isso como diferença”, afirma. “A gente entrou no mundo da rua, mas não deixou o mundo da casa, e precisa conciliar essas questões. Estamos acumulando várias funções”, complementa a Profa. Ruth Almeida.

Ambas as pesquisadoras destacam, ainda, como uma das questões mais desafiadoras a violência. “Estamos falando de várias violências, não só a doméstica”, diz Ruth Almeida. Para Luciane, a violência contra a mulher sempre existiu, porém está se tornando cada vez mais visível. “Hoje nós temos caracterizado e mensurado de forma mais efetiva essa violência, por isso que ela parece ter aumentado. Nós temos tentado visibilizar as diferentes formas de violência que a mulher sofre, principalmente no âmbito familiar”.

A grande questão, diz, é adentrar esse âmbito privado e encontrar espaços de denúncia “que realmente levem a mulher a sério e que entendam essa violência como violência”: “O que nós temos é uma pequena quantidade de delegacias da mulher, que não conseguem atender à grande demanda de mulheres que chegam para fazer certas denúncias. Os outros espaços de denúncia não especializadas não estão preparados para receber esse tipo de demanda. Em vários países a gente vêm essa perspectiva e no Brasil a gente vê isso de forma bem clara”.

Apesar dos muitos e variados desafios, as mulheres vêm galgando seu espaço e conseguindo avanços nos diversos âmbitos da sociedade. “As mulheres têm ocupado mais cargos de gestão, e isso é um avanço, sem dúvida. Anos atrás as mulheres não estariam em cargo de pró-reitoria, de vice-reitoria”, diz a Profa. Ruth Almeida, exemplificando o caso da própria Ufra. Nos órgãos públicos brasileiros, de maneira geral, no entanto, ela opina que ainda é necessária uma maior participação feminina nos cargos de decisão.

Números da Ufra – Dos 1.198 servidores ativos da Universidade, 526 são mulheres, entre professoras e técnicas, número que representa 43,9% do total, de acordo com dados do Ministério da Economia referentes ao mês de janeiro de 2019. Entre os cargos comissionados e funções gratificadas da instituição, 44,1% estão sendo ocupados atualmente por mulheres.

Semana da Mulher da UFRA:

Para discutir algumas destas e outras questões relevantes em celebração ao Dia Internacional da Mulher, a Ufra irá realizar uma vasta programação entre os dias 11 e 15 de março de 2019, nos Campi Belém, Capanema e Parauapebas. A programação contará com rodas de conversa, oficinas, exposição de fotos, intervenção temática, ações preventivas de saúde, exibição de curtas metragens, bate-papos e programação cultural. A Semana da Mulher da UFRA é voltada a acadêmicos, professores, técnicos e colaboradores da Universidade, além do público externo.

O evento é uma promoção conjunta de diversos setores da instituição e tem como objetivo disseminar os conteúdos relativos à inclusão, com foco na superação da violência, do preconceito e da discriminação contra a mulher, por meio de atividades educativas, de promoção e defesa dos direitos humanos na Ufra.

Confira a PROGRAMAÇÃO.