UFLA – Pesquisadores alertam para riscos da expressão de sentimentos nas redes sociais

Aplausos, “caras” de emoção e também de irritação multiplicam-se em plataformas como Facebook, WhatsApp e Instagram, chamando atenção para uma prática cada vez mais comum: a expressão de sentimentos nas redes sociais. Apesar de serem a face mais visível desse fenômeno, os emojis podem ser considerados sua manifestação mais superficial. Textos, imagens, vídeos e até mesmo detalhes escondidos nas entrelinhas de uma publicação também podem revelar emoções e características pessoais dos sujeitos. Por exemplo, segundo o professor de Psicologia da UFLA Renato Ferreira de Souza, “o que a pessoa ‘posta’, em qual rede social e com qual frequência são fatores que permitem compreender qual é o perfil psicológico e emocional da pessoa que ‘se revela’ nas entrelinhas da rede de computadores”.

Mas o que motiva as pessoas a exporem seus sentimentos em um ambiente público diversificado, que conecta desde amigos próximos até curiosos? Embora não seja possível identificar uma motivação única, o professor Renato destaca a necessidade das pessoas buscarem reconhecimento social. “As pessoas desejam ser compreendidas em suas questões mais íntimas. De certa forma, isso traz uma espécie de conforto emocional, pois a tendência é de que os ‘amigos mais próximos’ nas redes sociais se solidarizem, na tristeza e na alegria. É como se a rede social fosse uma espécie de ‘terapeuta’, pois ressoaria as angústias e tristezas do sujeito, fazendo-o crer que está sendo ouvido e compreendido em seus anseios”, explica.

Por “questões mais íntimas”, entende-se não apenas assuntos e acontecimentos particulares. Valores e objetivos compartilhados socialmente também fazem parte desse repertório e, ao serem expostos nas redes, possibilitam a aproximação de pessoas que dificilmente se encontrariam em outro lugar. Tudo pode virar assunto nas redes sociais: desde um jantar em data especial, passando por elogios e reclamações sobre produtos e serviços, até chegar a opiniões sobre política e religião. O tom das manifestações também varia bastante: pode ir da polidez à agressão verbal.

Na visão do professor da faculdade de Direito da UFLA Leonardo Rosa, essa liberdade de fala é saudável para o exercício democrático. “Após uma ditadura marcada pela censura prévia, a Constituição de 1988 consagrou a liberdade de expressão de forma muito evidente. Não é possível limitar previamente o que uma pessoa pode ou não publicar. Qualquer expressão de sentimento poderia ser considerada uma manifestação da liberdade de expressão, mas não isenta a pessoa de responsabilidades, e até de punições”, alerta o especialista.

Exposição a riscos
redes sociais2Essa contradição ocorre porque o Brasil não conta com um arcabouço jurídico seguro: a Constituição proíbe a censura prévia, mas não diz exatamente o que pode ocorrer após a publicação. Nesse contexto, diferentes normas jurídicas e interpretações por vezes vagas de operadores do direito podem ser mobilizadas para responsabilizar e punir cidadãos. “Por exemplo, o código penal proíbe a difamação, a injúria, o desacato e a calúnia. Mas não há uma capacidade muito evidente de dizer o que cada um desses crimes significa”, explica Leonardo.

Com essa falta de clareza jurídica, não é possível prever que manifestação de sentimentos pode ou não ser punida. Nesse caso, acaba sendo determinante a disposição, e o poder econômico, de quem se sente ofendido para encarar um processo judicial. “Há pessoas que simplesmente vigiam as redes sociais, buscam qualquer manifestação contra sua imagem. Geralmente são pessoas com muitos advogados e que já têm o hábito de se proteger o tempo inteiro, como políticos”, explica.

Além do risco de envolvimento em um processo judicial, a exposição nas redes sociais pode ter outros efeitos não previsíveis para a vida das pessoas. A esse respeito, o professor da área de Psicologia destaca a análise de perfis nas redes sociais como parte de processos de recrutamento e seleção de funcionários. “É cada vez mais comum que as equipes de RH de empresas e indústrias vasculhem as redes sociais de candidatos a vagas para compreenderem melhor quem de fato é aquela pessoa que se pretende contratar”, afirma Renato.

Isso quer dizer que a melhor forma de usar as redes sociais é controlar o modo de se expressar? Nesse caso, vale o conselho do professor Leonardo: quem defende a liberdade de expressão e está disposto a assumir riscos para continuar dizendo o que pensa, no tom que julgar adequado, deve estar ciente das possíveis repercussões; por sua vez, quem é mais temeroso em relação às consequências deve preferir um tom de civilidade e polidez – que, no entanto, nem sempre é compatível com a efetiva sinceridade.

Sentimentos em análise
redes sociais3As publicações e interações nas redes sociais geram um volume enorme de dados, mas o processamento e a interpretação desse material não é uma tarefa simples. Textos, imagens e vídeos – a base dos conteúdos nas redes – constituem o que se chama de dados não-estruturados, isto é, dados que não podem ser organizados de uma forma rígida, em uma estrutura padronizada como tabelas e planilhas.

O avanço da Ciência da Computação possibilitou o surgimento de um campo de estudos denominado “análise de sentimentos”, que se dedica ao desenvolvimento de técnicas automatizadas para extrair informações subjetivas desse tipo de dado. O objetivo é, essencialmente, “analisar a satisfação ou insatisfação dos usuários em relação a um assunto, objeto ou acontecimento, para possível recomendação de conteúdos mais assertivos”, explica a professora de Ciência da Computação da UFLA e especialista em Análise de Sentimentos, Renata Rosa.

As análises permitem realizar desde classificações genéricas (sentimentos negativos, neutros ou positivos) até interpretações mais refinadas. “É possível extrair também sentimentos implícitos, como ‘possíveis desejos e anseios’, sarcasmo, ambiguidades”, acrescenta a pesquisadora. No texto de um tweet, por exemplo, cada palavra pode ser classificada como positiva, negativa ou neutra, e o somatório final indicar o sentimento que prevalece na publicação – se positivo, neutro ou negativo. As informações geradas por meio da análise de sentimentos podem ser úteis em diversos contextos. Uma das aplicações possíveis é em estratégias de marketing, que fazem uso recorrente de apelos emocionais para a venda de produtos e serviços. Os profissionais da área podem monitorar o comportamento de consumidores – e potenciais consumidores – nas redes sociais de uma marca, por exemplo, para detectar satisfações e insatisfações, e direcionar melhor o processo de venda.