UFC promove encontros on-line com participação de seis povos indígenas no Ceará

Em rodas de conversa on-line, o projeto Ancestralidades promove diálogos sobre questões de povos indígenas no Ceará (Foto: Jr.Panela)

Saberes ancestrais e conhecimentos e ferramentas tecnológicas da contemporaneidade se unem no projeto de extensão Ancestralidades, da Universidade Federal do Ceará. A iniciativa vem promovendo encontros virtuais quinzenais como estratégia de reconhecimento dos povos indígenas no Ceará e fortalecimento da saúde mental deles. Durante a pandemia de covid-19, além de enfrentarem os riscos para a saúde física, eles têm deparado com desafios que geram transtornos emocionais e mentais.

Em rodas de conversa on-line desde o ano passado, o projeto já debateu temas como território, ancestralidade, espiritualidade, envelhecimento, saúde e educação. Neste mês, o foco é a trajetória das mulheres indígenas reconhecidas pela militância em defesa dos direitos de suas etnias. A próxima reunião será no sábado (24), às 14h. Integrantes de grupos indígenas e outras pessoas interessadas em participar podem enviar mensagem para o Instagram do projeto Ancestralidades (@ancestralidades_).

A iniciativa de extensão é vinculada ao Laboratório de Pesquisa em Psicologia Ambiental (LOCUS), do Departamento de Psicologia da UFC, em parceria com a Licenciatura Intercultural Indígena Kuaba, também da UFC. Além das rodas de conversa virtuais, também são produzidos conteúdos para divulgação no Instagram do projeto (@ancestralidades_), que é coordenado pela Profª Nara Forte Diogo Rocha, docente do Departamento de Psicologia da UFC, em Fortaleza, e da Pós-Graduação em Psicologia e Políticas Públicas do Campus da UFC em Sobral.

No total, cerca de 26 pessoas participam do projeto, incluindo professores dos povos potiguara, tremembé, jenipapo-canindé, tabajara, tapeba e canindé, estudantes de Psicologia da UFC de Fortaleza e uma docente de Sobral. Vale ressaltar que, de acordo com levantamento do Governo do Estado, o Ceará conta com 14 povos indígenas, espalhados por 18 municípios da região metropolitana de Fortaleza, serras, litoral e sertão. Além dos já citados, resistem no Estado as etnias anacé, gavião, calabaça, cariri, pitaguari, tapuia-cariri,tubiba-tapuia e tupinambá.

SUICÍDIO E SAÚDE MENTAL – O projeto surgiu diante da maior vulnerabilidade da população indígena à pandemia de covid-19. Não bastasse o risco para a saúde física causado pelo Coronavírus, a saúde mental indígena também foi abalada em decorrência da necessidade de isolamento social, que obrigou a suspensão de rituais e outras vivências coletivas.

O Prof. José Itamar Teixeira, liderança tremembé e docente na Terra Indígena Córrego João Pereira, situada entre os municípios de Itarema e Acaraú, no Ceará, revela que, no ano passado, em sua comunidade uma pessoa se suicidou e outras quatro tentaram tirar a própria vida. Ele conta que foi feita uma mobilização no Ministério Público e a comunidade conseguiu obter acompanhamento mais sistemático de psicólogos, evitando casos semelhantes.

“A gente não estava precisando de cesta básica porque nós temos uma terra que é muito boa, que atende a nossas necessidades básicas. No entanto, a gente estava sentindo a necessidade do calor humano. Nós somos muito de abraçar, de estar apegado, nossos trabalhos são juntos, nossas colheitas são juntas”, diz. Sobre a suspensão de rituais, ele acrescenta: “Eu estou há muito tempo sem dançar o torém e isso afeta muito. Eu canto, sou um dos puxadores, mas só isso não preenche o vazio que tem”.

Para Itamar, o projeto Ancestralidades “veio como uma válvula de escape, em que a gente pode conversar”. Ele acha positiva a troca de informações sobre como outros povos estão enfrentando a pandemia e ressalta a oportunidade de o projeto ser um espaço para discutir questões que são caras aos povos originários. “Hoje a gente utiliza a tecnologia para fazer as pessoas conhecerem de fato quem são as 14 etnias que resistem até hoje neste modelo [de sociedade] de assimilar, de apagar as comunidades”.

CONVÍVIO – Mesmo com a distância física, os encontros virtuais têm se tornado momentos de ricas conversas e trocas de experiências. Para a Profª Nara Diogo, “o projeto atende a essa demanda de espaço de convívio, mesmo que seja virtual, que se intensificou na pandemia. O projeto também dá visibilidade à cultura e às lutas por direitos, na intenção de diminuir o preconceito relatado pelos povos indígenas”.

Afirma ainda que “o diálogo é uma necessidade humana, o ser humano se desenvolve a partir da linguagem. Então nada melhor que aliar a tecnologia, que nos potencializa e nos faz chegar mais longe, para estreitar os laços entre os povos e a Universidade”.

Com a pandemia e o isolamento social, muitas vivências coletivas dos indígenas no Ceará foram suspensas gerando transtornos emocionais (Foto: Jr. Panela)

TRADIÇÕES E DESAFIOS – Destaque entre os participantes do projeto, Teka Potiguara, liderança indígena moradora da aldeia Mundo Novo, antropóloga e gestora da Escola Indígena do Povo Caceteiro, no município de Monsenhor Tabosa, compartilhou a exitosa experiência de sua comunidade, que “fechou as fronteiras”, em maio do ano passado, para evitar a entrada do coronavírus. “Até agora não teve nenhum caso e tudo isso se deve ao nosso cuidado. Em nossa aldeia todo mundo anda de máscara, mantém o distanciamento e temos uma escola, mas as aulas estão acontecendo remotas e está dando certo”, relata.

O projeto Ancestralidades, para Teka, é “altamente importante” por mostrar como as tradições dos povos indígenas no Ceará vêm resistindo. Ela cita os conhecimentos sagrados sobre os mitos da criação; o uso das plantas medicinais; as rezas dos pajés; os rituais de morte, de nascimento e de casamento; os sítios arqueológicos com suas furnas (cavernas) e letreiros (escritas rupestres) existentes em territórios das comunidades. “Tudo isso é questão da ancestralidade, que temos e que é repassada de geração em geração”, diz.

Teka, que realiza relevante trabalho de resgate da lingua tupi, diz ainda estar muito contente com o projeto pela abertura de espaço que abre para o debate sobre as questões indígenas. “Nós seguramos a caminhada e seguramos as pontas do sagrado”. A luta pela demarcação dos territórios, pelo respeito a outros direitos indígenas, por água potável em comunidades encravadas no sertão seco é desafio presente, mas enfrentado com coragem e união demonstrada pelos povos que participam do projeto.

SAIBA MAIS – O projeto Ancestralidades tem como vice-coordenadora a Profª Denise do Nascimento, do Campus da UFC em Sobral, e conta com o apoio da Profª Zulmira Bomfim, coordenadora do LOCUS.

Com informações do blog Divulgando a Extensão.