Durban e as cotas, 20 anos depois

Há 20 anos, mais precisamente em 8 de setembro de 2001, terminava em Durban, na África do Sul, a Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Correlata. Em meio a tantos riscos institucionais e de retrocessos, é importante olhar para trás e identificar ao menos alguns avanços conquistados. Um deles foi o aumento da participação de negros no ensino superior.

Não por coincidência, foi também durante a realização da Conferência de Durban que o então governador do Rio, Anthony Garotinho, sancionou a lei que criava cotas para alunos da rede pública na Uerj e Uenf, legislação que no ano seguinte passaria também a ter um recorte racial. Ao mesmo tempo, no Rio Grande do Sul, durante a gestão de Olívio Dutra, a recém-criada Universidade Estadual do Rio Grande do Sul anunciava que teria reserva de vagas para alunos de baixa renda e com deficiência.

A adoção de cotas em universidades públicas brasileiras, uma das bandeiras defendidas pelo movimento negro brasileiro aqui e na Conferência de Durban, foi provavelmente o tema mais debatido no campo da educação naquele ano. Várias outras universidades públicas, antes mesmo da aprovação de leis, também se movimentaram e foram criando, por iniciativa própria, políticas de ações afirmativas.

Apesar do entusiasmo dos que defendiam essa política, havia muitas dúvidas sobre sua legalidade e eficácia. Apesar disso, no campo jurídico, o sistema foi acumulando vitórias em várias instâncias até que, em 2012, por unanimidade, o STF decidiu por sua constitucionalidade. No mesmo ano, o Congresso Nacional aprovou uma lei que abrangia todas as universidades federais, com previsão para que a legislação fosse rediscutida em 2022.

Os mais críticos alertavam para o risco de aumento de evasão e queda de desempenho. Eram preocupações legítimas, mas, felizmente, a maioria dos estudos realizados até agora indica um saldo positivo dessa experiência nesses quesitos.

As cotas não resolveram todos os problemas, e ninguém esperava que fariam isso sozinhas. Tampouco é correto atribuir apenas a esta política os aumentos verificados desde então. O crescimento da participação dos negros no ensino superior teve início a partir de 1998, como mostram as estatísticas do IBGE. Naquele ano, eram apenas 14% os universitários que se declaravam pretos, pardos ou indígenas. Este percentual passou a crescer de forma ininterrupta, até chegar a 46% em 2019. Além das cotas, contribuíram para esse fenômeno o aumento da conclusão no ensino médio, a expansão do ensino superior pela via privada, a organização de cursinhos pré-vestibulares comunitários e políticas como o ProUni, entre outras.

Os avanços são ainda insuficientes, especialmente nos cursos mais concorridos, mas um exemplo que ilustra bem o quanto progredimos é que, antes das cotas, uma das principais bandeiras da Educafro – uma das organizações com mais protagonismo nessa militância – era para que estudantes carentes tivessem ao menos isenção de taxa em vestibulares de universidades públicas. Ao mesmo tempo, é triste constatar que, 20 anos depois, a questão da isenção de taxa (agora no Enem) tenha voltado a ser objeto de disputa.

Fonte: Coluna Antônio Gois – O Globo