UFSB – Pesquisa propõe um guia pedagógico para aprimorar o ensino de Geografia na rede pública

O que o ensino de Geografia tem a ver com a gravidez na adolescência? Os temas são conectados na pesquisa desenvolvida por Liziane Silva Rodrigues, professora de Geografia e recém-mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino e Relações Étnico-Raciais da Universidade Federal do Sul da Bahia (PPGER/UFSB). A dissertação de Liziane, intitulada “Maternidade e Raça: um diálogo necessário para o ensino e a aprendizagem da Geografia na rede pública de ensino” foi defendida em 31 de agosto de 2021 e contou com a orientação da professora Maria do Carmo Rebouças dos Santos, que presidiu a banca examinadora formada pelas professoras Lidyane Maria Ferreira de Souza (avaliadora interna) e Ione dos Santos Rocha Cabral (avaliadora externa). Além da dissertação, o trabalho também resultou em um guia pedagógico para que docentes de Geografia possam incorporar novas práticas no seu cotidiano letivo. O desenvolvimento de um produto que possa intervir no contexto escolar pesquisado é um dos requisitos do PPGER enquanto mestrado profissional dirigido à capacitação de docentes.

Essa ligação da realidade da gravidez na adolescência, um fato que responsabiliza o menino e a menina e demanda o diálogo na escola envolvendo a ambos e aos docentes, com o contexto mais amplo que a disciplina da Geografia oferece tem a ver com a percepção que a professora Liziane foi refinando em 14 anos de magistério, lecionando na Educação Básica e na rede pública de educação. “Nos meus anos de experiência na docência, pude observar principalmente nas escolas de periferia um crescente número de estudantes engravidando precocemente. Sendo as mesmas na sua maioria, negras (pretas/pardas) e pobres. Indignada com essa realidade que via diariamente, e influenciada pelos conhecimentos e discussões proporcionados pelo mestrado profissional do PPGER, percebi então que a gravidez na adolescência por ser também um fato social e não apenas um problema de saúde pública, precisava ser discutida na sala de aula não somente nas disciplinas de Ciências Biológicas, mas também nas disciplinas da Ciências Humanas. E neste caso a Geografia (que é a minha área de formação e atuação profissional) possui em sua matriz curricular temas e conteúdos importantes que podem dialogar com os marcadores sociais e potencializar a construção de um conhecimento mais crítico e condizente com a realidade vivenciada por essas meninas.”

A relevância do estudo e do guia pedagógico está na proposta de estudar os marcadores sociais aliado aos conteúdos da Geografia visando suscitar momentos de discussões nas aulas. Isso pode colaborar para a maior visibilidade das questões que contribuem muitas vezes, para os altos índices de gravidez na adolescência entre as jovens periféricas. “Fortalecem ainda, processos de inclusão e formação de jovens mais conscientes, capazes de intervir positivamente no lugar onde vivem e na sociedade que fazem parte, reescrevendo assim a sua própria história. E, finalmente, fornecem subsídios para que as práticas docentes sejam capazes de contribuir com essa aprendizagem transformadora e crítica da realidade vivida pelos sujeitos envolvidos no processo de ensino aprendizagem”, explica Liziane.

O projeto

Conforme a pesquisadora, o projeto propôs uma investigação sobre o papel do ensino de Geografia diante das adolescentes grávidas na rede pública de educação, com os objetivos de aprimorar as práticas educativas na área de Geografia e contribuir para a inclusão das discentes e permanência delas em um ambiente com aulas mais inclusivas, acolhedoras e críticas. Importante é que a pesquisadora define a gravidez na adolescência não é apenas como um problema de saúde pública, mas também um fato social. “A proposta partiu de uma abordagem dos marcadores sociais (gênero, raça, classe social), aliado a alguns conteúdos da Geografia, condizentes com a realidade, inserindo as vivências das discentes gestantes periféricas no processo de ensino e aprendizagem. Com o intuito de possibilitar uma aprendizagem mais significativa, fortalecendo processos de inclusão e contribuindo para a formação de jovens mais críticos, capazes de respeitar, valorizar as diferenças e de intervir positivamente no lugar onde vivem e na sociedade da qual fazem parte”, afirma Liziane.

Para isso, a pesquisa incluiu uma proposta de intervenção com a aplicação de duas oficinas, uma ministrada para discentes das séries finais do Ensino Fundamental II do Educandário Pero Vaz de Caminha, escola da rede municipal de Porto Seguro, e a outra com docentes de Geografia da mesma instituição. Liziane conta que os principais objetivos das oficinas foram: promover discussões sobre a gravidez na adolescência e sobre as questões étnico-raciais; refletir e promover discussões sobre o papel do ensino de Geografia ante as adolescentes grávidas da rede pública de educação, tematizando sobre as questões raciais, culturais, sociais e econômicas que envolvem e influenciam nos índices de gravidez precoce.

A literatura consultada e os dados coletados nas oficinas permitiram chegar a algumas conclusões. Existe a necessidade de mais momentos de discussões com os docentes de Geografia e discentes sobre os marcadores sociais que têm interferido nos índices de gravidez precoce entre as adolescentes periféricas, diz Liziane. Outra constatação é a necessidade de estabelecer diálogo entre os conteúdos da Geografia e esses marcadores para se ter um olhar social para a gravidez na adolescência: “A discussão e a análise dos dados obtidos através das discentes e docentes visaram à obtenção de informações que dessem conta das dificuldades enfrentadas pelas alunas gestantes; da forma como o ensino de Geografia tem sido desenvolvido; e de como a Geografia escolar poderia contribuir com uma formação mais crítica e valorização da identidade cultural e racial”.

As oficinas serviram para saber as visões que cada grupo tinha e as problemáticas enfrentadas “que não são poucas e perpassam, desde problemas de falta de infraestrutura e valorização da identidade cultural e racial a dificuldades no ensino e na aprendizagem”, aponta a pesquisadora. Esses momentos também foram aproveitados para colaborar na construção de estratégias de ensino que pudessem ajudar na inclusão e na formação de jovens mais conscientes, além de fornecer subsídios para práticas docentes transformadoras e condizentes com a realidade vivenciada pelos sujeitos envolvidos nesse processo de ensino-aprendizagem.

Dos resultados ao guia pedagógico

A contribuição da pesquisa, para Liziane, é ajudar na compreensão da gravidez na adolescência não só como um problema de saúde pública, mas também como um fato social que pode e precisa ser discutido também nas aulas de Geografia: “Os dados obtidos com a pesquisa, indicam a urgência de se potencializar iniciativas que visem instaurar uma prática educativa mais dinâmica, que considere as vivências dos sujeitos envolvidos no processo de ensino aprendizagem, que respeite as diferenças, contribua para a valorização da identidade e busque superar as mazelas enfrentadas pelas estudantes gestantes que são na sua grande maioria negras (pretas e pardas), pobres e moradoras de bairros periféricos”.

Ela conta ainda que a investigação contribuiu para a transformação da realidade na medida em que as escutas, observações e diálogos com os discentes e docentes de Geografia do Educandário Pero Vaz de Caminha permitiram a criação de um Guia Pedagógico. Intitulado – “O ensino de Geografia em sua função social: potencializando a autonomia e inclusão das meninas negras gestantes no espaço escolar”, o guia contém sequências didáticas para as séries finais do Ensino Fundamental II, com algumas temáticas sociais, econômicas, culturais e raciais, que alinhadas aos conteúdos da Geografia, podem potencializar processos de ensino-aprendizagem mais condizentes com a realidade vivenciada pelas alunas gestantes. “Nessas sequências encontramos, além de informações sobre a temática, sugestões de conteúdos que podem ser trabalhados alinhados aos marcadores sociais; o passo a passo de desenvolvimento das sequências nas aulas; além de sugestões de textos, filmes, documentários, músicas e sites que falam sobre a temática”, detalha a professora Liziane.

A ideia é que o guia poderá auxiliar os docentes de Geografia em sala de aula e ser replicado em toda a rede municipal, sendo institucionalizado e servindo de instrumento pedagógico para os professores da disciplina. O guia foi elaborado juntamente com os docentes e será apresentado à escola. Cursos de extensão junto ao projeto Jornada do Novembro Negro do PPGER também foram ofertados sobre o documento. A professora Liziane diz ainda que uma parceria com a rede pública para adoção e divulgação do Guia será formalizada via Grupo de Pesquisa Pensamento Negro Contemporâneo e PPGER.