UFMT – Pesquisa abre espaço para descobrir espécie de sabiá-coleira

Trabalho faz parte de projeto de pesquisa direcionado a conservação.

O padrão vocal dos cantos e chamados do sabiá-coleira pode representar diferentes informações. Para os pesquisadores Davi Pereira e Vitor de Queiroz Piacentini, eles apontaram a possibilidade de existência de duas espécies para a América do Sul e renderam o reconhecimento a partir do Prêmio Severino Meireles, direcionado a trabalhos de iniciação científica. O trabalho faz parte de um projeto de pesquisa voltado para o preenchimento de lacunas na ornitologia de Mato Grosso com foco na taxonomia, biogeografia e conservação de aves.

O professor orientador, Vitor de Queiroz Piacentini, explica que o projeto buscou avaliar os limites de espécies dentro do sabiá-coleira, no que ele denomina como complexo taxonômico com grande variação geográfica e fenotípica. O docente disse que a ideia da pesquisa veio, em parte, pela necessidade de se trabalhar remotamente durante a pandemia. O acesso a base de dados já disponíveis e livremente acessíveis, como os repositórios abertos de gravações de vocalizações de aves, era uma saída natural para começar o trabalho.

“Entretanto, até hoje apenas dados de plumagem e, muito superficialmente, alguns marcadores genéticos haviam sido estudados. Sabendo que vocalizações de aves têm importante valor para o reconhecimento das espécies, o Davi avaliou como os cantos e chamados variavam entre as subespécies presentemente reconhecidas para testar se alguma dessas populações era suficientemente distinta para ser reconhecida como espécie independente”, relata o professor.

Segundo o orientador, por ser um grupo com 3 populações distintas no Centro-Oeste do Brasil, entender a variação no Mato Grosso e estados e países vizinhos certamente traria indicativos para o melhor tratamento de todas as populações através da comparação dos padrões vocais entre todas as populações do complexo. “Portanto, por estar em uma área de encontro de biomas e outras zonas de contatos entre espécies e subespécies proximamente relacionadas entre si, fechar as lacunas de conhecimento sobre as aves do Mato Grosso ajuda no entendimento dos limites de espécie e de distribuição de muitos grupos de aves neotropicais”, comenta o orientador da pesquisa.

História das espécies permite criação de planos de conservação eficientes

O estudante Davi Pereira conta que começou o trabalho no terceiro semestre de seu curso como a primeira ação na iniciação científica. “Tive grandes dificuldades na realização desta pesquisa, e cresci muito com esse trabalho, profissionalmente e pessoalmente. Nos perrengues que passei durante o percurso pude contar com a ajuda do Vítor, meu orientador, ele sempre foi muito atencioso e paciente”, relata. Davi Pereira explica que a taxonomia tem um papel muito importante na biologia, não para aumentar o número de espécies, mas por uma definição e classificação corretas.

“Só assim podemos entender melhor a história natural das espécies e criar planos de conservação eficientes. Sabendo que o sabiá-coleira se trata de duas espécies distintas, conseguimos entender melhor qual caminho evolutivo o grupo está tomando, e se necessário algum manejo, sabemos que temos que trabalhar com as duas populações separadamente, cuidado que talvez não teríamos com uma única espécie”, ressalta o estudante.

Descobertas permitem intercâmbio entre Amazônia e Mata Atlântica

De acordo com Vitor de Queiroz Piacentini, o grupo do sabiá-coleira apresentava um grande potencial a partir de resultados de pesquisas prévias que apontavam grande variação geográfica de plumagem e dados genéticos preliminares. “Ao refinar nosso entendimento dos limites de espécies dentro do grupo, hoje sabemos que as populações da Amazônia são distintas daquelas sob influência da Mata Atlântica e mesmo dos Andes, e portanto tais populações precisam ser conservadas e eventualmente manejadas de maneira independente”, ressalta.

O resultado disso é que aves de um bioma podem ser empregadas na conservação de outro. “Por serem agora reconhecidas por nós como espécies distintas, a boa condição de conservação da população da Amazônia não pode ser usada como salvaguarda da população atlântica (e vice-versa)”, analisa o professor.

Empolgação no trabalho com os sabiás

De acordo com o estudante ao receber a proposta para trabalhar com sabiás ficou empolgado e realizado porque tinha um desejo particular de estudar as aves.“Mas aqui eu quero dar destaque ao outro lado da vida acadêmica, eu não fui inocente de pensar que não iria passar por dificuldades durante o trabalho, mas devo confessar que foi mais desafiador do que imaginei”, analisa abordando a experiência pessoal e também o seu trabalho como pesquisador que está iniciando na carreira científica.

Com um olhar “de iniciante para iniciante”, o pesquisador afirma que “A ciência exige muito da gente, e às vezes desacreditamos de nós mesmos, mas nunca se esqueça de que você está em uma iniciação, e que a dificuldade e o erro fazem parte do processo, e se a ciência for seu objetivo, não se deixe levar por eles”. Davi Pereira diz que muito provavelmente outro estudante vai dar continuidade às pesquisas com sabiá-coleira, mas que o trabalho semeou dúvidas, principalmente em relação a vida profissional.

“Não tenho dúvidas que vou seguir carreira científica, apesar das dificuldades que encontramos é uma área muito gratificante e encantadora. Talvez eu comece um trabalho voltado à ecologia, que inclusive foi meu primeiro objetivo. Mas tenho que falar que a taxonomia conseguiu me cativar, e se tornou uma forte opção para o meu futuro”, destacou o pesquisador.

O orientador do trabalho destaca que a pesquisa indica que há pelo menos duas espécies. “Mas, que dados adicionais (mais gravações de algumas populações) poderão evidenciar que o número de espécies dentro do grupo é ainda maior. Respondemos uma pergunta, mas várias outras surgiram — e é assim que a ciência caminha”. ressalta o professor Vitor de Queiroz Piacentini acrescentando que o reconhecimento pelo prêmio Severino Meireles é gratificante e estimular outros alunos a desenvolverem as chamadas “pesquisas básicas”, como uma revisão taxonômica de espécies.