UFRA – Incêndios florestais e secas recorrentes estão degradando as florestas do Território Indígena do Xingu

Incêndios Florestais, secas recorrentes e intensificação da agricultura de subsistência pelos indígenas, estão entre os principais fatores que influenciaram na perda de 189 mil hectares de floresta preservada no Território Indígena do Xingu (TIX), nos últimos 20 anos. O número representa 7% de todo o território.

Os dados fazem parte de uma pesquisa publicada oficialmente nesta segunda-feira (21) e liderada pelo pesquisador Divino Silvério, membro do Painel de Ciências Pela Amazônia e docente da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), campus Capitão Poço. A pesquisa envolve outros nove pesquisadores, de universidades e centros de pesquisas nacionais e internacionais.

O estudo foi realizado na região nordeste do estado do Mato Grosso (MT), onde está localizado o TIX, que abrange uma área de 2,8 milhões de hectares. O TIX foi criado em 1961 e reúne mais de seis mil pessoas, de 16 etnias diferentes, em 100 aldeias. No território, 102.918 mil hectares já foram devastados pelas chamas em 2020, de acordo com o Instituto Centro de Vida (ICV).

Território Indígena do Xingu (TIX) abrange uma área de 2,8 milhões de hectares. Foto: Divino Silvério

“Essa é uma região-chave para entender o que pode ocorrer na Amazônia no futuro. Localizado no sul da Amazônia, o TIX apresenta menor quantidade de chuvas em relação a porção central da Amazônia. Porém, a estação seca nesta região já aumentou em quase um mês. Este aumento na duração da estação seca está associado ao desmatamento e às mudanças no clima, assim é importante entender se as unidades de conservação e terras indígenas continuam desempenhando o papel de proteção das florestas e da biodiversidade”, diz.

Ele explica que os incêndios na Amazônia são majoritariamente causados por pessoas, o que pode ocorrer com queima de pequenos roçados, manejo de áreas de pastagem, incêndios de desmatamento, e incêndios criminosos. “Em condições normais de clima os incêndios tendem a não avançar para a floresta, porque ela tem muita umidade. Porém, com as mudanças climáticas, a estação seca está se tornando mais longa em algumas regiões, com isso, as florestas se tornam mais secas e mais inflamáveis. A partir do momento que esses incêndios atingem a floresta, o seu combate ao fogo se torna extremamente difícil e caro”, diz.

Para o estudo, além de pesquisa de campo, o grupo de pesquisadores reuniu uma série histórica de imagens de satélites e produtos de sensoriamento remoto para o período entre 2001 e 2020. Com isso foi possível identificar o número de vezes que as áreas foram queimadas, o número de vezes que uma mesma área sofreu com seca extrema e outras informações que puderam subsidiar as análises.

Estudo incluiu dados de satélite e sensoriamento remoto. Foto: Hernani Oliveira

Com a junção desses dados, foi possível chegar a um resultado. “Nós observamos que em 20 anos, uma área equivalente a 7% da área do Parque já foi perdida, o que equivale algo em torno de 189 mil hectares de florestas foram degradadas no período. Uma grande área de floresta primária que virou floresta secundária, ou que estão dominadas por gramíneas”, alerta.

Divino Silverio explica que o Brasil fez diversos esforços para conservar a Amazônia, sendo o mais eficiente deles a criação de unidades de conservação e demarcação dos territórios indígenas. Mas a eficiência destas áreas protegidas parece estar diminuindo. “Essas áreas serviam como barreiras para o desmatamento, os incêndios florestais e a degradação. Porém agora é uma barreira frágil. Os indígenas sempre estiveram na região, fazendo fogo e roçado para subsistência. Porém a floresta estava equilibrada, e o fogo não escapava para a floresta. Mas com um clima mais seco os incêndios tendem a sair do controle”, explica.

De acordo com os estudos, os pesquisadores verificaram que 25% de toda a área do TIX já queimou pelo menos uma vez. “Existem áreas que eram de floresta e que já foram queimadas cinco vezes, ou seja, a área não tem tempo de se recuperar, ampliando a degradação floresta e se transformando em grandes áreas que não se tornarão floresta novamente. O fogo sai do controle, seja o gerado por indígenas, seja por fazendeiros”, diz.

Os resultados do estudo reforçam a teoria de que a Amazônia está cada vez mais próxima do “ponto de não retorno” (tipping point), ou seja, quando a floresta perderia sua capacidade de se autorregenerar. “Estudos estimam que se a Amazônia atingir 20% de área desmatada, esse seria um ponto considerado irreversível, um ponto de não retorno, e com isso, entraria em colapso, e perderia sua capacidade de fornecer serviços de ecossistema, como a sua capacidade de regular o clima mantendo altas taxas de ciclagem da água. Hoje a área desmatada da Amazônia já soma 18%, então estamos muito próximos desse limite”, explica.

O estudo também reúne pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Universidade da Califórnia, Universidade da Flórida, Instituto Socioambiental (ISA), Woodwell Climate Research Center, Fundação Renova, Universidade de Santa Catarina e Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT). A pesquisa foi publicada em artigo na revista científica Enviroment Research Letters, acessível aqui.

Amazônia já registra aumento de temperatura

O pesquisador explica que em função das mudanças climáticas globais a temperatura média sobre as áreas continentais do planeta já está 1,6 °C mais quente, e isso tem importantes implicações para a Amazônia.

“Com mais dias quentes e secas extremas há um aumento da mortalidade de árvores e as florestas se tornam mais suscetíveis aos incêndios florestais, o que por sua vez resulta em maiores emissão de CO2 para atmosfera, o que contribui para o aumento da temperatura global”, diz.

Ele explica que por estar localizada próximo a linha do equador, a temperatura da Amazônia já é naturalmente alta, então o aumento de um grau na média é muito importante. “Isso significa um aumento no número de dias muito quentes, com sérias consequências para o bem-estar humano e a biodiversidade”.

Temperatura média sobre as áreas continentais do planeta já está 1,6 °C mais quente. Foto: Hernani Oliveira

Um exemplo disso é que, quanto mais tempo de seca, maior a probabilidade de mudança no ambiente e das espécies se tornarem raras ou extintas localmente. “Várias espécies de árvores ajustam o período de produção de flores de acordo à temperatura e precipitação, com isso podem florescer mais cedo ou retardar esse florescimento e a produção de frutos. Consequentemente, a fauna que dependente desses recursos fica esperando, mas esse recurso pode não chegar”, alerta.

O pesquisador aponta caminhos que precisam ser seguidos de forma urgente, para que ainda seja possível reverter esse quadro. E que é importante ter o discernimento sobre os autores que mais influenciam nas mudanças ambientais da Amazônia.

“As populações ribeirinhas e povos indígenas são os que menos contribuem as mudanças climáticas, mas são as primeiras a sentirem os efeitos, pois são as populações mais dependem dos produtos das florestas que estão se tornando degradas. Então é importante que as políticas de enfrentamento e adaptações as mudanças climáticas tenham essa percepção de que as populações humanas não são afetadas da mesma forma”, afirma.

Populações ribeirinhas e povos indígenas são as que menos contribuem para as mudanças climáticas, explica o pesquisador. Foto: Divino Silvério

Entre as soluções apontadas pelo pesquisador está a conscientização sobre a importância da Amazônia. “A Amazônia tem grande importância para a regulação do regime de chuvas em outras regiões do país, como o centro-oeste e o sudeste. Por isso, conservar a Amazônia precisa ser uma preocupação não só de quem mora aqui, mas de todos que podem ser prejudicados com uma eventual perda dos benefícios produzidos por este ecossistema”, diz.

Outra ação citada pelo pesquisador que pode contribuir é uma política para remuneração para quem ajuda na conservação das florestas, “Atualmente as pessoas que desmatam para outros usos alternativos do solo conseguem obter lucro, mas quem conserva não recebe nada. Precisamos remunerar quem preserva a floresta, e aumentar a fiscalização para punir quem desmata ilegalmente, cumprindo a lei”.

O incentivo a cadeias produtivas de produtos florestais não madeireiros que possam oportunizar ganho econômico e o incentivo à bioeconomia também são alternativas. “Tudo isso, associado às alternativas de manejo do solo e que dispensam o uso fogo, representam ações importantes para garantir a conservação da Amazônia e o enfrentamento às mudanças climáticas”, finaliza.